quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Faltam representantes autênticos da democracia, por Janio de Freitas

QUI, 06/10/2016 - 14:33

Marlene Bergamo/Folhapress

Jornal GGN – Em seu artigo na Folha, Janio de Freitas aborda a questão dos votos inválidos nas eleições municipais. Para ele, esses não votos representam a verdadeira mensagem das eleições, de que no Brasil não se pratica a democracia representativa.

Se as duas maiores cidades brasileiras recebem como eleitos candidatos que só obtém maioria absoluta se os votos inválidos forem desconsiderados, como

Democracia sem representantes reais da maioria não é democracia, mas sim uma esperta lei eleitoral que nos trouxe o segundo turno. Você não é representante da maioria, você representa os votos válidos, aqueles que são contemplados depois que tiram do caminho a opinião dos que não tiveram voz, pois que não se sentiram representados.

Só que os que ali depositaram seu não voto continuam cidadãos, mesmo não representados, e continuam existindo, continuam tendo opinião. E são o que de mais legítimo produziu a sociedade, pois que maioria, e falam oficialmente por todos.

Segundo entende Janio de Freitas, os 53% obtidos por Doria são somente 53% daquilo que a lei autoriza a computar para fixar o total de votos aos candidatos. Pois que se perceba que, na realidade, 61% dos eleitores gritaram, em branco, nulo e abstenção, que devem ser percebidos. E João Doria leva a taça, tornando-se prefeito de menos de um terço do eleitorado paulista. E é recusado por 68% dos eleitores da cidade.

Leia a coluna a seguir.

na Folha


Por Janio de Freitas

Se o Brasil se inclui nos regimes chamados de democracia representativa, como a Constituição se esforça para sustentar, ou o batismo do regime está errado ou o que aqui se pratica não é democracia representativa. Esta é a verdadeira mensagem das eleições recentes, reiterada com números vergonhosos na tentativa de afinal ser notada no que de fato diz.

As duas principais cidades ilustram a incógnita, não por lhes ser exclusiva, mas por sua maior ressonância. Em São Paulo, João Doria é saudado por vencer no primeiro turno paulistano, recebendo maioria absoluta de 53%. Com isso, diz a quase totalidade dos comentários, os primórdios da sucessão presidencial em 2018 recebem nova configuração, saindo Geraldo Alckmin, patrono de Doria, fortalecido com e no PSDB.

No Rio, Marcelo Crivella foi levado ao segundo turno com 28%, contra Marcelo Freixo e seus 18%. O prefeito Eduardo Paes, diz a quase totalidade dos comentários, teve o seu futuro político posto sob sombras, e o PMDB, alijado do segundo turno, enfraquecido pela rejeição ao candidato de ambos, Pedro Paulo.

Os eleitos em definitivo e para segundo turno, em São Paulo e Rio, representam a quem e o quê, para merecer o direito e o poder de governar as duas maiores concentrações humanas do país? Apesar de discreta, foi possível descobrir no noticiário que a quantidade de eleitores que recusaram seus votos aos três mais votados, em São Paulo e no Rio, é maior do que os votos recebidos por cada um deles. O resultado oficial não sofre consequências porque a esperteza injetada na lei eleitoral, a que introduziu o segundo turno, fixa os totais dos candidatos depois de excluir do verdadeiro total geral os votos brancos e os nulos. Como se estes não fossem opiniões eleitorais –a reprovação de todos os candidatos– ou seus autores nem existissem.

Mas continuam existindo, continuam cidadãos e continuam a ter opinião, inúmeros com opinião ativa. À parte o voto que cada um dê ou recuse, os eleitores são o que a sociedade tem de mais legítimo, do ponto de vista institucional: são os que falam oficialmente por todos. Não pela lei eleitoral em vigor, cujo sentido é impedir a democracia representativa.

Os 53% obtidos por João Doria são 53% dos votos que a lei autoriza computar para fixar o total de votos aos candidatos. Assim retirados os votos brancos, os nulos e juntadas as ausências, os 100% de eleitorado paulistano caem para o equivalente a 61,5%. Os 53% desse novo percentual é que revelam a parte dos paulistanos que votaram em João Doria: 32%.

É isto: João Doria torna-se prefeito por preferência de um eleitorado que não chega nem a um terço dos cidadãos habilitados a votar em São Paulo. Logo, Doria vai administrar a maior cidade brasileira como representante apenas de uma minoria. E recusado na escolha de 68% das 8.886.159 vozes da cidadania paulista.

No Rio, o mesmo ajuste dos eleitores à sua verdade e das urnas à sua realidade, para os dois caminhantes ao segundo turno, o resultado é ainda mais dramático. Os 28% oficiais de Marcelo Crivella são, na verdade, 16% do total verdadeiro de eleitores. Os 18% de Marcelo Freixo são, de fato, 10,5% do eleitorado. Se vitorioso no segundo turno, o primeiro o será foi depois de excluído na escolha de 72% dos cidadãos do Rio; o outro, recusado por 89,5%.

A democracia eleitoral sem representantes autênticos da preferência majoritária não é representativa e não pode ser democracia. Tal realidade abarca toda a política, que tem seus controles primordiais determinados em eleições majoritárias, de presidente, governadores e prefeitos, sujeitas à perversão das verdades eleitorais. Aí está uma das mais fortes causas da já insuportável deterioração da política no Brasil.


Jornal GGN

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