11 de Julho de 2016
Por Paulo Moreira Leite
Em novembro de 2013, um escândalo parou a política de São Paulo. O vereador Antônio Donato, Secretário de Governo do prefeito Fernando Haddad, pediu demissão do cargo. Acusado de receber R$ 200 000 reais para sua campanha de uma máfia de quatro fiscais que atuavam na prefeitura da maior cidade brasileira durante gestões anteriores, Donato se declarou inocente e deixou a secretaria dizendo que iria demonstrar isso. Ninguém lhe deu a devida atenção na época, muito menos jornais e telejornais que divulgaram a notícia como manchete.
Na semana passada, dois anos e cinco meses depois, o Conselho Superior do Ministério Público Estadual acatou pedido do procurador Marcelo Milani, solicitando o arquivamento do inquérito, aberto por suspeitas de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Milani afirma que Donato abriu, por conta própria, seus sigilos bancários durante a investigação. Também revelou que informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, com registros de todas as transações ligadas a Donato, nada encontrou. “A evolução patrimonial do vereador é condizente com sua renda. Então, recomendei o arquivamento”, disse o promotor ao Estado de S. Paulo.
Noticiada, desta vez com destaque acima da média em tais ocasiões, a inocência reconhecida de Donato lhe trouxe o conforto de receber parabéns de eleitores, amigos e aliados.
Gente que olhava o chão à sua passagem agora faz questão de dar um abraço. Quem mostrava um ar desconfiado lhe dá parabéns pela volta por cima.
A acusação não foi capaz de romper laços sólidos que o vereador construiu na vida política da cidade. Ele foi alvo de um concorrido ato de desagravo promovido por aliados e militantes do Partido. Em dezembro de 2014, apenas um ano depois das denúncias, elegeu-se presidente da Câmara, um dos cargos mais disputados do Estado. A importância do pedido de arquivamento representa, no entanto, um reconhecimento oficial e único.
"Para ser justo, é preciso reconhecer que o procurador tomou uma atitude importante. Ao concluir que não havia base para me acusar, pediu o arquivamento do caso. Muitas vezes o Ministério Público não encontra nada mas deixa o caso em aberto, o que mantém a pessoa na condição de quem está sob suspeita permanente, o que é muito desgastante."
A inocência reconhecida de Donato envolve um processo rico em ensinamentos num país onde as ações judiciais se tornaram um instrumento banal de ação política. Em novembro de 2013, quando os condenados da AP 470 tomavam o rumo da penitenciária da Papuda, em Brasília, a denúncia de envolvimento de um secretário de Haddad na máfia dos fiscais (“eu era apontado como o quinto membro”, recorda Donato) cumpria uma utilidade política óbvia: afastar medalhões das gestões José Serra-Gilberto Kassab da lista de suspeitos, para dar lugar a um dos principais líderes do Partido dos Trabalhadores no caso. Parece conspiração de cinema, mas não é. É política disfarçada de apuração judicial.
Em novembro de 2013 escrevi neste mesmo espaço que até aquele momento “nenhum alto responsável por oito anos de descalabro e cobrança de propina, em São Paulo, foi localizado, investigado nem punido. O cerco se fechou em torno de Antônio Donato, o secretário da prefeitura de Fernando Haddad. Donato era um adversário notório e combativo das gestões anteriores, inimigo de qualquer aproximação com o então prefeito Gilberto Kassab. Só aceitou uma trégua por disciplina partidária, após uma luta interna renhida e pública. Só assumiu funções executivas depois que a turma já havia sido desalojada de seus postos, como resultado de uma campanha eleitoral na qual teve um papel fundamental. São credenciais que dão o direito de duvidar de qualquer uma das insinuações feitas contra ele por cidadãos em busca desesperada de uma boia de salvação”.
Lembrando a natureza precária da acusação feita por um dos fiscais investigados, sublinhei era possível comparar o caso com a denúncia de Roberto Jefferson contra José Dirceu e o Partido dos Trabalhadores que gerou a AP 470. Depois que um protegido “foi gravado quando recebia propinas no Correio, Roberto Jefferson foi aos jornais, à Câmara e à TV falar do ‘mensalão.’ A turma de 1% abençoou aquele delator bem-vindo e mudou a história. Sabe o que aconteceu com a turma dos Correios? Nada. O caso está parado até hoje. “
No mesmo artigo, escrevi ainda: “O espetáculo do poder nessa escala é conhecido. Só não é preciso bater palmas. Basta abrir os olhos”.
247 – O pedido de arquivamento pegou você de surpresa?
ANTONIO DONATO – Era o que eu esperava. Eu sempre disse que o auditor fiscal que me denunciou nunca apontou um fato capaz de me incriminar. Falava de conversas ao telefone, e de visitas ao meu gabinete, que de fato ocorreram, não só no meu gabinete como em vários outros gabinetes, já que ele transitava muito pela Câmara.
Mas estava claro que a denúncia não tinha base para chegar a lugar nenhum. As investigações incluíram uma devassa da Receita Federal, que examinou gastos e receitas, não só em minhas contas, mas do meu irmão e do meu pai. Foi a parte mais difícil e desgastante, envolver familiares que nada tem a ver com sua atividade politica, e que apesar da absoluta confiança e solidariedade tinham dificuldade pra entender porque eram alvos de investigação também. Mas conseguimos demonstrar que tudo estava em ordem, na minha vida e na deles.
247 – Você prestou depoimento uma vez. Como foi?
DONATO – Foi em maio de 2014, e foi bem rapido. O promotor fez perguntas claras e diretas. Respondi do mesmo modo. Na última pergunta, ele queria saber se eu tinha avião, helicóptero, barco. Nunca havia sequer sonhado em ter nada disso. Mas tomei um susto.
247 -- Sua saída da prefeitura abriu a primeira crise na gestão de Fernando Haddad. Como explicar isso?
DONATO -- É normal que toda denúncia seja investigada. Depois que um auditor fiscal fez uma acusação contra mim, era natural que ela fosse apurada, até que se demonstrasse que não passava de um absurdo. Não dá para fingir que não havia acontecido nada. Eu conhecia três dos quatro auditores fiscais acusados. Mas eu senti que estava sendo tratado sem o devido respeito pela noção de que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário. Algumas pessoas que tinham postos chaves do governo e que não me conheciam bem, se assustaram, eu acho, e contribuíram para criar uma percepção que era melhor me descartar logo. Mas a demissão foi uma opção minha mesmo. O prefeito conversou comigo de como achava que era melhor enfrentar a crise e eu resolvi que para o governo era melhor eu sair naquele momento. Sempre é uma decisão difícil, porque se afastar pode passar a impressão de assumir a culpa, mas o governo ficou praticamente paralisado quinze dias em torno dos vazamentos seletivos e as consequentes ilações a partir deles. Essa situação não poderia continuar. Estou convencido que tomei a decisão certa, ainda que no curto prazo tenha representado uma grande derrota pessoal.
247 – Como você está vendo as eleições municipais, daqui a três meses?
DONATO – Acho que o PT vai surpreender. Tenho andado pelos bairros e conversado com muita gente. Mais do que nunca o debate nacional está na ordem do dia. Eu acho que caiu a ficha do impeachment. As pessoas estão avaliando o afastamento da Dilma e começam a refletir sobre o governo que veio no lugar. Não estão vendo nenhuma melhoria e só ouvem falar em coisa ruim: reforma na previdência, terceirização, arrocho nos salários e na economia. E quando vai no mercado encontra o feijão a 14 reais. Se os candidatos do PT souberem equilibrar esse debate nacional com propostas sintonizadas com as aspirações do povo a nível municipal, teremos boas surpresas nesta eleição.
BRASIL – Por quê?
DONATO -- Porque começa a haver o reconhecimento, até porque o contraste é muito grande. A população pensa no que se fez no Brasil e na cidade e reconhece as boas mudanças, mesmo limitadas, insuficientes, em vários casos, ocorreram nos governos do PT. Isso mostra que o partido mantém uma identidade. Se vamos ganhar a eleição não dá para saber. Mas o partido fará um bom papel, tenho certeza.
Brasil 247
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