sábado, 5 de fevereiro de 2011

A cobertura do encontro Clinton-FHC

Clinton sacode FHC

Por Fábio Lúcio

Cabe perguntar: por que esse vídeo de FHC levando puxão de orelha de Clintos é uma novidade? Por que um vídeo de 1999 desperta interesse pelo inusitado que ninguém tinha notado? Onde estava a mídia que não viu isso? Bem, aparentemente, estava embevecida por FHC, e cotejar com o que foi publicado na época é muito instrutivo.

Vejamos a cobertura que Veja fez do evento, na edição de 1º de dezembro de 1999, página 57. A matéria tem o título Em busca do atalho, e a seguinte linha fina: "Fernando Henrique discute com líderes de países sobre como unir crescimento e políticas sociais". E termina assim:

"Em meio a essas discussões algo previsíveis, Fernando Henrique pôde tirar vantagem de seu papel de estranho no ninho e pôs o dedo numa ferida. O presidente brasileiro expôs com franqueza os riscos que as reformas nos países em desenvolvimento correm com o fluxo descontrolado dos capitais financeiros, e sugeriu a criação de mecanismos de controle. Embora mal recebida de imediato por Blair e Clinton, a idéia foi uma das que persistiram depois do fim do encontro. Schroeder e Jospin a retomaram nos dias seguintes. Para deixar claro que a conversa iniciada em Florença continuará a render frutos, Schroeder propôs uma nova reunião, ainda sem data marcada"

A Folha de S. Paulo também parece não ter percebido a bronca de Clintos, pelo que se percebe da reportagem que publicou sobre a cúpula:

CÚPULA EM FLORENÇA
Em resposta a presidente brasileiro, Clinton diz que "políticas domésticas são importantes"
FHC pede regras para controlar capitais CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
enviado especial a Florença

Diante dos líderes de cinco dos sete países mais ricos do mundo, o presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem em Florença mudanças na composição dos organismos internacionais para "alargar sua base de legitimidade" e a imposição de regras sobre o mercado de capitais para a prevenção de crises.
Seu apelo, que dominou os debates da parte da manhã da conferência sobre o "o modo progressista de governar", recebeu respostas indiretas educadas, mas frias do norte-americano Bill Clinton e do britânico Tony Blair.
Apesar de ter dito que "concorda integralmente" com FHC sobre a "inadequada" resposta do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (Bird) às crises financeiras dos anos 90, Clinton repetiu que "políticas domésticas são importantes".
Citou o Chile e a Malásia como exemplos de países que impuseram restrições à entrada de capitais e não os perderam porque os investidores confiam na integridade de suas instituições.
"Ninguém tira dinheiro de um lugar onde pode fazer dinheiro", afirmou Clinton, durante quatro horas de debates com FHC, Blair, Gerhard Schroeder (da Alemanha), Lionel Jospin (da França) e Massimo D'Alemo (da Itália).
Blair também iniciou sua reação ao pedido de FHC com uma nota simpática: "Ninguém pode deixar de se comover com o que Fernando Henrique nos contou" (os problemas que o Brasil enfrentou por causa das crises do México, da Ásia e da Rússia).
Mas, depois, alertou: embora reformas sejam necessárias, não se deve bloquear nem rejeitar a globalização da economia porque é ela que garante o aporte de recursos que podem resolver problemas de países como o Brasil.
Na sua primeira intervenção, FHC disse que esses problemas, ao contrário dos das nações dos colegas, são de três séculos: o 19 (acesso à terra), o 20 (universalização do ensino) e o 21 (universalização do acesso à Internet).
Dada a ausência de capitais disponíveis, argumentou, o governo se vê diariamente diante de "escolhas de Sofia" (referência ao filme de Alan Pakula, baseado em romance de William Styron, em que a personagem é obrigada a escolher qual dos filhos vai salvar de um campo de concentração).
"Manter o Orçamento equilibrado ou dar mais educação, previdência, saúde? É preciso bom senso para manter a austeridade sem destruir o tecido social."
Na sua segunda fala, FHC se concentrou na defesa das reformas das instituições financeiras multilaterais. "O Brasil, que nada tem a ver com a Rússia, tinha tudo sob controle, menos as expectativas do mercado", afirmou, ao relatar as "consequências devastadoras" da crise russa de 1998, "no meio da campanha pela minha reeleição", disse.
"Se a eleição tivesse sido alguns meses depois, talvez não a tivesse vencido", reconheceu ele.
Mas, declarou FHC, o país conseguiu sair pela terceira vez em quatro anos de uma crise deflagrada a partir do exterior e ao custo de "perdas sociais imensas. Mas até quando? E se ocorrer outra crise, na Cochincina (antiga colônia francesa, no sul do atual Vietnã), que até já acabou?".
Mais tarde, ao avaliar a reunião com jornalistas brasileiros no lobby do Grande Hotel, onde se hospedou, FHC disse que não entendeu as intervenções de Clinton e Blair como resposta à sua posição, mas como complementação.
Também disse concordar com Clinton sobre a importância das políticas nacionais. "Nada vai substituir a confiança dos mercados nos países. Não estou me rebelando contra isso. Boa parte dos problemas nacionais, inclusive no Brasil, deriva de decisões domésticas, afirmou FHC depois.
No entanto, disse que vai manter o Brasil na defesa de mudanças nas instituições internacionais, inclusive o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU): "Todos esses organismos são deficientes em representatividade. Decisões que eles tomam, de um ângulo unilateral, carecem de legitimidade", declarou FHC aos colegas.
FHC deixa a Itália hoje às 11h (8h em Brasília), da base aérea de Pisa, com chegada prevista para 20h, após escala em Natal.

Ou seja. Eis aí os malefícios de uma mídia engajada. A notícias demorou doze anos para chegar.

Blog do Luis Nassif

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