POR FERNANDO BRITO · 17/07/2016
No dia em que o Complexo da Pampulha, em Belo Horizonte, primeira grande obra “solo” de Oscar Niemeyer é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, reproduzo a reportagem sobre dois premiados arquitetos ingleses que adotaram os “brizolões”do arquiteto brasileiro como fonte de inspiração para um programa de construção em massa de escolas no Reino Unido.
É uma remissão, em grande estilo, do monte de mesquinharias ou, simplesmente, bobagens que sobre eles se disse aqui.
Perdoem se confesso o imenso orgulho por ter – tal como um dos autores da matéria, Luiz Augusto Erthal – participado da grande aventura dos Cieps nos dois governos Brizola.
Ainda outro dia, pela milionésima vez, respondi no Facebook “críticas” aos Cieps de gente que, embora bem intencionada, envenenou-se com as décadas de propaganda da Globo contra os Cieps, movida não só pelo ódio de Roberto Marinho a Brizola como, também, por sua ojeriza a que se fizesse um programa educacional de qualidade para as massas populares.
Era a velha história de que foram “feitos na beira de estradas” como se isso fosse para torna-los “out-doors”.
As razões, óbvio, são outras. A começar porque os que são – e centenas de Cieps são – fora da visão de vias principais simplesmente “não existem” para a classe média que não percorre os cafundós das periferias.
Outra, também evidente, é que é absolutamente funcional colocá-los próximo às vias onde passam ônibus, pela basilar razão de que o pai ou a mãe da criança não irá levá-los à escola no seu reluzente 4×4 e muito menos é racional esperar-se que caminhem um ou dois quilômetros debaixo de sol e chuva com seus pequenos.
É apenas um exemplo do que, apesar da evidente tolice, repetiu-se durante 20 anos sobre as escolas de Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro. Claro que existiram problemas, impossível não javer num processo que ergueu 508 prédios que somavam mais do que a área construída de Brasília quando JK a inaugurou.
Mas havia, e há, uma ideia generosa, executada dentro das melhores práticas de arquitetura e engenharia, sem um tostão de auxílio federal e sem um ato sequer que maculasse a grandeza dos seus propósitos e de suas realizações.
Uma destas coisas pelas quais valeu brigar, que segue espetada na paisagem, a lembrar que nada pode demolir um sonho.
Leia a seguir e, querendo, assine o Toda Palavra, outra paixão incorrigível do Erthal, o jornal impresso, embora também em edição eletrônica.
Escolas de Brizola e Darcy
podem virar padrão na Inglaterra
Há quatro anos o governo britânico lançou o programa Building Schools for Futures (Construindo Escolas para o Futuro), que pretendia suprir o déficit de salas de aula na Inglaterra com a construção em larga escala de escolas pré-moldadas econômicas e de rápido processo construtivo. O plano do então secretário de educação, Michael Gove, gerou uma intensa polêmica entre os arquitetos ingleses, que viam com desconfiança a ideia de serem produzidas escolas padronizadas com um design inferior e despersonalizado.
Enquanto os empreiteiros se apressaram a apresentar ao governo projetos de kits pré-moldados baratos, ao custo de 1.465 libras (cerca de 1.950 dólares) o metro quadrado, o Royal Institute of British Architects (RIBA) desafiou os arquitetos ingleses a buscarem alternativas para oferecer um projeto escolar de alto padrão de design, pois os modelos até então propostos, segundo eles, equivaliam a galpões que, além de desconfortáveis, dificilmente poderiam ser adaptados a terrenos acidentados.
David Chambers e Kevin Haley, donos do conceituado escritório londrino de arquitetura e design Aberrant Architecture, vieram, então, ao Brasil buscar inspiração nos Centros Integrados de Educação Pública, construídos no Rio de Janeiro nos anos 80 e 90, durante os dois governos de Leonel Brizola, com projeto educacional de Darcy Ribeiro e arquitetônico de Oscar Niemeyer. Para eles, aquele seria o modelo ideal de escola pública a ser adotado pelo Reino Unido.
A pesquisa realizada por eles resultou em uma impressionante apresentação, com a exibição de réplicas em miniatura dos 508 Cieps construídos no Brasil, contendo seus nomes e localizações, dentro da exposição “Venice Takeaway: Ideas to Change British Architecture” (Veneza Takeaway: Ideias para Mudar a Arquitetura Britânica), realizada pelo British Council para a Bienal de Arquitetura de Veneza de 2012. No ano seguinte a exposição foi montada no próprio RIBA, no coração de Londres, com grande destaque na imprensa britânica, e agora a pesquisa dos dois arquitetos foi transformada em livro (Wherever You Find People: The Radical Schools of Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro, and Leonel Brizola) a ser lançado no final deste ano.
O programa de construção de escolas do governo britânico ainda não deslanchou por conta de dificuldades políticas, mas alguns dos conceitos dos Cieps já foram aplicados em uma escola de ensino fundamental do Leste de Londres, a Rosemary Works, cujo projeto de reforma foi assinado pela Aberrant Architecture. Sabotados pelos governos que sucederam Brizola no Estado do Rio, desprezados pela mídia e pelas elites brasileiras, os Cieps conquistam, enfim, 31 anos depois de lançados, o reconhecimento internacional como um dos mais extraordinários programas educacionais já realizados no mundo.
TODA PALAVRA entrevistou com exclusividade um dos sócios da Aberrant Architecture para saber por que um projeto de mais de 30 anos, concebido para ser executado em um país tropical marcado por grandes desigualdades sociais e por um baixo padrão de educação pública seria adequado para um país europeu como a Inglaterra. Admitindo que os britânicos também possuem problemas sociais a serem enfrentados, David Chambers destaca a importância da boa arquitetura a serviço da educação.
“Ficamos fascinados ao descobrir que a padronização no Brasil teve como objetivo estender o alcance da arquitetura de alta qualidade para todos. A maioria dos Cieps ficavam em áreas pobres, onde não havia uma boa infraestrutura pública. Então eles assumiram um papel cívico maior”, diz Chambers. “Os playgrounds cobertos, por exemplo, tornaram-se praças públicas essenciais. Era fundamental que eles fossem além do papel de uma escola: todo o programa preconizava o uso da arquitetura a favor de uma nova filosofia educacional.”
Para o arquiteto não haverá dificuldades em adaptar o projeto do calor dos trópicos para o rigoroso inverno europeu. Ele lembra que isso aconteceria aqui mesmo, caso Brizola tivesse chegado à Presidência da República e realizado o seu plano de espalhar 10 mil Cieps pelo Brasil, pois muitas dessas escolas seriam instaladas em regiões de clima mais temperado, como o Sul do país. David Chambers prefere destacar a robustez dos edifícios, que, segundo ele, estão resistindo bravamente ao tempo e ao abandono.
“Claramente o design tem sido extremamente resistente ao longo do tempo. Construções escolares às vezes sofrem com mudanças sucessivas de administração e por falta de manutenção e de recursos. Mas a alta qualidade do design e da construção tem permitido aos Cieps manterem boa aparência e permanecerem robustos até hoje.”
Tijolaço
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