17 de Dezembro de 2015
Por Paulo Moreira Leite
O voto de Edson Facchin, ontem, quando validou os atos tomados por Eduardo Cunha no encaminhamento do impeachment, tem um alcance maior do que se costuma avaliar. Facchin chegou a corte, em maio, como um magistrado de posições garantistas, corrente jurídica que faz do respeito aos direitos fundamentais uma questão absoluta -- e por essa razão foi alvo de ataques que beiravam a fúria por parte de senadores da oposição que fizeram sua sabatina.
Ontem, Facchin assumiu outra postura. Rejeitou o pedido de que Dilma possa ter direito a defesa prévia antes da abertura do processo na Câmara de Deputados. Isso quer dizer que, na prática, a presidente deverá permanecer em silêncio os debates do plenário, que devem concluir pela fatídica votação de dois terços para o caso ter prosseguimento. Acusado sem direito a defesa? Sem contraditório, natural em todas as etapas de um processo? Pois é.
O ponto importante, no entanto, envolve o papel do Senado. Nesse ponto, a decisão de Facchin é um retrocesso em relação a situação vigente no país, assumindo uma postura que vai no sentido contrário a evolução do direito e defesa de garantias. Vamos concordar que há ou pode haver um debate sobre a função do Senado num caso de impeachment.
Pelo artigo 86 da Constituição, pode-se concluir que apenas a Câmara tem algo a dizer sobre a abertura de um processo com o presidente da República. Ali se diz que "aprovada a acusação contra o presidente, será ele submetido a julgamento perante o STF." Ocorre a mesma Constituição diz, em seu artigo 52, que "compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o presidente e o vice-presidente." Há uma dúvida? Claro que há.
Ocorre que ela foi debatida em setembro de 1992, quando o país discutia o impeachment de Fernando Collor. E foi aí que se chegou a uma conclusão, como lembrei aqui neste espaço, dias atrás. Há uma jurisprudência para este caso.
Num relatório que sintetiza a decisão aprovada de um plenário preocupado com o uso político de um instrumento jurídico delicado, o ministro Octávio Gallotti lembrou que caberá aos deputados verificar "se a acusação é consistente, se tem ela base em alegações e fundamentos plausíveis, não sendo a acusação simplesmente fruto de quizílias ou desavenças políticas."
A decisão do STF também reforçou o papel do Senado no processo – o que revela mais uma cautela em nome dos direitos de defesa.
Se a denúncia pode ou não ser aceita pela Câmara, "será na esfera institucional do Senado, que processa e julga o presidente da República, nos crimes de responsabilidade, que este poderá promover indagações probatórias admissíveis."
Isso quer dizer que a decisão da Câmara tem um caráter inicial, no entender do plenário do Supremo de 1992.
Conforme Gallotti, a acusação pode "somente materializar-se com a instauração do processo, no Senado."
O texto prossegue: "Neste é que a denúncia será recebida, ou não, dado que a na Câmara ocorre, apenas, a admissibilidade da acusação."
A frase cuidadosa e clara -- "a denúncia será recebida, ou não" pelo Senado -- indica o esforço do STF para delimitar o terreno e proteger um poder que expressa a soberania popular. Não deixa dúvida sobre o papel essencial do Senado.
Já era assim em 1992, quando o STF debatia como poderia encaminhar o julgamento de Fernando Collor, alvo de denúncias abundantes e provas consistentes de crime de responsabilidade, a tal ponto que seu afastamento obteve o consenso político do PSDB e do PT, do PMDB e das principais entidades representativas do Direito.
Com seu voto de ontem, Fachin tornou a presidência da República mais vulnerável a "quizílias e desavenças políticas", para usar a linguagem de Otavio Galloti.
Este é o debate a ser feito hoje, quando o debate será retomado no STF.
Blog do Paulo Moreira Leite - Brasil 24/7
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