POR FERNANDO BRITO · 30/07/2016
Com o natural sentimento de mágoa de alguém que sofre uma injustiça, a reação de Lula, ontem, foi a de repetir um desabafo idêntico ao que fez quando da absurda condução coercitiva que sofreu por policiais federais, a mando de Sérgio Moro, num espetáculo midiático dantesco: carregar à força para depor alguém que não era (e não é, naqueles casos) réu e sequer havia sido convocado a prestar depoimento.
“Eu já cansei, eu não tenho que provar que tenho apartamento, quem tem que provar é a imprensa que acusa, o Ministério Público que fala o que eu tenho, a Polícia Federal que falou o que eu tenho, eles que têm que apresentar documento de compra, pagamento de prestação, algum contrato assinado, porque se não tiver, eles terão que me dar de presente um apartamento e uma chácara, aí eu ganharei de graça essas coisas que eles falam que eu tenho”
Lula completa, daqui a três meses, 71 anos. Depois dos anos de metalúrgico e presidente do sindicato da categoria, foi deputado, presidente de um partido político, Presidente da República por oito anos e, depois, um dos mais requisitados palestrantes para eventos empresariais, justamente pelo sucesso de sua administração.
A pergunta óbvia é a seguinte: não ganhou, ao longo deste tempo e exercendo funções como as que exerceu, o suficiente para comprar um belo de um apartamento em qualquer das zonas ditas nobres de São Paulo ou da cidade brasileira que desejasse? Ou um sítio, com piscina, churrasqueira e, até, pedalinhos?
Seu antecessor, Fernando Henrique, tem apartamentos aqui (ao que se diz também em Paris) tem fazendas e empreendimentos agrícolas. Porque seu patrimônio – afinal,os anos de professor universitário foram numa atividade que não enriquece ninguém – não são suspeitos ou objeto de investigação policial-judicial?Porque ele fala francês e inglês (este, bem mal, como se viu na entrevista vergonhosa à Al Jazeera)?
Até os acervos acumulados em suas gestões e que, por força de lei, foram obrigados a carregar consigo, sem poder dar ou vender, são diferentes: no caso de FHC, são preservação da memória nacional; no caso de Lula, apresentado como coisas “afanadas” do Planalto!
O cansaço é um sentimento que só atinge os justos. Os maus têm, no máximo, preguiça, porque não há cansaço em quem não trabalho, muito e pesado.
Jamais vi um canalha esgotado e quando algum vai fruir o produto de seu mau-caratismo é num “dolce far niente” luxuoso. Ainda que fossem dele – e como diz, não há um documento a prova-lo – pode-se chamar de luxo um “pombal” no Guarujá ou um sítio em Atibaia?
Se eu pudesse dizer algo a Lula, nestes tempos de mesóclise, contar-lhe-ia uma cena que vivi com Leonel Brizola, num dos muitos revezes que sofreu na vida.
Numa conversa por telefone, nos tempos de menos escutas, ele desabafa dizendo que está cansado, que pouco pôde conviver com a família (mesmo no exílio, os filhos estavam no Brasil, a partir de certa altura, e ele confinado no interior do Uruguai), que estava com mais de 70 anos, que era hora de descansar e procurar prover toda a ausência a que fora obrigado, depois de 50 anos de vida pública, 15 deles no exílio.
“Brito, eu tenho este direito”.
Eu disse que era óbvio que sim e que ninguém poderia condená-lo por isso, embora muitos fossem falar que ele teria ido aproveitar “as delícias” de sua fazenda uruguaia: uma velha casa de pedra, no interior profundo, com telhas de amianto pintadas de vermelho, apropriadamente chamada de Casco Viejo.
“Só tem um problema, governador (como sempre o chamávamos), isso é impossível.”
“Impossível, por que?”, respondeu.
E o velho, que era menos teimoso do que se diz, teve de ouvir:
“Se o senhor se aposentar hoje, garanto que amanhã meu telefone vai tocar e vou ouvir uma voz me dizendo… (e imitando seu sotaque) Mas óooolha, Brito, tu viste os jornais, viu o que estes filhos da p…. estão fazendo?” É por isso que é impossível, porque o senhor não consegue”.
Até o leito de morte, todos sabem, ele não conseguiu, e este teimoso aqui o acompanhou, com as mesmas queixas da família.
Certos personagens tomam conta, e não devolvem, da condição de indivíduos que todos nós – e eles também – temos.
Não vão descansar, mesmo que os seres humanos que são o queiram.
Como disse o outro agora velho, o de São Bernardo: “dá uma coceira….”
Tijolaço
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