28/08/2014
Autor: Mauro Santayana
(Jornal do Brasil) - À medida que estamos mais perto da eleição, se evidencia também a necessidade de avaliar as opções estratégicas que aguardam o Brasil nos próximos anos.
Hoje, muita gente acha que se nos aproximarmos muito do mundo em desenvolvimento, como a América do Sul, África e as potências emergentes às quais estamos unidos no BRICS - Rússia, Índia, China, África do Sul - estaremos nos afastando cada vez mais da Europa e dos EUA.
Há, entre certos tipos de brasileiros, os que continuam cultuando apenas o que existe em Nova Iorque, Miami ou Paris, como se não existisse mais nada neste mundo, e os arranha-céus mais altos do planeta não estivessem sendo construídos – para ficar apenas no símbolo de modernidade e pujança das “skylines” que fizeram a fama dos EUA – em cidades como Moscou, Dubai, ou Xangai.
Ataca-se a China por censurar o Google, mas não se atacam os EUA por usarem a internet para espionarem e chantagearem milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo nações de quem se dizem “aliados” como é o caso do Brasil e da Alemanha.
Atacam-se os países do MERCOSUL por nos impor barreiras comerciais, mas não a Europa e os Estados Unidos por terem feito conosco exatamente o mesmo, nos últimos 200 anos, bloqueando – sempre que puderam - o desenvolvimento de tecnologia em nosso continente e absorvendo, antes e depois de nossa independência, basicamente matérias-primas.
Muitos esquecem que o MERCOSUL, com todas suas barreiras, continua o maior, e, às vezes, o único destino para nossas manufaturas. Que só para países como a Venezuela temos aumentado nossas exportações nos últimos anos.
Isso, enquanto têm diminuído nossas vendas e nossos ganhos – e os do resto do mundo - com a Europa e os EUA, no esteio das consequências de uma crise que já dura vários anos e que teve sua origem na desorganização e irresponsabilidade de do sistema financeiro que está sediado ao norte da linha do Equador.
A pergunta que cabe que nos façamos nos próximos anos é a seguinte: a que mundo pertencemos?
Ao da Europa e dos EUA, que sempre nos trataram como colônia e cidadãos de segunda classe a ponto de termos tido milhares de brasileiros expulsos de seus aeroportos há pouquíssimo tempo?
Ou ao mundo em desenvolvimento, onde a cooperação e a necessidade de agregar centenas de milhões de pessoas a uma vida mais digna abre a porta para a oportunidade da realização de acordos e negócios que podem influenciar e melhorar também nosso futuro?
Assim como ocorre na área comercial e diplomática, o Brasil precisa melhorar sua condição de negociação com os EUA e a Europa na área de defesa, usando, para isso, a perspectiva e a ameaça, sempre presentes, de nos aproximarmos, também nessa área, cada vez mais dos BRICS.
Os Estados Unidos e a Europa sempre se mostraram refratários a transferir tecnologia sensível ao Brasil e a outras nações latino-americanas.
Os avanços conseguidos nesse campo pelos governos militares foram feitos a fórceps, como ocorreu nas áreas bélica e aeroespacial, depois do rompimento, pelo Governo Geisel, dos acordos de cooperação com os EUA na área militar, e a aproximação com a Alemanha no campo da utilização pacífica da energia atômica.
Os países “ocidentais” só aceitam transferir um mínimo de tecnologia bélica para países como o Brasil, quando a isso se veem obrigados pelas circunstâncias.
Isso ocorre no caso em que estejamos prestes a alcançar certos avanços sozinhos – e aí eles se aproximam para “monitorar” e “medir” nossos avanços- ou se tivermos outros parceiros, como China ou Rússia – dispostos a transferir para nossas empresas, técnicos ou cientistas, esse conhecimento.
Depois do tímido esforço de rearmamento iniciado na última década, virou moda, nos portais mais conservadores, se perguntar contra quem estamos nos armando, se vamos invadir nossos vizinhos, ou, ridiculamente combater os Estados Unidos.
Muitos se esquecem, no campo da transferência de tecnologia na área de defesa, que sempre fomos tratados pelos Estados Unidos como um inimigo ao qual não se deve ajudar, em hipótese alguma, a não ser vendendo armas obsoletas ou de segunda mão.
No programa FX, de compra de caças para a Força Aérea, a BOEING norte-americana só concordou em transferir tecnologia para a Embraer – acordo que teria, antes de concretizado, de ser aprovado pelo congresso norte-americano – depois que os franceses, com o RAFALE, e os suecos, com o GRIPPEN NG BR, já tinham concordado em fazer o mesmo. E isso quando vários oficiais da Força Aérea brasileira se manifestavam nos fóruns, torcendo abertamente pelo SUKHOI S-35 russo.
O melhor exemplo do que pode ocorrer, em caso de conflito, principalmente com algum país ocidental, se dependermos da Europa ou dos EUA para nos defendermos, é o argentino.
Na Guerra das Malvinas, as mesmas empresas que, antes, forneciam armas e munição para que o Regime Militar massacrasse a população civil, em nome da “guerra interna”, das “fronteiras ideológicas” e do “anticomunismo”, deixaram de fornecer armas e peças de reposição às forças armadas daquele país, para que não fossem usadas contra a Inglaterra.
Os Estados Unidos só concordariam em fornecer armamento avançado ao Brasil, mas nunca no nível do deles, caso aceitássemos nos transformar em seus cães de guarda na América do Sul, como o faz Israel no Oriente Médio; ajudássemos a criar uma OTAN no hemisfério sul; ou concordássemos, como é o caso da Itália ou a Espanha, em participar em “intervenções” como as feitas por Washington em países como a Líbia, o Iraque e o Afeganistão, correndo o risco de indispor-nos com milhões de brasileiros de origem árabe e de virar, de um dia para o outro, alvo de ataques, em nosso próprio território, de organizações radicais islâmicas.
Nos últimos anos, conseguimos desenvolver uma nova família de armas individuais 100% nacional, as carabinas e fuzis IA-2, da IMBEL; uma nova família de blindados leves, a Guarani, dos quais 2.050 estão sendo construídos também em Minas Gerais; desenvolvemos o novo jato militar cargueiro KC-390, da Embraer, capaz de carregar dezenas de soldados, tanques ligeiros ou peças de artilharia; voltamos a fortalecer a AVIBRAS, com a compra do novo sistema ASTROS 2020, e o desenvolvimento de mísseis de cruzeiro com o alcance de 300 quilômetros; estamos construindo no Brasil cinco novos submarinos, um deles a propulsão nuclear e reator nacional, com a França, um estaleiro e uma nova base para eles; desenvolvemos a família de radares SABER; foi fechada, com transferência de tecnologia e desenvolvimento conjunto com a Suécia, a construção em território brasileiro de 36 caças GRIPPEN NG-BR (foto); conseguimos fazer, no Brasil, a “remotorização” de mísseis marítimos EXOCET; foi fechada a transferência de tecnologia e está sendo desenvolvido, com a África do Sul, o novo míssil ar-ar A-DARTER; foram comprados novos navios de patrulha oceânica ingleses; helicópteros e baterias antiaéreas russas; e aumentou-se a aquisição e a fabricação de helicópteros militares montados na fábrica da HELIBRAS.
Esses projetos, que envolvem bilhões de dólares, não podem, como já ocorreu no passado, ser interrompidos, descontinuados ou abandonados, nos próximos anos, pelo governo que assumir o poder a partir de janeiro de 2015.
Vivemos em um planeta cada vez mais multipolar, no qual os Estados Unidos e a Europa continuarão existindo e seguirão tentando lutando para se manter à tona contra uma lógica – e inexorável – tendência à decadência econômica, militar e geopolítica.
Nesse contexto, os EUA e a Europa têm que ser olhados por nós como potências que estão no mesmo plano, militar ou político, que a China, a Rússia, a Índia ou o próprio Brasil. Como quinto maior país em população e extensão territorial, o Brasil tem a obrigação de negociar, e entrar no jogo, com todas essas potências, de igual para igual, e, nunca mais de forma subalterna. Sob a pena de perder o lugar que nos cabe neste novo mundo e neste novo século.
Jornal do Brasil