29 de Setembro de 2016
Por Paulo Moreira Leite
O crescimento da campanha de Fernando Haddad em São Paulo, confirmado pelas pesquisas internas dos partidos, é um sinal animador na conjuntura de retrocesso político criada pelo golpe de 31 de agosto.
Os dados recolhidos pelo sistema chamado de tracking, considerado o mais eficiente para avaliar os humores do eleitorado, mostram uma situação de empate entre três candidatos que podem ir ao segundo turno. Neste ambiente, Haddad está em movimento de alta, aparecendo como uma opção realista para ir ao segundo turno e enfrentar João Dória, qualificado como o candidato da coalização golpista. Nos dados mais recentes, acumulou 16 pontos, cravando um empate técnico pelo segundo lugar, contra Celso Russomano.
Haddad não é apenas uma opção a mais, estatística banal do mercado de votos. É, acima de tudo, uma opção política, diferenciada num pelotão de concorrentes tão diferentes e tão iguais.
Um mês depois da decisão no Senado que consumou o golpe, perder um minuto de reflexão para reconhecer a importância de sua candidatura, num país em busca de caminhos para resistir ao ataque anunciado aos direitos e conquistas dos trabalhadores e da população super explorada do país.
Em texto de 27 de setembro, escrevi aqui que havia um “fiapo de esperança” no crescimento de Haddad. Numa situação que evolui em alta velocidade, apenas 48 horas depois há mais do que isso, como compreendem os militantes e eleitores engajados diretamente na busca de votos para ampliar o apoio ao prefeito.
Numa atividade que parecia extinta pelos ataques destrutivos da AP 470 e da Lava Jato, sem falar na crise interna do próprio Partido dos Trabalhadores, homens e mulheres começam a arregaçar as mangas para pedir votos pelo telefone, em conversas de ponto de ônibus, em reencontros de velhos amigos e, especialmente, pelas redes sociais, num movimento que tende a se ampliar na medida em que a chance de ir para o segundo turno mostra-se palpável.
Apesar do atraso de Haddad, que chegou ao local com atraso de 50 minutos, a caminhada pelo Jardim da Conquista, no fim de semana, mostrou uma população disposta saudar o prefeito e seu maior cabo eleitoral, Lula. O ato na Casa de Portugal, terça-feira, foi um evento vibrante, de impacto positivo. Numa campanha curta, com a propaganda concentrada em aparições de 30 segundos – mais adequada para anuncio de margarina do que para debates políticos – o confronto de ideias e de prioridades precisou de tempo para ficar claro e amadurecer.
É isso que está acontecendo nos últimos dias da disputa. Um fato significativo envolve a reação de um conjunto representativo de médicos da cidade, liderados por Dráuzio Varella, em resposta a promessa demagógica de vários adversários do prefeito – a começar por João Dória -- de liberar a velocidade assassina dos automóveis no transito, responsável por um morticínio superior ao de muitos países em guerra civil. Por um desses caminhos sempre surpreendentes da discussão política, a partir do lugar do automóvel na vida cotidiana da maior cidade brasileira os eleitores poderão optar pela prioridade que deve ajudar a organizar São Paulo. A escolha, que não deixa de ter um aspecto absurdo pela natureza dos interesses envolvidos, contrapõe o prazer individual – alguns chamam isso de “liberdade” -- de motoristas endinheirados em pisar fundo no acelerador de seus carrões, ou a segurança coletiva de uma população para quem o trânsito é uma rotina de infortúnio, perigo e muitas vezes um caminho sem volta.
Não há dúvida de que, com todos defeitos e limitações, Haddad fez uma gestão que trouxe benefícios inegáveis a população mais pobre da periferia – ainda que este fato tenha sido escondido por uma campanha sistemática dos meios de comunicação para impedir sua emergência como liderança renovada do Partido dos Trabalhadores e da política de São Paulo, com direito a projetos de maior alcance.
Numa disputa que se transformou num segundo turno antecipado, Haddad merece apoio por uma outra razão. Tem vários defeitos mas é o único candidato que não pode ser definido como uma fraude – traço respeitável entre os quatro maiores concorrentes.
Explicando. João Dória disputa a prefeitura da maior cidade brasileira com a máscara padrão dos demagogos. Num manjado truque de botox ideológico, faz questão de dizer “não sou político”, simulando uma autenticidade desmentido pelo escandaloso patrocínio assegurado pelos cofres de Geraldo Alckmin a seus negócios. A novidade de hoje é que o slogan João Trabalhador – realmente, um abuso mental – pode acabar substituído por João Mau Patrão, em função de denúncias registradas na Justiça trabalhista.
Celso Russomano é a farsa da velha tragédia janista, com um detalhe especial: que sucessivos escândalos o impedem de empunhar a vassoura do teatro ético.
Bastaram poucos meses de campanha para que Marta fosse reconhecida como a lendária viúva Porcina, aquela que foi sem nunca ter sido. Deputada, senadora e ministra, sempre pelo PT, engajou-se a fundo num movimento que renega 30 anos de vida política. Chegou a mandar flores para uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma, cujo ministério frequentou até outro dia. Prometeu votar na PEC que vai arrochar gastos com saúde e educação, alinhando-se com um governo reprovado por 43% dos paulistanos. Estrela do TV mulher, pediu abrigo num governo antifeminista e antifeminino. Seu filho, o roqueiro Supla, reconhece em vídeo que mamãe “é golpista.”
Neste ambiente, Luiza Erundina chega aos últimos dias com a chance de encontrar um segundo papel numa campanha onde não teve forças para disputar as primeiras posições. Com uma biografia respeitável pela coerência, a conjuntura dos últimos dias lhe oferece duas opções. A primeira, é apoiar a candidatura de Fernando Haddad, que representa uma alternativa viável para ir ao segundo turno e enfrentar o candidato que tentará consolidar o golpe de 31 de agosto. A outra é manter a candidatura própria, estimulando uma divisão eleitoral que pode impedir Haddad de receber um punhado de votos que podem ser decisivos.
Num momento particularmente grave, a eleição municipal de 2016 ajuda a recordar uma velha verdade das disputas políticas. Vitoriosos e derrotados, os candidatos passam, seja na apuração, seja no fim do mandato.
Mas o povo fica – e este é o compromisso de quem sabe que a política necessária coloca o interesse público em primeiro lugar.
Brasil 247
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