quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Carta de despedida de assinante de O Globo
Por Heitor Magaldi
Além Paraíba (MG), 2 de novembro de 2010
Carta de despedida ao Globo
Ilmo. Sr. Rodolfo Fernandes
Diretor de Redação e Editor Responsável de O Globo
Rio de Janeiro-RJ
Prezado Senhor,
Seu jornal, do qual sou assinante há anos, exibiu em sua edição de hoje a pá de cal que lhe faltava. Suponho que eu não seja o único a pensar assim.
A publicação de um artigo de um obscuro economista na página sete - cujo nome merece ser omitido, para poupar seus filhos, netos e demais parentes da vergonha pública - usando o dia de Finados como dia de luto político e acusando os mais de cinquenta e
cinco milhões de brasileiros que votaram em Dilma de “ assassinos da Ética”
( o grifo é meu), simboliza o que o jornal se transformou: num caderno de misérias e de rancores.
Não digo que deveriam tê-lo censurado. Uso-o como emblema.
Cancelo aqui minha assinatura.
Resisti muito. É no Globo que leio Luís Fernando Veríssimo. É no Globo que acompanho a vida cultural do Rio, cidade que os mineiros amam, com recíproca escancarada. No Globo vivi manhãs de ruínas e de triunfos.
Agora não dá mais.
Resisti aos conselhos dos que já haviam renunciado às suas páginas. Resisti pelo dever de ouvir opiniões contrárias, não sendo eu o dono das verdades. Correções às minhas visões de mundo valem quando vestidas pela honestidade e pela decência. No Globo não acredito mais.
A compilação de suas manchetes ao longo dos dois últimos meses é uma antologia abjeta de manipulações e de desavergonhada preferência eleitoral. Despidas da coragem em assumir sua escolha eleitoral. Foram editoriais em si contra o governo, contra a candidata do governo, contra os que votam no governo, numa tipologia garrafal tomada por depreciações à inteligência alheia.
Os blocos de articulistas – os habituais e os esporádicos – formaram uma orquestra de ira, de inveja, de soberba. Com raríssimas exceções. Sinônimos de pecados capitais espalharam-se pelas páginas com uma desfaçatez avassaladora. Um dos colunistas, no auge de patético desespero, chegou à véspera do pleito a esparramar análises que poderiam ainda “salvar” seu candidato. Na contramão ridícula de
um resultado desfavorável que já lhe batera à porta.
Todos se deram a uma importância exagerada, quando ela é nitidamente relativa. Alguns se fantasiaram com o direito de escrever a História a seu modo, tentando varrer Lula da sala para o quintal dos esquecidos.
Minha desilusão consolidou-se ao ver o impudente desrespeito aos leitores. Escrevi-lhe com frequência apontando erros propositadamente grosseiros.
Não mandei insultos, embora às vezes não tenha resistido à ironia e ao cinismo.
Só duas de minhas anotações foram publicadas, mas com cortes desleais quando eu
criticava a redação.
Sei que não tenho importância para merecer atenções especiais embora duvide da inexistência de mais leitores iguais a mim. O Globo não sabe ouvir as vozes dos que não cantam as ladainhas de seu coral . São poucas, mas podem se multiplicar.
Escrevi também, diretamente, para Merval Pereira, Míriam Leitão, Arnaldo Jabor, Ricardo Noblat e até para o Ancelmo Gois. E para um sociólogo de sobrenome italiano, que ocupou a página editorial quando o desespero já era escandaloso. Tentando enlamear mais ainda, num nítido esgar de “ fim de feira”, as figuras de Lula e de sua candidata. Uma agonia confrangedora, povoada por clichês, por linguagem de
botequim e por erudições de segunda mão.
Tenho ainda mais quatro importantes motivos:
1 - seria uma traição à minha consciência continuar pagando para assistir a um contorcionismo diário de ódio e de manipulação de fatos;
2 – a rapidez e a multifacetação da internet, onde posso encontrar as informações confiáveis, está livre em minha casa, e é de graça;
3 – não sujarei mais minhas mãos com a tinta negra de jornais;
4 – eu estou salvando árvores, teremos menos papéis ordinários poluindo o mundo.
Deixo claro que sou absolutamente favorável à liberdade de opinião. Não gostaria que O Globo deixasse de existir. Mas liberdade pressupõe também responsabilidade. Inclusive a penal. Liberdade pressupõe o democrático direito
de resposta. E não existe liberdade sem a autocrítica.
É com esta liberdade que enviarei esta carta para outros, por meio da internet. Que eles reflitam, concordem ou corrijam se eu estiver errado.
Com esta liberdade aceitarei a sugestão da presidente eleita: vou usar o controle remoto e trocar de canal.
Cordialmente,
Carlos Torres Moura
Aposentado, 62 anos
Além Paraíba-MG
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