SEG, 30/04/2018 - 08:59
Falando sério, tudo poderia começar com um tiro de canhão no Projac
por Armando Rodrigues Coelho Neto
“Estou à beira da depressão”, escreveu uma amiga no Facebook. Não publique isso, comentei, pois é fazer o jogo do inimigo. Foi assim que me perdi na engenharia do golpe, na vã fantasia de exercer a resistência mínima permitida. Enquanto Sejumoro brincava de ser “bonzinho” dando prazo para o eterno presidente Lula se apresentar em Curitiba, a ilusão de resistir se desenrolava em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo/SP. Um movimento de pseudo ou quase reação tímida contra a opereta bufa de um tiranete. Tudo muito aquém da violência contra o maior líder da história contemporânea nacional. Mas, ficou a ilusão de resistência, com arrefecimento de ânimos, muito bem proporcionado pela engenharia do golpe.
A engenharia do golpe vem trabalhando com a emoção, pois sabe a dimensão de quão despolitizada é a grande massa social. No fundo, sabe que Lula não é o ladrão que tentam impor e que a riqueza que tentam atribuir ao ex-presidente é tão pífia quanto a dinheirama de Roseana Sarney veiculada no Jornal Nacional (Abaixo a Globo!). Naquele episódio, em 2002, Marinhos, Moros e Malafaias sabiam, assim como qualquer adulto sério, que aquela dinheirama não elegeria um vereador no estado do Maranhão. Mas, era muito dinheiro aos olhos do povo, num jogo de cena capaz de acabar com a candidatura daquela que poderia ter sido a primeira mulher presidenta da República. Ainda bem que não, mas ilustra a manipulação.
A dinheirama de Roseana Sarney tem o mesmo papel do tríplex de Guarujá, objeto de um inquérito que virou obsessão de Sejumoro, que hoje peita a dita Corte Suprema: quebra a dentadura, mas não larga a rapadura.
Como dito, sabem que Lula não é um monstro e o Partido dos Trabalhadores não é organização criminosa. O número de petistas presos e ou condenados falam por si. Sabe que petistas e simpatizantes de Lula não são bandidos, que o PT não quebrou Petrobrás e o Brasil, mas essa narrativa é essencial para manter o golpe, ao mesmo tempo em que controla instintos e impulsos, aquiescendo com catarses como a de São Bernardo do Campo. Lula nos braços do povo lavou a alma dos petistas, foi uma bela imagem para jogar para o mundo, mas aquilo não foi além daquilo. Foi como quebrar copos e pratos em novela por atores ruins que não sabem expressar raiva e ou indignação.
Não se trata de rechaçar o apoio ao presidente, mas de discutir o lado invisível do jogo emocional do golpe. Saimos de um Não Vai Ter Golpe, enveredamos pelo Vai ter Luta, Fora Temer, Eleição sem Lula é Fraude e mergulhamos no Lula Livre...
Nesse contexto, faço parte da ilusão dos que acreditam estar defendendo a democracia. Integro um universo de quem fala consigo e com seus iguais, consciente de que quem deveria ler me ignora. Mais que isso, se recusa a receber informação e as poucas que têm são descontextualizadas. Paralelamente, constato a luta inócua de quem quer converter o papa ao budismo, ousando enfrentar, sem sucesso, o analfabetismo da classe média e da elite do atraso, que encontrou, finalmente, a desculpa necessária pra disfarçar o ódio ao pobre.
Estamos agindo como quem quer acreditar que está fazendo algo contra o golpe. É fato que, de certa forma isso alivia, mas não vai além do alimentar nossas ilhas. Ao mesmo tempo, percebo o exercício de uma oposição consentida, calculada pela engenharia do golpe, para que não ecloda o desespero. Caso contrário, se eu me rebelo, me deparo com a máxima: é tudo que eles querem para cancelar as eleições. A aparente ameaça do mal maior trava, nos exatos limites de uma reação tímida.
Sei que o povo pelo qual penso que acredito lutar não sabe que eu existo. E, estava eu a “brincar de resistir”, quando um delegado da PF me mandou uma mensagem, dizendo que eu deveria “parar de defender bandido e ser mais propositivo”. Lembrei que ser propositivo é o novo mantra dos apolíticos de direita, dos falsos moralistas, dos corruptos contra a corrupção. Algo assim como, nosso ódio já está sendo purgado, já conseguimos prender Lula, Sejumoro realizou nosso fetiche (e o dele!), agora queremos proposições. Levei esse tema a um grupo de discussões e nele me sugeriram que esquecesse por instantes a manipulação emocional do golpe. Que melhor seria fazer proposições ao tal delegado. Portanto, ficam incompletas as ilações sobre o jogo emocional do golpe, para ser propositivo.
Um ponto de partida seria taxar as grandes fortunas, reformar a justiça de Mendes, Cardosos e Carminhas, Outro ponto seria socializar de verdade a saúde, ficando terminantemente proibida a medicina privada. Ah, queremos também gratuidade total do ensino, creches nas escolas e universidades (com a manutenção das cotas, claro!). Nacionalizar imediatamente os recursos naturais do Brasil, todas as siderúrgicas privatizadas, anular a entrega do Pré-Sal. É importante propor à PF que pare de eleger bandidos de estimação e comece combater também a evasão de recursos biológicos do Brasil, de minerais (areias monazíticas, nióbio, metais e pedras preciosas). O fruto disso seria para educar o povo, urbanizar periferias dos grandes centros.
Tais propostas, entre outras, seriam o caminho para reparar quinhentos anos de espoliação, além de corajoso esforço para resgatar, ao menos simbolicamente, nossa dívida impagável com as gerações de índios e negros, vítimas de tráfico humano e genocídio continuado e sistemático. Viriam juntas com um plano internacional pró-união sul-sul e a integração latino-americana. Ah, o fortalecimento dos BRICS, o uso progressivo de outras moedas nas trocas comerciais, em substituição ao dólar.
Polícia cidadã, respeito aos direitos humanos, cumprir a Constituição Federal da República, punição de magistrados corruptos - perseguidores, parciais, manipuladores, que agem em conluio com meios de comunicação e com forças estrangeiras em desfavor do Brasil. Uma comissão da verdade para apurar o golpe de 2016 seria bem-vinda, inclusive para investigar as relações diplomáticas com nações hostis que tenham, mediante guerra híbrida, atuado contra a estabilidade política, econômica e social do País. Tudo isso, claro, com o fim do monopólio privado dos meios de comunicação...
Espera aí, gente! Vocês estão querendo mais que volta Lula? Se for assim, é preciso recorrer a uma metáfora: para essa revolução acontecer, falando sério, tudo poderia começar com um tiro de canhão no Projac!
Armando Rodrigues Coelho Neto - advogado e jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
Jornal GGN
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