quinta-feira, 14 de junho de 2018

O SUBMUNDO DAS ‘AGÊNCIAS DE CHECAGEM’: DINHEIRO DOS BANCOS E CONFLITO DE INTERESSES

Há um submundo no universo das "agências de checagem": muito dinheiro de grandes bancos e mineradoras, patrocinadores do golpe de Estado de 2016, e conflito de interesses escancarado; enquanto afirmam mensurar e julgar o trabalho de veículos de comunicação de maneira "independente", pertencem a uma empresa que tem um veículo de comunicação; vivem de vender serviços à mídia conservadora; uma das agências tem seu endereço eletrônico hospedado no site de um dos mais agressivos veículos de direita do país

14 DE JUNHO DE 2018 

Por Mauro Lopes, do 247 - Há um submundo no universo das "agências de checagem" (elas costumam divulgar sua atividade em inglês, "fact-checking"): muito dinheiro de grandes bancos e mineradoras, patrocinadores do golpe de Estado de 2016, e conflito de interesses escancarado. Enquanto afirmam mensurar e julgar de maneira "independente" o trabalho de jornalistas dos veículos de comunicação, pertencem a uma empresa que tem ela própria um veículo de comunicação e vivem de vender serviços à mídia conservadora. Uma das agências tem seu endereço eletrônico hospedado no site de um dos mais agressivos veículos da mídia de direita no país.

Sua ação mais ousada no país aconteceu esta semana, quando voltaram-se contra veículos da mídia independente (247, Forum e DCM) para proteger uma versão falsificada que fabricaram a serviço da mídia conservadora no caso da visita do enviado do Papa para visitar Lula no cárcere em Curitiba. Tais agências são as versões pós-modernas da antiga censura estatal que o Brasil experimentou no Estado Novo e depois na ditadura pós-64. Não existe mais a carreira de censor no Ministério da Justiça do país, mas existe a carreira de jornalista-censor a serviço do capital financeiro e da mídia conservadora. Com base em contratos com o Facebook, tais agências ganharam o poder de indicar à empresa de Mark Zuckerberg quais páginas hospedadas na rede social que devem sofrer sanções, desde a limitação na distribuição de posts até a eliminação completa.

A agência Lupa é, neste momento, o caso mais escandaloso deste submundo. Foi fundada no fim de 2015 com dinheiro de João Moreira Salles. Ele é apresentado no site da agência como um inocente "documentarista" (aqui). Escondeu-se, de maneira a ocultar a verdade, o fato de que Salles é nada menos que o 9º maior bilionários do país, segundo o levantamento 2016 da Forbes -sua fortuna é estimada em R$ 13 bilhões (aqui). Escondeu-se no site da Lupa que João Moreira Salles é um grande acionista do Itaú Unibanco. Escondeu-se ainda que a família Salles é controladora da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), líder mundial na produção de nióbio, com 85% do mercado mundial do valioso minério. Um caso típico de fake news.

Não bastasse um bilionário banqueiro/minerador ser o investidor da Lupa, que deveria em tese estar liberta de grandes interesses econômicos, o controle da agência é realizado pela Editora Alvinegra, também de Salles, que é proprietária da Revista Piauí. Ou seja: a agência que deveria fazer checagens "independentes" em veículos de comunicação não apenas está integrada aos interesses de grandes grupos financeiros/mineradores como pertence à mesma empresa de um veículo de comunicação que deveria acompanhar! 

A Agência Lupa -e todo o setor- atuam num modelo de negócios que repousa num conflito ético insolúvel. Diz a Lupa em seu site: "A Lupa é uma agência de notícias. Vende suas reportagens (checagens) para publicação em outros meios de comunicação. Repete o que fazem agências internacionais como Reuters, AFP, EFE ou Bloomberg, por exemplo." O que o texto enganoso da empresa não esclarece é que Reuters, AFP, EFE ou Bloomerg não se propõem a fiscalizar o trabalho de outros veículos de comunicação.

Assim, a Lupa, como sua co-irmã, a Agência aos Fatos, vendem seus serviços para veículos da mídia conservadora, como alguns das Organizações Globo e do Grupo Folha-UOL. Surge uma questão irretorquível: qual o grau de autonomia/independência tais agências têm para realizar "checagem" de veículos de comunicação que são seus clientes? Lupa e Aos Fatos farão recomendação de sanções ao Facebook para veículos de comunicação que são responsáveis pela sustentação financeira de seu negócio? 

Há ainda uma outra questão no que diz respeito à Lupa. O endereço eletrônico da agência é: http://piaui.folha.uol.com.br. Duas perguntas surgem: 1) a Lupa irá atuar de maneira independente na checagem do veículo de comunicação que a hospeda? 2) Que garantia têm veículos de comunicação concorrentes daqueles do Grupo UOL-Folha de que as "checagens" não serão carregadas de parti pris?

Este universo sombrio das agências de "fact-checking" que atuam a serviço de grandes grupos econômicos, do Facebook e da mídia conservadora com o objetivo de reinstalar a censura e liquidar com o direito constitucional de liberdade de expressão está alarmando parlamentares. O líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta, informou hoje que o assunto será examinado: "Vamos convocar representantes do Facebook e das agências de checagem contratadas por eles" (aqui). 

Brasil 247 tentou obter respostas da Agência Lupa quanto a estas questões, mas não houve resposta. Por duas vezes foi enviado email a Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa, contendo uma série de perguntas de interesse público. Mas eles ficaram sem resposta.

Na foto que ilustra esta reportagem, Cristina aparece ao lado do banqueiro/mineirador e documentarista João Moreira Salles, dono da Agência Lupa.

Leia a íntegra do email enviado a Cristina Tardáguila pelo 247:

Cris, bom dia,

Sou Mauro Lopes, editor do site Brasil 247.

Estamos preparando uma reportagem sobre as agências de checagem, em especial sobre a Agência Lupa, que irá ao ar hoje no começo da tarde.

Envio-lhe as questões a seguir para resposta até 14h, por favor

Está escrito no site da Agência Lupa que: “Pelos próximos anos, a Lupa ficará incubada no site da revista piauí, no modelo de startup. A Editora Alvinegra, que publica a revista mensalmente, é o principal investidor da agência e aposta em seu fortalecimento, aportando mensalmente a quantia necessária para seu funcionamento pleno e legal.”

Além disso, quando a agência foi criada, você concedeu entrevista ao Portal Imprensa e disse ter fechado contrato com a Globonews, que pertence ao grupo Globo. Disse ainda que gostaria de ser parceria de um jornal por estado e de algumas rádios.

Perguntamos:

1. A Agência Lupa mantém contratos de parceria com veículos de comunicação, como a Globonews? Se sim, faz checagem dos conteúdos? Pode nos informar quais são todos os meios de comunicação que patrocinam ou já patrocinaram a Lupa? Vocês fazem checagem dos veículos de comunicação que patrocinam a Lupa? É compatível checar conteúdos de um veículo com os quais a agência mantém contrato (e do qual, portanto, recebe dinheiro)?

2. A agência considera a revista Piauí um veículo de comunicação? Se sim, faz checagem das reportagens publicadas na Piauí?

3. É compatível eticamente checar as noticias da revista que i) hospeda o site de vocês e ii) pertence à mesma editora que é proprietária/investidora da Lupa?

4. A Editora Alvinegra pertence à família Moreira Salles, historicamente ligada ao setor financeiro. Atualmente, a família é uma das maiores acionistas do Banco Itaú Unibanco e alguns de seus membros são inclusive atuantes na instituição, como seus conselheiros, sendo um deles nada menos que presidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco. Há aqui um segundo conflito ético evidente: como é que vocês podem ser independentes na checagem de notícias sobre o setor financeiro sendo financiados por este setor?

5. Qual foi o valor investido até agora por João Moreira Salles em seu projeto? Houve outros investidores privados?

6. Qual é a sua equipe e o currículo dos profissionais que fazem a checagem das informações publicadas? As informações sobre a equipe no site são sucintas e não há garantia de estarem atualizadas. Você pode nos fornecer as informações detalhadas e atualizadas?

7. Ainda sobre o assunto da sustentação da agência: o Brasil 247 tem uma visão reconhecidamente crítica em relação ao papel do setor financeiro no país, tendo realizado reportagens críticas em relação ao banco Itaú Unibanco. Você não vê incompatibilidade ética em checar notícias de um portal que é crítico em relação à instituição da família de seus investidores?

8. O endereço eletrônico da Agência Lupa é http://piaui.folha.uol.com.br/lupa. Portanto, a sede eletrônica da agência é nas instalações do UOL, do Grupo Folhas. Vocês fazem checagem nas reportagens do UOL? Vocês fazem checagem nas reportagens da Folha de S. Paulo? Vocês consideram eticamente aceitável avaliar os veículos em cujo endereço eletrônico a agência está sediada?

9. Os leitores da Agência Lupa cobram, no Facebook, que vocês se retratem em relação ao erro cometido na cobertura do caso Juan Grabois/Lula. Vocês estão preparando uma retratação?

10. Os algoritmos do Facebook têm o poder de determinar o alcance de várias publicações. Ao mesmo tempo, a Constituição Brasileira garante a liberdade de expressão e veda qualquer tipo de censura prévia. Como vocês pretendem conciliar o poder de polícia da informação que exercem com as garantias fundamentais da Constituição brasileira?

11. No episódio de Juan Grabois, vocês penalizaram alguns sites da mídia independente, sem que tivessem ouvido o outro lado, princípio basilar do jornalismo. Você considera este procedimento eticamente aceitável?


Brasil 247

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