sexta-feira, 18 de março de 2016

As dúvidas sobre a Operação Norbert, que pegou Aécio

QUA, 16/03/2016 - 12:36
ATUALIZADO EM 16/03/2016 - 14:07



A minuciosa reportagem de Diego Escosteguy na revista Época - sobre as contas de Aécio Neves em Liechtenstein – peca em alguns detalhes importantes.

A primeira, ao informar que em 2009 os procuradores decidiram não aprofundar as investigações:

“De posse do material recolhido e analisado pela PF, e ciente também das revelações do ex-funcionário do LGT, o Ministério Público Federal decidiu não aprofundar as investigações. Em 20 de abril de 2009, os procuradores Fábio Magrinelli e Marcelo Miller ofereceram denúncia apenas contra os três integrantes da família do patriarca Muller, que morrera recentemente”.

Não aprofundaram porque bateram em Aécio Neves, que tinha foro privilegiado. Em vista disso em 2010 enviaram ação penal 209.51.01.813801-0 para a Procuradoria Geral da República (PGR) – na época presidida por Roberto Gurgel.

A reportagem não avança sobre o que ocorreu na PGR depois de recebida a denúncia.

Rodrigo Janot assumiu o cargo de PGR em 17 de novembro de 2013. Até o jantar de posse de Dilma Rousseff – em 1o de janeiro de 2015 – aparentemente a ação penal não havia andado. Na conversa que tivemos, no início Janot sequer se lembrava da ação penal. Depois lembrou-se e garantiu que daria andamento até abril.

Pode ser que não quisesse avançar informações sobre investigação sigilosa. Pode ser que a investigação sequer tivesse iniciado. Agora que o caso deixou de ser sigiloso, o PGR poderá esclarecer os pontos obscuros e comprovar se o MPF prosseguiu ativamente na tarefa de investigar Aécio.

Nota-se que todas as informações da Época tomam por base o relatório da Polícia Federal na época e nenhum fato novo proveniente de investigações atuais do MPF.

Na reportagem da Época diz-se que

“Os procuradores que trabalham ao lado de Rodrigo Janot apuram a participação de Aécio nos esquemas citados por delatores, em especial o de Furnas. Pediram colaboração internacional, junto às autoridades de paraísos fiscais, para averiguar se contas como a associada ao senador em Liechtenstein foram usadas para o recebimento de propinas. Já descobriram, informalmente, que vários políticos brasileiros foram pagos em contas secretas em paraísos fiscais europeus. Aguardam o compartilhamento oficial dessas evidências. Marcelo Miller, um dos procuradores que atuaram no caso do doleiro Norbert Muller, integra a força-tarefa da PGR”.

No entanto, a própria matéria revela que:

“Em fevereiro de 2009, dois anos após a operação da PF, Heinrich Kieber, um funcionário do LGT, fez cópia completa dos documentos de 1.400 contas hospedadas no banco. Vendeu-as aos serviços secretos da Alemanha e da Inglaterra – dois dos países com maior número de correntistas, que maior prejuízo haviam tido com a sonegação de impostos. Seguiram-se extensas investigações e a maior operação de combate à evasão fiscal nos dois países. Os dados foram compartilhados com outros países prejudicados, como França, Espanha, Itália, Grécia, Suécia, Áustria, Austrália, Nova Zelândia, Índia Canadá e Estados Unidos. Houve investigações em todos e prisões na maioria. Até a Lava Jato, o Brasil não pedira acesso aos dados”.

O argumento do procurador que determina o fim das investigações foi o de que seria inviável conseguir a colaboração de Liechtenstein:

“Em 23 de fevereiro de 2010, o procurador Rodrigo Poerson – dez meses após seus colegas de andar na Procuradoria da República do Rio acusarem Muller de operar uma “central bancária paralela” – assinou despacho em que pede o fim das investigações sobre a conta da fundação Bogart & Taylor. (O MPF se recusou a fornecer cópia do parecer; ÉPOCA teve que obter o documento na Justiça.) Nele, em três páginas, Poerson acolheu integralmente os argumentos da defesa de Inês Maria. E disse ser inviável conseguir a colaboração de Liechtenstein”.

Poerson é o mesmo procurador que analisa o caso de sonegação da Globo e o desaparecimento do inquérito na Receita Federal.

Continua a dúvida: quando a PGR decidiu retomar as investigações, se é que retomou? E porque a Área Internacional do MPF, com sua enorme eficácia, não foi acionada na época para obter as informações na Operação Norbert?

É interessante comparar o modus operandi do MPF no caso Lava Jato e no caso Liechtenstein.

Na Lava Jato concentrou-se tudo em uma vara apenas, de Curitiba. O PGR montou uma força tarefa e deu total retaguarda em Brasília, especialmente na cooperação internacional. No caso da Operação Norbert, os inquéritos foram distribuídos por várias varas, na prática resultando em sua ineficácia.

”Os procuradores acharam melhor transformar o caso de cada um num processo separado. A depender da cidade de residência do investigado, encaminharam fragmentos de provas a diferentes procuradores, que tiveram autonomia para decidir que providências tomar. Essa estratégia produziu resultados incoerentes com a denúncia do MP contra Christine Puschmann. Em Porto Alegre, os procuradores resolveram pedir a Liechtenstein acesso às contas dos investigados. No Rio de Janeiro, onde mora a maioria dos clientes, diferentes procuradores ofereceram diferentes entendimentos sobre como proceder, apesar de analisar iguais evidências. Houve casos de denúncia. E houve casos de pedido de arquivamento. Foi o que aconteceu com a família Neves”.

Mas uma vez a dúvida. A estratégia da Lava Jato teria sido inovadora tendo em vista o fracasso do modelo anterior? Ou aplica-se um modelo para cada grupo político, de acordo com as afinidades do PGR.

De qualquer modo fica claro que, dependendo da maneira como se desenha a investigação, chegam-se a resultados finais diferentes. Ou seja, quem tem o poder de definir como será a investigação tem probabilidade maior de definir o resultado final.

A reportagem da Época, finalmente, comprova o que vimos antecipando aqui: Aécio Neves tornou-se disfuncional. Fora do tabuleiro, o jogo agora fica apenas nas mãos dos profissionais.


Jornal GGN

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