terça-feira, 13 de setembro de 2016

História é um perigoso jogo que não permite a presença de amadores



12 de Setembro de 2016

Por Mauro Santayana



O afastamento definitivo de Dilma Rousseff da presidência da República foi apenas mais uma etapa de um embate muito mais sofisticado e complexo, em que está em jogo o controle do país nos próximos anos. Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT conseguiu a proeza de fazer tudo errado, fazendo, ao mesmo tempo, paradoxalmente, quase tudo certo. Livrou o país da dependência externa, pagando a dívida com o FMI, e acumulando US$ 370 bilhões em reservas internacionais, que transformaram nosso país no quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos. E o fez sem aumentar a dívida pública. Mas isso não veio ao caso. Ajudou a criar 20 milhões de empregos, fez milhões de casas populares, criou Pronatec, ProUni, Ciência Sem Fronteiras e Fies, fez dezenas de universidades federais e promoveu extraordinários avanços sociais. Mas isso não veio ao caso.

Voltou a produzir e a construir navios, ferrovias – a Norte-Sul já chegou a Anápolis (GO) – usinas hidrelétricas, plataformas e refinarias de petróleo, mísseis, tanques, belonaves, submarinos, rifles de assalto, multiplicou o valor do salário mínimo e da renda per capita em dólares. Mas isso não veio ao caso. Porque o PT foi extraordinariamente incompetente em explicar, para a opinião pública, o que fez. Se tinha um projeto para o país, e que medidas faziam – coordenadamente, na economia, nas relações exteriores, na infraestrutura e na defesa – parte desse projeto. Confiou mais na empatia e na intuição do que a informação e no planejamento.

Chamou, para estabelecer sua linha de comunicação, "marqueteiros" sem afinidade com as causas defendidas pelo partido, e sem maior motivação do que a de acumular fortunas. O PT teve mais de uma década para explicar didaticamente à população as vantagens da democracia, seus defeitos e qualidades, e sua relação de custo-benefício para os povos e as nações. Teve o mesmo tempo para estabelecer uma linha de comunicação que explicasse a que tinha vindo, e os avanços e conquistas que obtinha para o país.

O PT dividiu-se, e não estabeleceu uma estratégia clara, de longo prazo, que pudesse manter em andamento o projeto que pretendia implementar para o país. Suas lideranças foram reiteradamente advertidas de que ocorreria o que ocorreu – a presença aqui da mesma embaixadora norte-americana do golpe paraguaio era claramente indicativa disso. De nada adiantou.

De que era preciso estabelecer uma defesa competente do governo e de seu projeto de país na internet – cujos principais portais foram desde 2013 praticamente abandonados à direita e à extrema-direita, enquanto a esquerda, sem energia para se mobilizar, se recolhia ao monólogo, à vitimização e à lamentação em grupos fechados e páginas do Facebook.

Não deu combate às excrescências que sobraram do governo Fernando Henrique, justamente no campo da corrupção, com a investigação de uma infinidade de escândalos anteriores, que poderia ter levado à cadeia bandidos antigos como os envolvidos nos problemas da Petrobras. E cometeu erros táticos imperdoáveis. Não é possível que personagens como Dilma e Lindbergh continuem defendendo a Operação Lava Jato, de público, quando essa operação parcial e seletiva foi justamente o principal fator na derrubada da presidente da República.

Desse processo, nasceram uma nova classe média e uma plutocracia egoístas, conservadoras e "meritocráticas", entregues de mão beijada para adoção institucional pela direita. Ampliaram-se a autonomia, o poder e as contratações do Ministério Público e da Polícia Federal, medidas elogiáveis que poderiam em princípio funcionar bem em um país verdadeiramente democrático, mas que, no Brasil da desigualdade e da manipulação midiática, levaram à criação de uma nova casta de funcionários públicos formados em universidades privadas – alinhadas à direita – com financiamento do Fies e em cursinhos para concurseiros, que não têm nenhuma visão real do que é o país, a República ou a História, e acham, ao lado de jovens juízes, que devem mandar na Nação no lugar dos "políticos" e do povo que os elege.

Como consequência disso, há, hoje, uma batalha jurídica sendo travada, principalmente, no âmbito do Congresso Nacional, voltada para a aprovação de leis fascistas – disfarçadas, como sempre ocorre historicamente, sob a bandeira da anticorrupção, pretende alterar a legislação e o código penal para restringir o direito à ampla defesa consubstanciado na Constituição, no sentido de se permitir a admissibilidade de provas ilícitas, de se restringir a possibilidade de se recorrer em liberdade, e de conspurcar os sagrados e civilizados princípios de que o ônus da prova cabe a quem acusa e de que todo ser humano será considerado inocente até inequívoca prova de sua culpa.

Enquanto isso, aguerrida, organizada, fartamente financiada por fontes brasileiras e do exterior, a direita – "apolítica", "apartidária", fascista, violenta, hipócrita – deu um show de mobilização. Estabeleceu seu domínio sobre os espaços de comentários dos grandes portais e redes sociais – em um verdadeiro massacre midiático, uma espécie de discurso único, imposto como sagrada verdade para parte da população.

Entre as principais lições dos últimos anos, vai ficar a de que a História é um perigoso jogo que não permite a presença de amadores. Enganam-se aqueles que acham que o confronto expõe apenas a direita e a esquerda. Mais grave é a guerra que se desenha, e que já começou, entre os que atacam a política, os "políticos", a democracia e o presidencialismo de coalizão contra os que serão chamados a mobilizar-se para defendê-los daqui até 2018 e além. O futuro da República e da Nação será definido por esse embate.

E é o conjunto de erros e circunstâncias que vivemos até agora, e o que faremos a partir de agora, que poderá levar, ou não, para o Palácio do Planalto e o Parlamento, um governo fascista e autoritário em 2019. A judicialização da política, a ascensão da antipolítica e de uma plutocracia que acredita que não precisa de votos nem de maior legitimação do que sua condição de concursada para "consertar" o país e punir vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, presidentes da República, em defesa de "homens de bem" que desfilam com as cores da bandeira e com uniformes negros de inspiração nazista, ajudará a sepultar o regime presidencialista anteriormente vigente, e introduzirá um novo elemento, ilegítimo e espúrio, no universo político brasileiro, transformando-se em permanente ameaça para o funcionamento e a essência da democracia.

Infelizmente, para o país e para a República, a permanência de Dilma tornou-se insustentável. Caminhamos para uma situação de confronto em que o fascismo já está ficando com todas as armas, e a esquerda com todas as vítimas. Nações e pessoas precisam aprender que, às vezes, é preciso saber dar um passo para trás para depois avançar de novo. É preciso resistir, mas com um projeto claro para o país.

A corajosa defesa do governo Dilma por parte de grandes lideranças da agricultura e da indústria, como os senadores Kátia Abreu e Armando Monteiro, mostram que não é impossível sonhar com uma aliança que una empresários e trabalhadores nacionalistas em torno de um projeto vigoroso e coordenado de desenvolvimento. Que possa promover o fortalecimento do país, do ponto de vista econômico, militar e geopolítico e evitar, ao mesmo tempo, a abjeta entrega de nossas riquezas, como os principais poços do pré-sal aos estrangeiros.

A costura de uma aliança que evite a subordinação e a fascistização do país deveria ser, daqui pra frente, a primeira missão de todo cidadão brasileiro – ou ao menos daqueles que tenham um mínimo de consciência e de informação – neste país assolado pelo ódio e pela mentira, a hipocrisia e a ignorância. A divisão da Nação, a crescente radicalização e o isolamento das forças democráticas – que devem combater esse isolamento também internamente e rapidamente se organizar sob outras legendas e outras condições; a fratura da sociedade nacional; a desqualificação da política e da democracia; só interessam àqueles que pretendem consolidar seu domínio sobre o nosso país.

É preciso costurar uma ampla aliança nacional, que parta, primeiramente, do centro nacionalista (se não existir, é preciso criar-se um), suprapartidária, politicamente inclusiva, equilibrada e conciliatória, que una militares nacionalistas da reserva – e eles existem, vide o Almirante Othon, por exemplo –, empresários, técnicos e engenheiros desenvolvimentistas, grandes empresas de capital majoritariamente nacional e os trabalhadores em torno de um projeto que possa evitar o estupro das liberdades democráticas e dos direitos individuais e a entrega de nossas riquezas e de nosso futuro aos ditames internacionais. Vamos fazê-lo?



Brasil 247

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