Postado em 30 Sep 2016
Se o debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo foi soporífero como uma caipirinha de maconha, o do Rio teve eletricidade em diversos momentos.
Quem deu o tom foi Jandira Feghali, do PC do B, que de cara lembrou, corajosa, que a Globo “apoiou o golpe contra a democracia e contra uma mulher eleita que foi cassada sem qualquer crime.”
Emendou na pergunta para Pedro Paulo, do PMDB: “Como é que você jogou tanto voto fora e agora pede voto?” Inevitavelmente a performance virou meme, com aquele efeito dos óculos escuros voadores ao som do rap “Turn Down For What”.
Na sequencia, aconteceu o direito de resposta mais esdrúxulo desses encontros políticos desde que eles nasceram. A mediadora Ana Paula Araújo fez um pronunciamento.
“A TV Globo não é obrigada a realizar debates. Se a emissora faz isso é justamente por apreço à democracia, inclusive se expondo a ter críticas ao vivo dos candidatos”, discursou, ligeiramente alterada.
“Quero lembrar também que não é a Rede Globo que está sendo avaliada aqui, são os candidatos e é você de casa que vai poder ver as propostas, comparar as ideias e ver quem é que tem mais compostura e competência para ser prefeito do Rio de Janeiro”. O esclarecimento, se é que se pode chamar assim, foi seguido por uma salva de palmas inexplicável de puxa sacos.
Ok. A transmissão desse tipo de programa é facultativa, segundo a lei. No mais, Ana Paula errou. É inevitável que a Globo seja citada por causa do papel paquidérmico que ela adquiriu na vida nacional há 50 anos e é absolutamente legítimo que isso seja questionado. Estranho é passar em branco. Não é possível falar do impeachment de 2016 sem incluir a Globo na trama.
A jornalista sabe disso e se virou como pôde. Não precisava, eventualmente, se comportar como a dona de um bufê que faz uma concessão ao acolher aquele bando de desclassificados, até porque a lojinha não é dela. O debate traz audiência, prestígio, poder e anunciantes. Insinuar que Jandira não tem compostura foi golpe baixo.
É um script que os apresentadores vão sendo obrigados a repetir. Em 2014, Anthony Garotinho foi ao RJTV. Após ser questionado sobre corrupção e promessas não cumpridas, mencionou o escândalo da sonegação da Globo nos direitos da Copa do Mundo de 2002.
“Acusação todo mundo tem. Agora mesmo acusaram a Globo em um desvio milionário com laranjas em paraísos fiscais. Não sei se a Globo é culpada, até acho que é, é uma opinião minha, mas quem vai decidir é o juiz e não eu. Disseram que a Globo sonegou bilhões”, afirmou, ao vivo.
A âncora Mariana Gross usou o mesmo texto, abreviado, da colega Ana Paula Araújo: “Candidato, o tema aqui não é a Globo”.
Garotinho ainda lembrou o pedido de desculpas do grupo pelo apoio à ditadura militar. Mariana ficou com a última palavra. Na hora de se despedir do público, voltou ao assunto do qual queria fugir: “Queria aqui reiterar que a TV Globo paga seus impostos.” E chamou para os comerciais.
Não será possível apagar o papel da Globo na história recente do Brasil, por maior que seja o talento e o esforço de seus funcionários para a tergiversação e a desconversa.
Sobre o Autor
Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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