terça-feira, 26 de julho de 2016

Aos juízes, não basta serem deuses. É preciso que sejam deuses maus

POR FERNANDO BRITO · 25/07/2016


Publica o Estadão a decisão do desembargador Freitas Filho, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, de soltar o jornaleiro José Valde Bizerra, de 62 anos, preso desde dezembro do ano passado por xingar o juiz José Francisco Matos, da 9ª Vara Cível de Santo André.

Certamente pesou na decisão o fato de ter saído no jornal, dias atrás, o absurdo de uma condenação a 7 anos e 4 meses de prisão por xingar alguém.

Embora o alguém fosse um juiz, e não um ninguém, como nós.

Ainda assim acho que quase todos nós fomos xingados de algo.

A maioria das vezes, até, sem merecer.

Mas duvido que qualquer um de nós, passada a fúria da ofensa, viesse a querer que nosso ofensor gramasse tantos anos de cadeia por um “filho da p…” que fosse.

A porfia envolveu dois josés, mas o que acabou na cadeira foi o Bizerra, jornaleiro com mais de 30 anos de banca em Santo André, que teve de deixar o lugar onde trabalhava. Tudo porque se meteu a alugar um outro ponto, num terreno ao lado do cemitério, vejam só.

Não sei você, mas acho que nenhum monstro agressor sobrevive como jornaleiro por três décadas.

Pois a a juíza Maria Lucinda Costa, da 1.ª Vara Criminal de Santo André, colega de prédio do outro José, este o Juiz da 9ª Vara Cível do mesmo forum, condenou Bizerra à cadeia por 7 anos e 4 meses como “uma ameaça à ordem pública”. A juíza expediu mandado de prisão. Bizerra foi preso no dia seguinte e nunca mais saiu da cadeia, conta o repórter Alexandre Hisayasu.

Por três vezes Bizerra teve negado um habeas corpus.

Uma delas pelo desembargador Freitas Filho, que agora o solta, depois que o assunto foi para os jornais, porque “ao que se depreende dos autos, ao reverso do que quer levar a crer o impetrante, a custódia cautelar do paciente, de fato, desponta imprescindível, independentemente dos predicados que ostenta, para assegurar a garantia da ordem pública”.

A transformação dos juízes – e desembargadores, e ministros, e promotores e procuradores – tem um lado tão ou mais perverso do que a montanha de dinheiro público que sustenta seus privilégios.

É que os R$ 30, 40, 50, 100 mil que, todo mês, com subsídios e penduricalhos fartos, lhes vêm aos bolsos os tornam incapazes de compreender as dores de quem tem que ganhar o pão nesta selva.

São incapazes de avaliar as dores de um homem comum. Mais ainda sua revolta.

Um dos josés, o Bizerra, tinha de brigar pela féria da banca todo dia, quando quase ninguém compra jornal e ainda do lado do cemitário.

Será absurdo que ele tenha revolta com o outro josé, que não precisa sorrir, que não aparece no trabalho na sexta, que tem um emprego sólido como uma rocha e macio como um algodão?

Mas a Justiça brasileira, com a exceções que só confirmam a regra – tornou-se uma casta, e um casta má, que a todos exige submissão, em lugar de granjear de todos o respeito.

Não lhes basta serem deuses, é preciso que sejam deus mau e temido, como o do Velho Testamento.

E que gerou um Cristo impiedoso, Sérgio Moro, que não conhece o perdão.

Talvez levemos mais que os 12 séculos para que possa haver um Francisco de Assis.

E que alguém aprenda a amar o perdão.


Tijolaço

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