DOM, 12/10/2014 - 14:56
ATUALIZADO EM 12/10/2014 - 15:35
Exclusivo para Jornal GGN

Santiago do Chile – País com 10,67 milhões de habitantes (2013), de maioria indígena e mestiça (55%; 30%), baixíssima densidade demográfica (9 hab/km2), exportador de commodities, mas líder do crescimento econômico na América Latina por dois anos consecutivos (2013: 6,8%, 2014: 5,5% projetados) e com 32% da população resgatados da zona da pobreza em oito anos, a Bolívia vai às eleições neste domingo, para escolher deputados para o Congresso e o novo presidente do país.
Além de Evo Morales, candidato à segunda reeleição, mais quatro desafiadores estão no páreo. São eles: o empresário do ramo do cimento, Samuel Doria Medina, o ex-presidente Jorge "Tuto" Quiroga, o ex-prefeito de La Paz e ex-aliado de Evo Morales, Juan del Granado, e pelo Partido Verde, o líder indígena amazónico Fernando Vargas. A única dúvida é se Evo superará sua marca dos 64%, porque de resto ele está virtualmente eleito.
A Bolívia de Juan Evo Morales Ayma é um desses países, cujo dinamismo surpreende e contradiz a falácia do receituário neoliberal: de todos os governos progressistas que mudaram o mapa geopolítico sul-americano na última década, a Bolivia brilha como a estrela solitária do crescimento econômico sustentado, elogiada por analistas antagônicos, tanto da CEPAL como do FMI.
O exitoso capitalismo social à boliviana
Amigo figadal do finado Hugo Chávez – pasionario do discurso anti-capitalista e estatizador febril -, na hora de acertar os ponteiros de seu projeto econômico, o antigo líder sindical cocaleiro de Chapare e seu MAS- Movimiento al Socialismo - preferiram abraçar a cartilha de Luis Inácio Lula da Silva, conjugando a tradição extrativista do país com amplas políticas de redistribuição de renda, e desse modo baixar notavelmente os índices de pobreza e indigência de 62,9% para 40,9% da população rural, e de 24,3% a 12,2% nas áreas urbanas.
Resultado: em 2013, esses números catapultaram a Bolívia também à liderança do ranking latino-americano em políticas de inclusão social.
Segundo a definição do pesquisador Eduardo Gudynas, do Centro Latino-Americano de Ecología Social (CLAES) de Montevidéu, com sua chegada ao poder, em 2006, o MAS refundou a Bolívia com um “Estado compensador neo-extractivista”, não descartando radicalmente as leis do modo de produção e da acumulação capitalista, mas alterando, sim, boa parte das regras do jogo mediante a aprovação de uma Constituição democrática, escoltada por uma nova legislação para o setor estratégico do gás e do petróleo, encarado sob ótica nacionalista.
Surfando na tendência da alta global dos commodities, o boom econômico da Bolivia não se traduz apenas em crescimento sustentado do PBI, mas em aumento das reservas cambiais, valorização do Boliviano como moeda de troca, e geração de superávit fiscal. A guisa de comparação: em 2006, o PIB do Chile – então lembrado como o melhor pupilo da cartilha neoliberal – superava em 13 vezes o da Bolívia, em 2013 a diferença caiu para 8. Álvaro Linera, vice de Evo, aposta na radicalização dessa conta, arriscando-se a estimar que em 2025, se não for 2:1, a Bolívia, com pouco mais que a metade da população chilena, terá alcançado o desempenho econômico de seu problemático vizinho.
Porém, sem discutir aqui o caráter eminentemente obsoleto da fixação na velha matriz energéica dos combustívedis fósseis, o calcanhar de Aquiles de todo boom baseado no extrativismo exportador de commodities é sua perigosa exposição à volatilidade do mercado internacional. Sem uma bem articulada política industrial, com investimentos em ciência e tecnologia e desenvolvimento de incipiente parque fabril – desafio que a Bolívia enfrenta atualmente na tentativa de agregar valor à extração do lítio, do qual possui uma das maiores reservas do mundo –, as galinhas dos ovos de ouro da Bolívia, gás e petróleo ou lítio, correm risco de inanição.
Turbulências e parto do Estado Plurinacional
Nem tudo foram rosas na trajetória de Evo Morales.
“Macaco", "dictadorzinho" ou "excelentíssimo assassino", sem falar das alusões desairosas à sua mãe, eram os epítetos dedicados há menos de uma década ao presidente boliviano na província de Santa Cruz, dominada por poderosos ruralistas de origem branca, que ameaçavam La Paz com uma guerra de secessão.
Pano de fundo do surto separatista e de violentos protestos também na região ocidental do país, foi a Assembleia Constituinte instalada em 2006, que deu à Bolívia a nova Constituição Plurinacional, aprovada por 164 dos 255 constituintes, modificada pelo Congresso e referendada pela população mediante plebiscito; aprovação que incluiu o direito a uma segunda reeleição. Ter conseguido sobreviver aquelas borrascas sem ferir noavelmente direitos individuais, garantiu a Evo Moirales sua reeleição em 2009, com 2/3 da maioria legislativa,.
Hoje, o Oriente, como é chamado, é um barril de pólvora desativado, que se resignou à aceitação da invencibilidade do “índio” e preferiu usufruir das benesses do crescimento econômico.
Resgate e tensões com a auto-estima indígena
Contudo, o êxito econômico apenas não explica a concordância da Bolívia com um terceiro mandato para Evo Morales. Tão senão mais importante é a origem étnica e a serena revolução cultural promovida por sua Constituição que resgata raízes e devolve direitos à maioiria aymara, quechua e pelo menos 40 outros grupos indígenas do país, como a valorização e reconhecimento oficial de seus idiomas ao lado do castelhano.
Hoje, o racismo e a discriminação étnica são fenômenos em refluxo na Bolívia, mas ainda há “cuentas pendientes”, como afirmam lideranças de El Alto, na periferia de La Paz, centro da militância indígena, bastião eleitoral do MAS, que agora usufruem do moderníssimo teleférico construído pela empresa austríaca Doppelmayr, especializada em sistemas de transporte alpino.
Das cholas por blogueiros a costureiras de fundo de quintal., é unânime a percepção do resgate da indianidade pelo presidente, um deles, mas observam que o governo poderia ser mais incisivo e reiterativo em suas politicas.
Na Amazônia boliviana, Evo protagonizou graves momentos de tensão, em 2011, dando a mão à palmatória e cedendo ao protesto indígena contra o projeto de construção da estrada que cortaria a reserva florestal do Territorio Isiboro e do Parque Nacional Isidoro Secure, incluindo a Bolívia na interconexão da Amazônia brasileira com os portos chilenos e peruanos, no Pacífico – um caso que ilustra de forma emblemática as tensões geradas entre o modelo neo-desenvolvimentista e a necessidade de proteção dos direitos comunitários e dos recursos naturais.
Fazendo do defeito a virtude
Respondendo aos críticos, que alardeiam o modelo extrativista-exportador, Evo costuma advertir com razão que a inclusão social e a melhoria generalizada das condições de vida no país andino só foram possíveis graças à nacionalização do setor energético, o que na prática significa principalmente maior barganha nos lucros e a obrigatoriedade das multinacionais ao reinvestimento.
Mediante a recapitalização do Estado, foi possível, por exemplo, a emissão de bônus (bolsas) sociais para os segmentos vulneráveis da população, principalmente crianças e idosos, com o investimento do excedente em obras de infraestrutura.
Ao contráio da Venezuela, Evo e seu MAS foram perspicazes, expropriando apenas os setores estratégicos – energia e telecomunicações – mas poupando o setor de alimentos para não sofrer gargalos e boicotes em sua distribuiçção, e reduzindo a dependência da exportação - tudo combinado com políticas de relativa ortodoxia financeira para o controle da inflação e do equilíbrio das contas públicas.
Contas feitas, a Bolívia vai bem, obrigado!
“Vai aos trancos!”, replicam vários movimentos de mineiros, índios e camponeses, que não hesitam em tomar as ruas com seus protestos, mas na hora de votar não têm dúvida: é Evo na cabeça, porque “o índio” é um deles.
Jornal GGN
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