quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O ódio político nacional, dos anos 50 ao século 21

QUI, 14/01/2016 - 18:03



No apartamento em rua tranquila do Leblon, Celina do Amaral Peixoto convive bem com seus fantasmas queridos. Além da agricultura sustentável seu foco maior é a recuperação da memória do avô Getulio Vargas e do pai, Ernâni do Amaral Peixoto, um dos políticos mais influentes da história política do estado do Rio de Janeiro.

Acaba de enviar para a editora os escritos da mãe, uma espécie de Diário de Alzira Vargas.

A mãe foi a mulher mais poderosa do país. No dizer de Walther Moreira Salles, “a filha dileta de um ditador amado”.

No ataque integralista ao Palácio Guanabara, saiu de arma em punho nos jardins enfrentando os sediciosos. Era uma ligação tão forte entre pai e filha que, quando ela viajava, Getulio se sentia mais só. E, após a morte do pai, Alzira só se pacificou depois que escreveu o livro “Getulio e eu”.

Tem poucas lembranças pessoais do avô, que se matou quando ela era ainda criança. Mas é testemunha e vítima da campanha infame movida pela mídia e pela oposição, comandada por Carlos Lacerda. Até hoje não se fecharam as cicatrizes dos ecos da campanha.

Foi algo que teve início bem antes do seu nascimento.

Quando a mãe era ainda criança, no início do primeiro governo Vargas, foi fotografada assistindo a uma passeata sentada na calçada chupando um sorvete. Durante anos a foto foi utilizada pela imprensa como prova de que a filha de Vargas era comunista. Sabe-se lá o que o picolé tinha a ver com o comunismo.

Quando deposto, em 1945, o ditador Vargas, o homem que comandou o país ininterruptamente de 1930 a 1947, de forma absoluta de 1937 a 1945, não tinha uma casa para morar. Foi para São Borja morar na casa emprestada pelo irmão Protásio. É a imprensa alardeando sua suposta corrupção.

Nem depois de sua morte, em 1954, cessou o ódio.

Vindos do Sul, os Vargas experimentaram décadas da solidão do poder. Depois da morte de Vargas, a solidão do ódio. A família morava em um apartamento no bairro do Flamengo, durante bom período com segurança de metralhadora à porta devido às ameaças recebidas. Tiveram que suportar as denúncias de corrupção da família, sabendo de dentro a retidão da maioria de seus membros.

Meninas, às vezes Celina e sua prima, filha de Jandira, atendiam o telefone. Do outro lado, vozes da treva vociferando que não bastava Getulio morrer, mas toda família teria que morrer.

Era pior que as delações da Lava Jato, recorda Celina, porque não tinha justiça envolvida, todos os jornais contra, com exceção da voz solitária da Última Hora, e uma oposição ferrenha de pessoas letradas, preparadas, diferente de hoje, acusando Getulio de tudo.

Embora presidente eleito, Getulio não tinha um veículo de mídia capaz de se contrapor à atoarda dos veículos tradicionais, para defendê-lo ou ao menos reconhecer aspectos positivos em seu governo.

Depois da morte de Vargas, a família se manteve fechada, dona Darcy, a viúva, cuidando de suas obras sociais, Alzira cuidando da FGV, Celina dos trabalhos do CPDOC, a maior parte da família de volta ao sul. Filhos e netos sofreram bastante nesse clima de ódio.

Celina nunca cruzou com Carlos Lacerda, o grande algoz de sua família. E dá graças a Deus por isso.

Mas sua alma começou a se apaziguar quando, através da amiga Maria Clara Mariani, se aproximou de seu marido, Sérgio Lacerda, o primogênito de Carlos.

Aos poucos foi se consolidando uma amizade sincera, uma convivência que amenizou o coração de Celina e também de Sérgio. É como se ambos se valessem da amizade para purgar o veneno inculcado na alma brasileira naqueles anos terríveis de macarthismo tropical, que se julgava que não voltassem mais. O mesmo racha entre amigos, a mesma campanha vociferante, o ódio inculcado dia a dia, manchete a manchete, o maniqueísmo avassalador, o anticomunismo mais anacrônico, visando despertar temores supersticiosos da malta.

Tudo isso era Brasil. Tudo isso é Brasil.



Jornal GGN

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