Prefeito de da maior cidade do País, Fernando Haddad (PT) criticou a oposição ao governo da presidente Dilma Rousseff, liderada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), pela falta de "ideias e projetos"; "Eles não poderiam perder uma eleição nunca com o poder econômico e político e midiático concentrado do jeito que é. Perdem porque são ruins", afirmou Haddad; "Observe o que estão fazendo no Plano Nacional, o Aécio é visto hoje por muita gente boa como patético"; para o petista, o governo precisa "calibrar" o ajuste fiscal para retomar o crescimento; "É completamente insustentável taxa de juros em 14% ao ano, nas condições dadas de retração do PIB, do desemprego em 8%, inflação perto de 10%"
27 DE JULHO DE 2015 ÀS 14:52
Paulo Donizetti de Souza, da RBA– O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, não tem ilusões de que o ambiente das eleições municipais, no próximo ano, privilegie o debate de ideias sobre projetos de ampliação do exercício da cidadania. "O que vai acontecer em São Paulo no ano que vem, e de uma maneira geral, nas grandes cidades, tem a ver com a questão nacional", acredita. Em conversa com jornalistas na semana passada, o prefeito disse acreditar que o campo conservador não tem qualidade para vencer o debate e tentará colher, nas próximas eleições, os frutos de ter desviado o debate para o que chama de "subterrâneos" da política.
"O que vivemos hoje começou a germinar há pelo menos dez anos. Desde a reeleição do Lula se cultiva um sentimento no subterrâneo da sociedade, contraditório com os índices de aprovação das próprias pesquisas. A popularidade do Lula não parava de subir, chegando a mais de 80%, o ruim e péssimo do Lula chegaram a 4%. Nem assim se dava de barato que a Dilma seria eleita. Como é que com 83% de aprovação ainda se podia ter dúvidas sobre a vitória?", questiona, observando que o conservadorismo, na ocasião "sem chance campo socioeconômico", impôs-se no campo do moralismo, do comportamento, da cultura. O prefeito admite que a situação econômica hoje já não é tão favorável, pelo fato de o governo ter cometido erros de diagnóstico – "temos que calibrar (o ajuste) para antecipar a retomada do crescimento".
Mas ainda vê muito espaço para o debate de ideias e projetos, algo que falta no espectro oposicionista. "Os adversários estão errando a mão, com faziam há dez anos. Batiam todo santo dia no Bolsa Família. Você não ia conseguir nunca para o Bolsa Família, nem com R$ 1 bilhão de publicidade, o que conseguiu com o Jornal Nacional, por vias tortas", ironizou. Para Haddad, não resta à esquerda opção que não seja conduzir o debate para o campo do projeto: "Eles não poderiam perder uma eleição nunca com o poder econômico e político e midiático concentrado do jeito que é. Perdem porque são ruins. Observe o que estão fazendo no Plano Nacional, o Aécio é visto hoje por muita gente boa como patético".
Leia a seguir alguns dos trechos das intervenções do prefeito.
'Em 2012 não fugimos da discussão ética. E não vamos fugir em 2016'
"Ainda existe espaço de autonomia no debate de questões locais. Em 2012, fizeram coincidir o julgamento do mensalão durante os 45 dias do programa eleitoral gratuito na TV. Às vésperas do primeiro turno, o Jornal Nacional levou um especial que durou uns 18 minutos para praticamente proferir a sentença de um julgamento que não havia ocorrido ainda. Mesmo com tudo isso, conseguimos travar um debate na cidade, que passou também pela ética. Não fugimos disso, como não vamos fugir ano que vem. E o fato é que tivemos êxito.
"As pessoas costumam dizer que São Paulo é uma cidade conservadora e eu sempre respondo: é uma cidade onde atuam forças conservadoras. Nunca dou de barato que a cidade é conservadora, mesmo porque a gente ganha, às vezes. Isso significa que tem espaço para o jogo aqui. O que nós estamos vivendo hoje, na verdade começou a germinar há pelo menos dez anos. Desde a reeleição do Lula se cultiva um sentimento no subterrâneo da sociedade, inclusive contraditório com os índices de aprovação das próprias pesquisas. A popularidade do Lula não parava de subir, chegando a mais de 80%, o ruim e péssimo do Lula chegaram a 4%. Nem assim se dava de barato que a Dilma seria eleita, por exemplo. As chances eram boas, mas como é com 83% de aprovação ainda se podia ter dúvidas sobre a vitória?
"A gente sabia que no subterrâneo da sociedade se travava outro tipo de disputa. Como naquela ocasião o debate socioeconômico estava vencido, a vitória estava dada no campo progressista, começaram a impor uma posição no campo do comportamento, da cultura, e não é por outra razão que eles fizeram várias tentativas de criar uma animosidade sobre temas caros à esquerda. Perderam – mas tentaram.
"Por exemplo, a questão da transferência de renda, a primeira tentativa foi tentar dizer que os pobres iam acabar se acomodando, que era um paternalismo, clientelismo. Quando na verdade era um programa anticlientelista, por ser universal, de superação da extrema pobreza no país, hoje vitrine no mundo inteiro. Mas houve uma tentativa da direita de desconstituir o Bolsa Família, tentando fazer com que a maioria da população não beneficiada se voltasse contra os beneficiários."
'O Serra se aliou às trevas e ao submundo'
"Outra tentativa deles foi dizer que a meritocracia estava sendo colocada de lado... Aqui em São Paulo, a primeira atitude minha foi cravar cotas raciais – não é nem social, era racial, para negros no serviço público. Não tinha um procurador negro. No último concurso, de 70, 14 entraram. E estamos melhor do que estávamos. Em 2010, a discussão do aborto, que queira ou não queira é debate sobre gênero – também tentaram entrar nessa. Em 2012, veio a questão LGBT. Usaram o fato de eu ter sido ministro da Educação para vir com aquela história de kit gay, coisa absurda, o que foi derrotado depois, quando se mostrou que os materiais eram muito semelhantes aos já distribuídos pelo governo do estado. Eles foram pra cima, e se nós tivéssemos recuado, como a Marina fez em 2014, eu não sei o que teria acontecido.
"Se eu tivesse piscado, quando o Malafaia veio a convite do Serra para São Paulo, e ele disse que ia "me destruir", se eu tivesse reagido ali com um "olha, vamos conversar?, vou sentar com o Malafaia para me explicar..." Eu falei simplesmente que o Serra estava se aliando às trevas, e que o submundo da política não vai ditar as normas aqui em São Paulo. Saiu em todo lugar que eu chamei o Serra de submundo, de trevas. Dentro do PT teve quem disse 'pô, você está louco, falando mal de pastor?'
"Então, não teve tema em que esses caras não tentaram colocar as camadas da sociedade umas contra as outras. Eles não tiveram êxito eleitoral, mas houve impacto. Essa ação de dez anos cultivando a intolerância tem efeito sobre a sociedade. Como disse o Umberto Eco, a internet é dar um microfone na mão de todo mundo, inclusive na dos idiotas também. O que acaba acontecendo com isso é que se você conversar hoje com uma parte da juventude, ela está contaminada com o discurso de intolerância. E mesmo nas camadas ascendentes que deveriam ser protagonistas de um avanço maior no ponto de vista civilizatória, muitos estão reféns deste discurso de intolerância."
'Problema não é fiscal, é monetário. Juro de 14% ao ano é insustentável'
"Meu pai dizia 'não se mata uma vaca que não deu leite em um ano', e aqui em um ano eles vêm e passam a faca. Não estou dizendo que o governo não errou. Houve problemas de diagnóstico, e algumas medidas que foram tomadas agravaram – na boa intenção de mitigar. Houve uma série de políticas anticíclicas que não surtiram efeito. O problema da política atual nem é a política fiscal. Na verdade, criamos um buraco fiscal que momentaneamente precisa ser observado. Mas a política monetária atual, esta sim, pode comprometer não só o crescimento como o próprio ajuste fiscal, do qual dependemos para retomar o crescimento. É completamente insustentável taxa de juros em 14% ao ano, nas condições dadas de retração do PIB, do desemprego em 8%, inflação perto de 10%.
"Então, estamos vivendo um momento em que houve um trabalho no campo do comportamento, da cultura, durante dez anos, que já está tendo algum êxito. Você tem uma parte de população que já nem vota. E um governo tinha 85% de aprovação em 2010 e ganhamos de 55% a 45%. Não tem moleza. Daí hoje vem a crise econômica e junto toda uma operação jurídico midiática em torno da questão da Petrobras, você tem todos os ingredientes de uma crise institucional. Essa que é a verdade. O governo tem de ter um pé de apoio.
"Neste contexto, o que podemos fazer? Executar nossa visão de cidade. Educação, moradia, mobilidade, tudo. Não estou querendo aqui condescendência, mas não é fácil ser prefeito convivendo com zero porcento de crescimento. Em todo o meu mandato, a economia do país terá crescido zero, e a paulistana terá decrescido. Eu não conheço um governante que tenha vivido esta situação: zero de crescimento durante quatro anos, R$ 2,3 bi de perda de arrecadação de tarifa, R$ 1 bi de IPTU e R$ 1,5 bi de pagamento de precatórios a mais do que se pagava – isso em três anos, com precatórios ainda não sei o que vai ser da minha vida ano que vem. Depende de decisão do Supremo e do Congresso."
'Em dois anos recebemos R$ 400 milhões do PAC; o Rio, em um ano, teve o dobro'
"O milagroso dessa história toda é que no ano passado nós batemos o recorde de investimentos. E o que nós fizemos foi atuar sobre o custeio como nunca se atuou. Cada contrato dessa prefeitura foi revisto, começando pelos maiores. Teve contrato que nós tiramos 25% do valor sem mexer na quantidade, só mexendo no preço. Então foi se criando um espaço de atuação junto à dívida ativa, uma série de procedimentos, que nos deu sustentabilidade, apesar dessa conjuntura. Não estou recebendo apoio federal, desde que tomei posse. Em dois anos de gestão entregaram R$ 400 milhões do PAC – e só ano passado o Rio de Janeiro levou R$ 800 milhões. A renda da situação da dívida foi deixada para o ultimo ano. Fiquei três anos pagando. Conseguimos (rever toda a dívida), mas para as próximas administrações; para o meu atual governo, se tiver, vai ser para o ano que vem. Muito em cima da eleição.
"E mesmo assim por que eu acho que ainda somos competitivos, dentro deste contexto? Porque em São Paulo está se discutindo política pública. Ninguém está discutindo se sou honesto ou não. Está se discutindo a mais avançada política pública possível em uma cidade. Tem feito muito sucesso na periferia você levar universidade pública para os CEUs, Para um sujeito que mora na periferia a USP não existe, é um sonho irrealizável. Mas se você fala que no CEU ali e tem uma vaga pública, começa a aproximar o jovem de periferia.
"Na questão da mobilidade estamos no terceiro ano de mudanças. Primeiro ano, foi pau nas faixas de ônibus. Só parou com ciclovia. Esqueceram a faixa de ônibus, e pau na ciclovia. Largaram a ciclovia agora, e pau na questão da redução da velocidade. Então, as duas primeiras já vencemos, consolidou. E essa ultima ainda vamos vencer, porque o resultado é muito importante. Li numa reportagem do Le Monde que a redução da velocidade em Paris, de 80 (km/h) para 70, aumentou em 18% a velocidade média dos carros. Os prefeitos de Londres e de Paris estão sabendo o que está acontecendo aqui em São Paulo. Quando eu falei que a OAB ia entrar com uma ação contra a redução, me perguntaram: 'Como assim? A Ordem dos Advogados vai entrar com uma ação contra a prefeitura?' Os dois me disseram: 'Olha, no caso do ônibus e ciclovias, o retorno é muito de médio e longo prazo, mas na redução em dois, três meses vai ter o que apresentar. Segura firme que vai passar'.
"Na campanha dará tempo de mostrar que isso vai salvar vidas e melhorar a fluidez no trânsito, porque hoje ninguém quer saber. Você tem Bandeirantes, Jovem Pan, Estadão batendo... Não querem nem saber. O jornal que elogiou o Kassab quando reduziu a velocidade na Avenida 23 de Maio é o mesmo que critica a redução nas marginais. Na 23 de Maio já melhorou a situação. Mas ninguém quer saber. A irracionalidade que hoje tem uma dose forte de artificialismo interessa à política conservadora. Manter o quadro de irracionalidade. De interdição do debate sobre políticas públicas. Tudo isso desvia a atenção do que está em jogo."
'No combate à corrupção, não tem governo que tenha feito mais'
"Numericamente, estamos entrando em todas as áreas da prefeitura, subprefeituras, secretarias, passando pente fino em tudo. Contrato por contrato, servidor por servidor, toda a evolução patrimonial, inclusive dos gestores políticos, tudo é conferido e acompanhado. Não tem um debate que não podemos ganhar. Mas vai ser a eleição mais difícil do mundo. É mais fácil estar melhores condições em 2018 do que e 2016.
"Os adversários estão errando na mão pois estão criticando coisas que são parecidas com o que faziam há dez anos. (E causando um efeito inverso.) Batiam todo santo dia no Bolsa Família. Você não ia conseguir essas publicidade nunca para o Bolsa Família como a imprensa acabou fazendo. Se tornou uma coisa só, Lula e Bolsa Família. Nem com R$ 1 bilhão de publicidade você ia conseguir o que conseguiu com o Jornal Nacional, por vias tortas. Não criticavam exatamente, mas ficavam problematizando, aquilo foi colando e se agigantou.
"Eles não poderiam perder uma eleição nunca com o poder econômico e político e midiático concentrado do jeito que é. Perdem porque são ruins. Observe o que estão fazendo no plano nacional, estão se desconstruindo. O Aécio é visto hoje por muita gente boa como uma pessoa patética.
"Mas vai ser um ano daqueles. Vão centrar muita força. Em 2012, o que eles fizeram quando perderam em São Paulo foi vergonhoso. Eles vão redobrar as energias para tentar nos fazer perder em 2016 e selar o destino das próximas eleições presidenciais. Agora, temos de ver o que acontece até o final do ano. Vai ser um semestre complicado, teste de fogo para o governo federal. E vai depender muito do desfecho desta crise internacional o que que vai ser da esquerda a partir do ano que vem. Então, é um semestre delicado, até porque também estamos errando do nosso lado. Temos que calibrar (o ajuste) para antecipar a retomada do crescimento."
Brasil 247
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