quarta-feira, 6 de junho de 2018

Economista diz que golpe foi dos “ladrões, plutocratas e imperialistas”

POR FERNANDO BRITO · 06/06/2018


A contribuição ao Tijolaço e ao leitor do colega Nicolas Gael, de Florianópolis, que ouviu o economista José Álvaro de Lima Cardoso tem peregrinado de de cidade em cidade, com o apoio de sindicatos e movimentos sociais, para fazer lançamentos de seu livro “Golpe de Estado e imposição da política de guerra no Brasil”.

José Álvaro tem peregrinado de de cidade em cidade, com o apoio de sindicatos e movimentos sociais, para fazer lançamentos de seu livro “Golpe de Estado e imposição da política de guerra no Brasil”, que reúne uma coletânea de artigos publicados no período de 2013 a fevereiro de 2018 e apresenta, em sua narrativa, a construção e consolidação do golpe de estado em curso no país, especialmente dos pontos de vistas econômico e político. “Além de ser referência no aspecto da formação, o livro é uma síntese do processo golpista”, diz Cardoso, que é também supervisor técnico do Dieese/SC (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)

Por que foi tão fácil, com tão pouca resistência, dar o golpe no Brasil?

José Álvaro Cardoso – O fenômeno tem inúmeras causas, difíceis de descrever em curto espaço. Mas a esquerda brasileira que estava no poder acreditou no “republicanismo” da direita. Mas, de fato, o Brasil não estava preparado para enfrentar um golpe de tão elevada magnitude e sofisticação. Em 2013 a imprensa independente já havia denunciado que o Brasil era o grande alvo das ações de espionagem dos Estados Unidos. Segundo informações o governo dos EUA espionou inclusive mensagens de emails da Presidenta Dilma Roussef e de seus assessores mais próximos, além da Petrobrás. O objetivo da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), era, como foi divulgado, buscar detalhes da comunicação da presidenta com sua equipe.Neste mesmo ano tanto Dilma quanto o ex-presidente Lula foram alertados pelos presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Turquia, Recep Erdogan, sobre a grande possibilidade de que os protestos estivessem sendo patrocinados por grandes corporações que sequer estavam no Brasil. O que se percebia era uma movimentação na rede social com um padrão e um alcance que por geração espontânea dificilmente teria tido o êxito obtido. Apesar de inúmeros avisos, o governo brasileiro não tomou nenhuma iniciativa mais importante, para enfrentar o problema. 

O Brasil vive um dos momentos mais difíceis de sua história, com perda de direitos sociais e trabalhistas, entrega do patrimônio nacional para empresas de potências estrangeiras, perdas na educação, na saúde, nos direitos humanos, nas questões de gênero, de etnia, do movimento LGBT e um recrudescimento das forças militares e paramilitares. Como chegamos a esse retrocesso sem um golpe militar, a ponto de muitos setores advogarem que não houve golpe no Brasil?

José Álvaro – Não houve golpe militar porque não foi necessário. Mas essa hipótese está no cardápio de possibilidades do imperialismo, que é quem comanda o tabuleiro do golpe. Se precisar darão o golpe militar. Aliás tem um setor expressivo das forças armadas que está super assanhado para embarcar nessa maluquice. Uma das lendas desse golpe é a de que os militares não tiveram participação, “lavaram as mãos” no processo. Isso é conversa fiada. Na literatura não existe caso de golpe de Estado sem participação militar. Fica evidente que eles foram consultados, e participaram da conspiração. Os militares não precisaram assumir, até o momento, a linha de frente, porque o Brasil foi vítima da chamada Guerra Híbrida, guerra Não-Convencional, que se vale de instrumentos linguísticos e simbólicos, com metodologia altamente sofisticada. Esse tipo de método utiliza “aliados internos” para perpetração do golpe, no judiciário, na polícia, entre as empresas, no parlamento e demais estruturas do Estado, na mídia. Foi um golpe parlamentar/jurídico/midiático, como em Honduras e Paraguai.

Quando o golpe começou a ser arquitetado e por quê? 

José Álvaro – É difícil precisar, mas um marco possível é 2012. Nesse ano começa o desembarque do governo Dilma, e a pancadaria da grande imprensa pra cima do governo, o que revela uma articulação das principais forças conservadoras para acabar com os ciclos dos governos do PT. Tem várias razões: a) O Brasil tinha recém anunciado a maior descoberta de petróleo do milênio e tinha sido aprovada a Lei de Partilha, e o petróleo está no epicentro do processo de golpe; b) o imperialismo tinha “permitido” a assunção de Lula em 2003, achando que não iria passar de um governo. Não só se reelegeu, como fez a sucessora. Eles precisavam interromper o processo; c) a mais grave crise da história do capitalismo, iniciada em 2007, reduz taxas de lucros ao nível internacional e era fundamental abrir os caminhos para fontes de matérias primas, como petróleo, grafeno, nióbio, água, etc.; d) Dilma abriu uma frente de luta contra os banqueiros sem mobilizar o povo, o que foi fatal. e) A guerra dos EUA contra os seus principais inimigos se acirrou e se tornou fundamental, desconstruir os governos progressistas da América Latina. Daí o endurecimento com Venezuela, golpe em Honduras, Paraguai e Brasil, intensificação do financiamento da direita no continente, e assim por diante; f) Um dos elementos decisivos do envolvimento dos EUA no golpe foi a aproximação do Brasil com os principais inimigos dos EUA, via Brics. Este bloco, dentre outras medidas, planejou substituir gradativamente o dólar como moeda de referência nas transações internacionais.Isto eles não podiam perdoar. A hegemonia mundial dos EUA, embora esteja estremecida, está diretamente relacionada, em boa parte, ao fato de poder emitir dólar à vontade e esta ser a moeda utilizada no grosso do comércio internacional. Nunca aconteceu uma troca de hegemonia no mundo, sem guerra. 

Quem são os pais do golpe no Brasil e no exterior?

José Álvaro – Gosto de dividir em três blocos de interesse: os ladrões (que queriam interromper a Lava Jato), plutocracia (que não estava gostando de algumas medidas, como distribuição de renda, melhoria do salários, etc.) e império, este último, claro, disparado o grupo mais poderoso. Isto ficou muito claro, pra mim, com a prisão do Marcelo Odebrecht. Quem poderia prender um dos capitalistas mais poderosos do Brasil, senão o Império Americano. Evidente que não foi o Mussolinizinho de Maringá, um reles empregado do imperialismo.

Por que boa parte do empresariado brasileiro e das Forças Armadas não defende um projeto soberano para o Brasil? Por que tanta subserviência ao capital internacional e às potências hegemônicas do Ocidente?

José Álvaro – Esta é uma pergunta extremamente complexa e difícil de responder em poucas linhas. Mas há muito, a burguesia brasileira, e consequentemente as estruturas do Estado brasileiro, aceitaram ser um sócio menor do imperialismo, este comandado pelo imperialismo estadunidense. O golpe foi desferido por várias razões, mas essencialmente para atender as dramáticas necessidades do império norte-americano, que atravessa uma crise sem precedentes. Inclusive uma crise séria de hegemonia. Como há uma crise de hegemonia e uma disputa encarniçada com Rússia/China, os EUA tem que deixar a casa em ordem, ou seja, têm que dispor de governos subservientes na América do Sul, que eles consideram o seu quintal. O ataque é pra cima de toda a América Latina, inclusive com risco de ataque militar na Venezuela. Tem uma declaração recente, não sei se é do vice-presidente dos EUA, que disse que a prioridade dos EUA é defender a “liberdade política” na Nicarágua, Venezuela e em Cuba. Nicarágua, aliás, que está sofrendo uma “Primavera Árabe”. Imaginem o nível de agressividade de uma declaração como esta. Imaginem, EUA defender liberdade política em algum país, eles defendem é os seus interesses. E os EUA, como a história mostra, são capazes de tudo em nome de seus interesses. É ingenuidade achar que o imperialismo vai ceder todo o seu poder, sem resistir. Os caras mandam no mundo. Sempre que houve troca de comando na hegemonia mundial, foi com guerra. Ainda mais considerando o poder bélico dos EUA. Então a tendência é que os conflitos localizados, aumentem na medida em que a crise do imperialismo se aprofunde. 

Há quem diga que, por não ter a costumeira truculência de um golpe militar, este agora implementado no Brasil, será muito mais difícil de combater, justamente porque, como muitos gostam de dizer, as “instituições funcionam normalmente” e continuamos a viver numa democracia com seus ritos. Quando o golpe terá fim? O pior já passou ou está por vir? 

José Álvaro – Eu acho que um golpe militar tornaria as coisas piores para nós, povo brasileiro. No momento, sobrou ainda uma fresta de democracia que permite, por exemplo, denunciarmos o golpe através desta entrevista. Se houvesse golpe militar com o nível de resistência que tem no Brasil, não tenhamos dúvida que o pouquinho que restou de democracia (e é muito pouco) desapareceria. Um golpe militar seria para aprofundar a repressão e a entrega do patrimônio nacional. Estou para conhecer militares de alta patente, nacionalistas. Exceto o que foi preso pelo golpe, ainda em 2015, o vice almirante Othon Silva, considerado o pai da energia nuclear no Brasil, projeto este que foi um dos alvos do golpe de Estado.

O campo da esquerda, mesmo depois do golpe, permanece dividido. Isso é resultado de uma análise de conjuntura equivocada ou de falta de liderança?

José Álvaro – Uma das razões de termos tomado o golpe com tanta facilidade foi a confusão da análise de conjuntura. Inclusive no núcleo duro do Governo Dilma. Primeiro achavam que a democracia no Brasil já estava consolidada, que a direita não iria dar o golpe; depois que a Dilma iria ser salva na Câmara; depois no Senado; depois no STF. Posteriormente diziam que não iriam condenar um líder popular, conhecido em todo o mundo. Hoje o líder popular está preso, sem data para sair. Portanto, os equívocos na leitura da conjuntura explicam a facilidade com que estamos apanhando até debaixo da língua, já há três anos. Mas não podemos ter ilusões. O serviço do golpe não foi concluído, pois precisam institucionalizá-lo, isto é dar uma fachada de legalidade. Precisam fazer ganhar um candidato seu nas eleições. Se não tiver condições disso, irão inviabilizar as eleições. Inclusive com golpe militar. É uma temeridade uma parte significativa da esquerda estar apostando todas suas fichas nas eleições. Inclusive porque pode não haver eleições. 

Parece haver uma certeza em boa parte da elite que governa o país de que sempre será possível controlar a reação popular, seja pelos meios de comunicação, seja pela repressão direta. Por isso, parece não haver limites para o retrocesso que se quer impor ao país. Tudo parece estar dominado. Qual é, afinal, a saída?

José Álvaro – Como todos os poderes aderiram ao golpe, a saída é de longo prazo: temos que organizar o povo, do contrário seremos eternamente uma colônia do imperialismo americano. Tem brasileiros bem intencionados achando que as eleições irão “consertar tudo’. Mas as ilusões não costumam ser boa conselheiras. O serviço do golpe não foi concluído, pois precisam institucionalizá-lo, isto é dar uma fachada de legalidade, como ocorreu recentemente no Paraguai onde a esquerda participou das eleições e perdeu. Precisam fazer ganhar um candidato seu nas eleições, se não tiver condições disso, irão inviabilizar as eleições. Inclusive com possibilidade de golpe militar. É uma temeridade uma parte significativa dos trabalhadores estar apostando todas suas fichas nas eleições. Dentre outras razões, porque elas podem não ocorrer. Também é um equívoco disputar as eleições com qualquer candidato, sem chance de ganhar, porque a esquerda estaria decorando as eleições do golpe, da qual o principal líder popular foi retirado do jogo exclusivamente pelo fato de que iria vencer o pleito


Tijolaço

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