Danilo Macedo - Repórter da Agência Brasil Edição: Lílian Beraldo
Na última terça-feira (19), imagens da decapitação de um repórter fotográfico norte-americano pelo grupo Estado Islâmico (EI) chocaram o mundo. Elas evidenciaram a brutalidade da violenta campanha empreendida na Síria e no Norte do Iraque, onde o grupo, no início do mês, invadiu áreas sob controle dos curdos deixando mais de 1 milhão de refugiados. A nova organização, fundada em 2004, a partir do braço iraquiano da conhecida Al Qaeda, tem a proposta de recriar o califado - a forma islâmica de governo, extinta em 1924 -, que representa a unidade política do mundo islâmico e sobrepõe a ideia de pertencimento nacional, extinguir as fronteiras e impor a sharia, a lei islâmica.
“Eles não reconhecem a legitimidade dos Estados que foram implementados no Oriente Médio, a partir dos interesses ocidentais, e então, simbolicamente, por exemplo, queimam os passaportes, as identidades nacionais. Eles querem criar uma identidade árabe, mas com base numa sustentação sunita do Islã”, explica o professor da Universidade de Brasília (UnB) Pio Penna, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (Ibri).
Segundo Penna, a desestabilização do governo xiita no Iraque, que não soube se articular com os sunitas, outro ramo do islamismo, e com os curdos, etnia que vive no Norte do país, foi o cenário propício para a expansão do Estado Islâmico. “O governo xiita não soube fazer uma composição adequada e sua legitimidade foi erodida. O Estado Islâmico foi explorando essas brechas, principalmente na Região Norte do país”, disse. Para o professor, os Estados Unidos não conseguiram cumprir a promessa de levar democracia ao Iraque após a invasão de 2003, que resultou na queda de Saddam Hussein, e o Estado iraquiano foi se “esfacelando”.
“O nome inicial era Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que é a região da Síria. Eles ganharam tanta confiança que mudaram o nome para Estado Islâmico, tirando a dimensão regional. A noção do califado é voltar ao império árabe muçulmano”, diz Penna.
Grandes potências, como os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido e a França, elevaram suas preocupações nos últimos dias e anunciaram a ampliação do apoio, com efetivos militares e armas, à resistência contra o EI – composta por curdos e xiitas, no Iraque.
Ontem (21), o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Chuck Hagel, disse que o Estado Islâmico é uma ameaça "que ultrapassa tudo o que conhecemos" em se tratando de terrorismo. “O Estado Islâmico vai mais longe do que um grupo terrorista. Alia ideologia e sofisticação com conhecimento militar, tático e estratégico. E é extremamente bem financiado", disse. "Devemos estar preparados para tudo", destacou.
Desde 8 de agosto, o governo norte-americano realiza ataques aéreos a alvos do Estado Islâmico. Apesar das ameaças do grupo de matar outro jornalista refém, caso os ataques não fossem interrompidos, os Estados Unidos mantêm as ofensivas no Norte do Iraque, em apoio às forças curdas.
O diretor-geral do Ibri avalia que a tendência é que o grupo seja contido, mas não erradicado, e controle alguns territórios da Síria e do Iraque por muito tempo. Além disso, os curdos, que há tempos reivindicam um Estado próprio, podem sair fortalecidos ao conter o avanço do EI.
Saiba mais sobre o conflito:
Grupos religiosos islâmicos: xiitas x sunitas
Sunitas: maior corrente do islamismo, o nome deriva de Suna, livro biográfico com os ensinamentos do profeta Maomé e considerado a segunda fonte da lei islâmica após o Alcorão. Representam quase 90% da população muçulmana. No Iraque, no entanto, não passam de 20%. Os sunitas, originalmente, tinham uma interpretação mais flexível dos textos sagrados e ação política e religiosa mais conciliatória e pragmática, permitindo diálogo maior com outras religiões. Para os sunitas, não é preciso descender de Maomé para ser um bom califa. Grupos como o EI e a Al Qaeda, além de ditadores como Saddam Hussein, pertencem ao grupo sunita.
Xiitas: Representam cerca de 10% dos muçulmanos, mas, no Iraque, são 60% da população, concentrada principalmente no Sul. Seguem princípios mais rígidos e acreditam que apenas os líderes descendentes da família de Maomé são aprovados por Alá e, portanto, têm capacidade de tomar as decisões mais acertadas. Os confrontos com os sunitas começaram no ano 632, com a morte do profeta, seguida pela disputa sobre quem o sucederia como califa. Perseguidos nos governos sunitas do Iraque, chegaram ao poder após a deposição de Saddam Hussein.
Etnias: Árabes e Curdos
Árabes: São o maior grupo étnico do Oriente Médio, com cerca de 350 milhões de pessoas. Originário da Península Arábica, formada por regiões desérticas, se espalhou a partir do século 7, com uma grande corrente migratória impulsionada pela expansão do islamismo. O maior fator de unidade entre os árabes não é a religião, mas sim o idioma. São maioria no Egito, na Jordânia, na Síria, no Líbano, no Iraque, nos países da península Arábica e na Palestina.
Curdos: Grupo étnico nativo da região que abrange áreas do Irã, Iraque, da Síria, Turquia, Armênia e Azerbaijão, chamada Curdistão, com 500 mil quilômetros quadrados. Falam o idioma curdo e são mais de 26 milhões de pessoas, representando o maior grupo étnico sem Estado do mundo. No Iraque, representam 15% da população e, embora lutem por um Estado independente próprio, são importantes para a luta do país contra o EI na fronteira do Norte.
Yazidis: Minoria que faz parte da etnia curda, mas se diferem da maioria por sua religião, que mistura várias tradições e era praticada pela maioria dos curdos até a expansão do islamismo, durante a Idade Média. Os yazidis acreditam em reencarnação e não seguem nenhum livro sagrado. Creem que Deus colocou a Terra sob a proteção de sete divindades (anjos), sendo o principal deles Malek Taus, o Anjo-Pavão, conhecido, no Alcorão, como Satanás. Por isso, são chamados de “adoradores do diabo” pelos muçulmanos e foram perseguidos por séculos. Nos últimos dias, o EI expulsou milhares de yazidis de seu reduto, a cidade de Sinjan, no Norte do Iraque. Parte deles está recebendo treinamento bélico no Curdistão. Além do EI, sua população também luta contra a sede, a fome e o calor.
Estado Islâmico: Também conhecido como Isis, sigla em inglês para Estado Islâmico do Iraque e da Síria, o Estado Islâmico (EI) é um grupo muçulmano extremista fundado em outubro de 2004 a partir do braço da Al Qaeda no Iraque. É formado por sunitas, o maior ramo do islamismo. Entre os países muçulmanos, os sunitas são minoria apenas entre as populações do Iraque e do Irã, compostas majoritariamente por xiitas. Em janeiro deste ano, o EI declarou que o território sob seu controle passaria a ser um califado, a forma islâmica de governo, extinta em 1924, que representa a unidade política do mundo islâmico e que sobrepõe a ideia de pertencimento nacional, pregando o fim de fronteiras e a imposição da sharia. Abu Bakr Al Baghdadi, que liderou o braço da Al Qaeda no Iraque, foi nomeado califa, ou líder, sucessor do profeta Maomé. Em fevereiro, a rede Al Qaeda anunciou que não apoiava o EI, apesar de defenderem o mesmo tipo de ideologia jihadista.
O sunitas radicais do EI consideram que os xiitas são infiéis e devem ser mortos. Aos cristãos, os extremistas dão três opções: a conversão, o pagamento de uma taxa religiosa ou a pena de morte.
No Iraque, o EI tenta se aproveitar da situação conflituosa entre curdos, árabes sunitas, cristãos e xiitas, que atualmente governam o país, para ampliar sua área de controle. Lá, tem a simpatia dos iraquianos sunitas, que estiveram no poder durante as décadas de governo Saddam Hussein, perseguindo a maioria xiita. Atualmente, os sunitas são perseguidos pelo governo xiita. Na Síria, o EI também tem a simpatia de parte dos rebeldes que lutam contra o governo de Bashar Al Assad.
A maior parte dos militantes do EI vem de nações árabes, entre elas, a Arábia Saudita, o Marrocos e a Tunísia. Estima-se que cerca de 3 mil cidadãos de países ocidentais também estejam entre os combatentes. Alguns levantamentos indicam que as nacionalidades dos voluntários do EI chegam a mais de 80.
Embora ainda não haja comprovação, as suspeitas indicam que boa parte dos recursos que financiam o grupo vêm de doadores privados de países do Golfo Pérsico. Apesar do apoio de combatentes de várias nacionalidades, o extremismo e a crueldade com que o EI atua é visto como ameaça pelos próprios sunitas moderados, que detêm o poder político em outros países da região, como Jordânia, Arábia Saudita e Turquia.
Sharia: Direito Islâmico. Em várias sociedades islâmicas não há separação entre religião e legislação, dessa forma, as leis são baseadas nas escrituras sagradas e nas interpretações dos líderes religiosos.
Jihadistas: Em árabe, jihad significa empenho, esforço. No islamismo, é entendida como luta consigo mesmo em busca da fé perfeita e o esforço para levar a religião islâmica a outras pessoas. De acordo com o Alcorão, livro sagrado do Islã, baseado na vida do profeta Maomé, quem participa da jihad alcançará a felicidade no paraíso. É usada pelos extremistas para justificar ações terroristas contra populações consideradas “infiéis” por não seguirem os mesmos princípios religiosos. No Ocidente, a jihad é comumente chamada de “guerra santa” e, por esse motivo, os militantes do EI são chamados de jihadistas. Na Idade Média, quem liderava a jihad era o califa, representado hoje por Abu Bakr Al Bagdadi.
Agência Brasil
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