quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Leandro Fortes: Dilma vai à festa da Folha — e à cova dos leões


Daniel na cova dos leões






Na íntegra do discurso de Dilma Rousseff proferido na cerimônia de aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo, disponibilizado na internet pela página do Portal UOL, lê-se, não sem certo espanto: “Estou aqui representando a Presidência da República. Estou aqui como presidente da República”.

Por Leandro Fortes, no blog Brasília, eu Vi
Das duas uma: ou Dilma abriu mão, em um discurso oficial, de sua batalha pessoal para ser chamada de “presidenta”, ou, mais grave, a transcrição de seu discurso foi alterada para se enquadrar aos ditames do anfitrião, que a chama ostensivamente de “presidente”, muito mais por birra do que por purismo gramatical.

Caso tenha, de fato, por conta própria, aberto mão do título de “presidenta” que, até então, lhe parecia tão caro, este terá sido, contudo, o menor dos pecados de Dilma Rousseff no regabofe de 90 anos da Folha.

Explica-se: é a mesma Folha que estampou uma ficha falsa da atual presidenta em sua primeira página, dando início a uma campanha oficial que pretendia estigmatizá-la, às vésperas da campanha eleitoral de 2010, como terrorista, assaltante de banco e assassina. A ela e a seus companheiros de luta, alguns mortos no combate à ditadura.
Ditadura, aliás, chamada de “ditabranda”, pela mesma Folha.

Esta mesma Folha que, ainda na campanha de 2010, escalou um colunista para, imbuído de sutileza cavalar, chamá-la, e à atual senadora Marta Suplicy, de vadia e vagabunda.

Essa mesma Folha, ora homenageada com a presença de Dilma Rousseff.

Digo o menor dos pecados porque o maior, o mais grave, o inaceitável, não foi o de submeter a Presidência da República a um duvidoso rito de diplomacia de uma malfadada estratégia de realpolitik. O pecado capital de Dilma foi ter, quase que de maneira singela, corroborado com a falsa retórica da velha mídia sobre liberdade de imprensa e de expressão.

Em noite de gala da rua Barão de Limeira, a presidenta usou como seu o discurso distorcido sobre dois temas distintos transformados, deliberadamente, em um só para, justamente, não ser uma coisa nem outra. Uma manipulação conceitual bolada como estratégia de defesa e ataque prévios à possível disposição do governo em rever as leis e normas que transformaram o Brasil num país dominado por barões de mídia dispostos, quando necessário, a apelar para o golpismo editorial puro e simples.

A liberdade de expressão que garantiu o surgimento de uma blogosfera crítica e atuante durante a guerra eleitoral de 2010 nada tem a ver com aquela outra, defendida pela Associação Nacional dos Jornais, comandada por uma executiva da Folha de S.Paulo. São posições, na verdade, antagônicas. A Dilma, é bom lembrar, a Folha jamais pediu desculpas (nem a seus próprios leitores, diga-se de passagem) por ter ostentado uma ficha falsa fabricada por sites de extrema-direita e vendida, nas bancas, como produto oficial do Dops. Jamais.

Ao comparecer ao aniversário da Folha, a quem, imagina-se, deve ter processado por conta da ficha falsa, Dilma se fez acompanhar de um séquito no qual se incluiu o ministro da Justiça. Fez, assim, uma concessão que está no cerne das muitas desgraças recentes da história política brasileira, baseada na arte de beijar a mão do algoz na esperança, tão vã como previsível, de que esta não irá outra vez se levantar contra ela. Ledo engano. Estão a preparar-lhe uma outra surra, desta feita, e sempre por ironia, com o chicote da liberdade de imprensa, de expressão, cada vez mais a tomar do patriotismo o status de último refúgio dos canalhas.

Dilma foi torturada em um cárcere da ditadura, esta mesma, dita branda, que usufruiu de veículos da Folha para transporte e remoção de prisioneiros políticos – acusação feita pela jornalista Beatriz Kushnir no livro Cães de Guarda (Editora Boitempo), nunca refutada pelos donos do jornal.

A presidenta conhece a verdadeira natureza dos agressores. Deveria saber, portanto, da proverbial inutilidade de se colocar civilizadamente entre eles.

Vermelho

Um comentário:

  1. Discordo veementemente dessa tempestade que estão fazendo certos blogueiros progressistas sobre a ida da presidenta Dilma a festa da Folha. É fato que Dilma foi atacada com virulência por toda grande mídia durante a campanha de 2010, principalmente pela Folha. Mas, Dilma não é mais a candidata de Lula, a candidata da esquerda, agora é a presidenta da república de todos os brasileiros e não só dos petistas, nada mais republicano e democrático que respeitar as instituições e cumprir o protocolo.
    O discurso da presidenta foi mais do que perfeito, foi pontual. O Marco regulatório está saindo do forno e não vai demorar muito. É providencial que a presidenta bata na tecla sempre que oportuno, que é defensora da liberdade de expressão sim. O que defendemos é a regulamentação e a democratização da mídia. Obviamente os monopólios midiáticos não toleram esse discurso e desviam a atenção do leitor para o velho discurso de censura e liberdade de expressão.
    Quem pensa que Dilma foi a esta festa para uma tentativa de paz com a velha mídia engana-se! Fosse assim, não estaria presente entre seus séquitos o ex-ministro José Dirceu que desmascara semana sim e outra também, a velha mídia, principalmente a Folha de SP em seu blog.
    Afobados, os companheiros não percebem a grandeza da nossa presidenta em ter ido dentro da casa do inimigo que mais lhe atacou na campanha, avisar que a luta continua, mas será uma luta justa e democrática, pelo menos da parte do governo.

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