O Brasil chegou na quarta-feira (7) à marca de 341 mil mortos por COVID-19, em meio ao pior momento da pandemia, caos hospitalar e recordes de mortes, que já ultrapassaram as quatro mil em apenas um dia
8 de abril de 2021
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Foto: ABr)
Sputnik – Em meio ao pico da pandemia no Brasil, o infectologista norte-americano, Anthony Fauci, sugeriu que o lockdown deve ser discutido no país. A Sputnik Brasil ouviu dois médicos especialistas sobre o assunto, que reforçaram o alerta de Fauci e apontaram caminhos para a aplicação da medida extrema.
O Brasil chegou na quarta-feira (7) à marca de 341 mil mortos por COVID-19, em meio ao pior momento da pandemia, caos hospitalar e recordes de mortes, que já ultrapassaram as quatro mil em apenas um dia. Diante do cenário, o principal epidemiologista dos Estados Unidos, Anthony Fauci, fez um alerta ao país sul-americano, afirmando o que especialistas brasileiros dizem há semanas: um lockdown nacional deve ser considerado seriamente.
Apesar da recomendação para o endurecimento das medidas de restrição social, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) segue afirmando que não fará nenhuma medida do tipo a nível federal e critica governadores e prefeitos que tentam mitigar a pandemia através desses meios.
Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e um dos fundadores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o especialista norte-americano está correto em sua avaliação.
"Tenho plena concordância com o doutor Fauci, ele está correto ao propor que este momento, enquanto nós esperamos as vacinas, é um momento precioso que nós não podemos perder de vista. Temos que conseguir fazer o possível para que as medidas de afastamento e isolamento social ocorram para diminuir o número de casos, nós temos um número explosivo de casos e esse número terá consequências terríveis", avalia o sanitarista em entrevista à Sputnik Brasil, que alerta ainda que em até três meses o país pode alcançar o número de 500 mil mortos.
O médico epidemiologista César Victora, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), concorda com Vecina e lembra que o fechamento rígido gerou resultados positivos em outros países.
"Eu não tenho nenhuma dúvida de que o lockdown rígido de duas, três, até quatro semanas é essencial para controlar a pandemia no Brasil. Países sérios, europeus, por exemplo, fizeram isso e tiveram grande sucesso em controlar a curva epidêmica - que nunca foi tão ruim quanto no Brasil. Nós estamos com UTIs lotadas na grande maioria dos estados, nós estamos com quatro mil mortes por dia e é incompreensível porque nossos governantes ainda hesitam em manter um lockdown rigoroso", afirma Victora em entrevista à Sputnik Brasil.
Da mesma forma, Gonzalo Vecina reforça que o lockdown é a "única alternativa para diminuir a velocidade do crescimento de casos e mortes". Segundo ele, a medida pode assumir características particulares no Brasil, tendo vista que o país enfrenta dificuldades com restrições sociais.
"Então pode ser até uma coisa um pouco mais meia boca, mas nós temos visto que isso dá resultado. Agora quando se fala em lockdown a gente pensa em ficar em casa, mas lockdown não é só ficar em casa", aponta o médico, ressaltando que a medida envolve um amplo projeto.
Araraquara mostra que lockdown bem planejado funciona
O médico sanitarista Gonzalo Vecina cita o exemplo da cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, que após um período de lockdown de dez dias entre o final de fevereiro e o início de março conseguiu frear o avanço da doença, chegando a zerar o número de óbitos diários.
O médico explica que a medida envolveu um amplo planejamento. Além de impor o isolamento às famílias, o município constituiu um comitê científico e adotou um gabinete de crise com as autoridades locais, associações de comerciantes e empresários. O fundador da Anvisa, lembra ainda que o município usou uma estratégia de comunicação específica, agilizou a testagem e o atendimento aos infectados, ampliou a fiscalização e suspendeu o transporte público.
"Tudo combinado com a cidade. Qual foi a consequência? A queda de mais de 80% no número de casos novos, uma queda abrupta na mortalidade, 30, 40 dias depois, e no número de casos novos, 20 dias depois [...]. Então, sucesso do lockdown, porém não é [só] o lockdown, é um processo de isolamento social", explica.
Centro de Araraquara, no interior de São Paulo, com comércio fechado por conta de lockdown anunciado pela prefeitura da cidade.
O epidemiologista César Victora lembra que muitas cidades brasileiras não seguem o exemplo de Araraquara e fazem fechamentos curtos e sem rigidez, o que ele classifica como "um desrespeito à saúde pública".
"Isso não é lockdown, isso é uma piada, é um desrespeito à saúde pública, e muitas cidades estão fazendo isso, lockdowns muito curtos, isso não funciona. Precisa ter no mínimo duas semanas de duração", aponta o professor da UFPel.
O epidemiologista ressalta ainda que para proteger a população mais pobre nesse período, um esquema de distribuição de alimentos pode ser executado utilizando o emprego das Forças Armadas.
Na quarta-feira (7), o presidente Bolsonaro afirmou novamente durante coletiva, que não fará lockdown nacional, algo que tem repetido desde o início da pandemia. Para Gonzalo Vecina, essa postura é parte de um projeto.
"O presidente é contra lockdown, o presidente é contra a vacina, o presidente é contra a máscara. Qual é o projeto do presidente? Que a gente adoeça, tenha a doença, alguns morrem outros ficam vivos, e nós vamos chegar lá na imunidade de rebanho, quando a maioria da população tiver tido a doença. Só que para a maioria da população ter a doença e nós atingirmos a imunidade de rebanho desse jeito, nós vamos ter que ter mais do que um milhão de mortos", afirma o médico sanitarista.
O médico epidemiologista César Victora aponta que as principais medidas necessárias para o combate à COVID-19 vêm sendo ignoradas pelo governo Bolsonaro, que segundo ele, não respeita a ciência.
"Todos esses aspectos tem sido sistematicamente desrespeitados pelo nosso governo federal, que contribui dessa maneira para aumentar o número de mortes. Estamos com quatro mil mortes por dia e não sabemos onde vamos chegar, porque a nova variante P1 é uma variante extremamente contagiosa, extremamente letal e que atinge gente jovem também [...]. É uma crise sanitária como eu nunca vi na minha vida de epidemiologista trabalhando há 40 anos nesse campo", lamenta Victora.
Já Gonzalo Vecina critica a visão adotada pelo presidente brasileiro e reafirma que a melhor saída é um projeto de lockdown para frear os contágios, mesmo que a nível local, enquanto se garante a vacinação em massa da população. Segundo ele, isso deve se estender de forma intercalada até que vacinas suficientes estejam disponíveis.
"[Temos que] lutar pela vacina para todos, não vacina da iniciativa privada, para rico. Todos têm que ter acesso à vacina. Essa que deve ser a alternativa", aponta.
Brasil 247
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