12 de março de 2015
Lula decidiu pela permanência de refugiado italiano no país depois que o Supremo lhe garantiu palavra final no caso
A prisão de Cesare Battisti desafia uma decisão presidencial.
“Será que o Brasil ficou de ponta cabeça e não me avisaram?”, perguntou um dos maiores juristas brasileiros, ao ser informado do fato.
Battisti encontra-se legalmente no Brasil por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No último dia de seu governo, valendo-se de uma prerrogativa que a lei assegura ao presidente da República, Lula rejeitou o pedido de extradição do governo da Itália, onde Battisti havia sido condenado por quatro assassinatos.
Em sua sentença, a juiza Adversi Rates, da 20a. Vara Federal de Brasília, determinou que Battisti seja deportado. Até lá, deverá permanecer na cadeia. No despacho, a juíza escreveu que Battisti encontra-se em “situação irregular” no país. Como conta a repórter Natuza Nery, da Folha de S. Paulo, também disse que “por ser criminoso condenado em seu país de origem por crime doloso, não tem o direito de aqui permanecer, e portanto, não faz jus à obtenção nem de visto nem de permanência.”
Não tenho a menor condição de fazer uma crítica jurídica a essa afirmação. Mas há aspectos políticos óbvios.
Cabe perguntar quem tem o direito de questionar a permanência de qualquer pessoa — terrorista italiano, traficante colombiano, ditador sul-americano — no país.
Em 2010, Lula só decidiu que Battisti iria permanecer no Brasil após uma decisão Supremo Tribunal Federal. Os ministros, que em maioria eram favoráveis à extradição de Battisti, admitiram, porém, que a palavra final nessa matéria cabe ao Executivo. Apoiado nessa visão, da mais alta corte do país, Lula decidiu a favor de Battisti. Não foi um gesto solitário, nem uma grande novidade, mas uma decisão coerente com a tradição democrática da diplomacia brasileira.
Até ditadores, como Alfredo Stroessner, do Paraguai, permaneceram no Brasil quando o país vizinho se democratizou — e sucessivos governos paraguaios se empenharam para que fosse extraditado.
Lula rejeitou a extradição de Battisti. A sentença de Adersi diz que ele deve ser deportado. Há diferenças, claro. Mas, no fundo, estamos falando de atender a um pedido do governo da Italia, onde Battisti pode cumprir pena de prisão perpétua — que não existe no Brasil.
O advogado de Battisti era Luiz Roberto Barroso, hoje ministro no Supremo Tribunal Federal. Entre os documentos favoráveis à permanência de Battisti no país, encontra-se um parecer do professor Celso Bandeira de Mello. Mestre que se tornou nome de edifício na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, Bandeira de Mello argumentou que Battisti foi julgado e condenado num ambiente que não lhe deu pleno direito de defesa. Um dos fatos notáveis do processo é que as principais acusações contra Battisti foram produzidas por antigos colegas da organização Proletários Armados do Comunismo sob um regime de delação premiada.
A juíza Adersi respondeu a uma ação do Ministério Público, instituição que enfrenta um problema com o governo italiano. Até agora não conseguiu convencer as autoridades daquele país a lhe entregar um troféu político precioso: a extradição de Henrique Pizzolatto, condenado na Ação Penal 470, que fugiu para a Itália. Assim que Pizzolato foi localizado e preso na Italia, não faltaram comentários para lembrar que a permanecia de Battisti no Brasil poderia ser um obstáculo no pedido de extradição. Será razoável alterar uma decisão do governo brasileiro na esperança de se obter uma retribuição do governo italiano?
No mundo da Guerra Fria, a troca de prisioneiros — na verdade, espiões — era uma prática permanente do jogo político internacional.
Neste momento, é puro absurdo.
Cada um pode especular a vontade. Mas não é todo dia que uma juíza de primeira instancia contraria uma decisão de um presidente da República, expressão máxima da soberania popular.
Blog do Paulo Moreira Leite - Brasil 247
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