O contraste de opiniões marcou o debate entre Lula e o presidente do Senegal, Abdoulaye Wade
O principal debate do Fórum Social Mundial nesta segunda-feira (7) reuniu o presidente do Senegal, Abdulaye Wade, assumidamente liberal, e o ex-presidente Lula, na sua primeira atividade pública após deixar o Planalto. Lula criticou o Consenso de Washington, a ONU e a direita estadunidense e européia; pautou a luta por “uma África justa” e valorizou os protestos no Oriente Médio. Ao final, pelo contraste de sua fala com a de Wade, o público o reivindicou como um símbolo do próprio Fórum.
O ex-presidente Lula falou antes do chefe de Estado senegalês. Com discurso bastante firme, Lula declarou que é cada vez mais forte a consciência de que fracassou o chamado Consenso de Washington e a sua agenda neoliberal: “quem, com arrogância, nos dava lições, não foi capaz de evitar a crise nos seus próprios países. Felizmente não vigoram mais as teses do Estado mínimo, sem presença reguladora. O mercado já não é mais a panacéia”, disse Lula, sendo aplaudido ao completar que não faz sentido que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial imponham ajustes que inviabilizem políticas públicas em países pobres.
Contrapondo as respostas conservadoras à crise do capitalismo, Lula argumentou que não se pode, entretanto, trocar o neoliberalismo pelo “nacionalismo atrasado, opção da direita americana e europeia, culpando o imigrante pela corrosão social”.
O G-20 e a fome
No âmbito das organizações internacionais, Lula disse que o G20 não tem sensibilidade para o problema da fome e para outras questões que deveriam ser prioridades no mundo. Fez, ainda, contundente crítica ao papel da organização das Nações Unidas (ONU) ao afirmar que os países ricos sempre trataram a periferia do mundo como problemática e perigosa: “a governança mundial está enfraquecida. O mundo está mal representado. Não tem ninguém pra resolver conflitos. A ONU poderia resolver, se fosse representativa”.
As revoltas no Oriente Médio
Em apenas dez anos os “dogmas liberais se quebraram”, avaliou Lula. E completou: “na América do Sul, mas principalmente nas ruas de Túnis, Cairo e outras tantas cidades africanas, renasce a esperança de um novo mundo”, sustentou.
Ainda acerca das revoltas e disputas políticas no Oriente Médio, Lula apoiou a causa palestina: “é fundamental a criação do Estado Palestino que tenha condições de se desenvolver e que conviva em paz com Israel”. Longe do estigma do “Lulinha paz e amor”, aproveitou o espaço para denunciar os interesses por trás dos conflitos: “criou-se uma mentalidade colonizada no Brasil de que o Oriente Médio é problema dos Estados Unidos, que não sei quem é problema da Rússia. Não tem dono do problema. E a solução pode ter vários. Por que ficam os Estados Unidos tentando resolver a paz se, provavelmente, foram eles os causadores da discórdia? Só quem quer a paz no Oriente Médio são o povo de Israel e o povo palestino. Os criadores do problema estão felizes do jeito que está”.
Lula falou bastante sobre o continente sede do FSM, pautando a responsabilidade das organizações presentes a respeito dos seus problemas: “penso que o Fórum deveria tomar uma decisão: não é possível que o mundo rico não assuma um compromisso com o continente africano, exatamente no momento em que o preço dos alimentos sobe no mundo inteiro ", afirmou o ex-presidente. "É urgente incorporar à cidadania milhões de africanos pobres, o que será importante também na recuperação da economia mundial", completou. A saída, segundo ele, é produzir alimentos: "não há soberania efetiva sem segurança alimentar”, disse Lula.
O ex-presidente afirmou que leva ao Fórum a mensagem de quem governou o país com a segunda maior comunidade negra do mundo (80 milhões de pessoas), menor apenas que a da Nigéria. Repetiu o pedido de desculpas feito quando da primeira visita ao Senegal, em 2005, por causa do processo de escravidão ocorrido no Brasil até o fim do século 19 e acrescentou: “a melhor maneira que temos de fazer essa reparação não é só pedir perdão, mas lutar por uma África justa”.
Ao final, Lula provocou os presentes dizendo que não bastava ser militante só durante o FSM, mas que era preciso sê-lo durante os 365 dias do ano.
Abdoulaye Wade, o liberal
Na sequência, o presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, afirmou ter "profundos desacordos" com os participantes do fórum porque é "um liberal, partidário da economia de mercado, e isso diz tudo". Entretanto, afirmou, o Fórum Social é importante porque "o mundo espera pela ideia que o salvará do caos".
Lula, símbolo do FSM
A melhor expressão do contraste representado pela opinião presidente do país anfitrião com o próprio processo do Fórum talvez seja a descrição de um momento do debate feita pelo editor da Revista Fórum, Renato Rovai:
“Um pouco antes de terminar, Abdulaye Waded decidiu fazer uma pergunta à platéia, até de forma deselegante, dizendo que achava que nesses 10 ano o FSM não tinha conseguido nada de concreto e se tinha o que era?
Teve de ouviu um grito em uníssono de Lula, Lula, Lula que ecoou por uns 3 minutos na sala. Lula estava no 1º FSM, em 2001, antes de ser eleito presidente da República. E veio ao FSM de Dacar para fazer a seu primeiro discurso político público após deixar a presidência.
A provocação de Abdulaye Wade serviu para muitos altermundistas reivindicarem o ex-presidente Lula também como um símbolo internacional deste processo”.
O Fórum permanece como um espaço não apenas de debate, mas de disputa de ideias e de rumos. Para tanto, as organizações mais consequentes utilizam seu espaço para articular agendas políticas unificadas e de caráter contra-hegemônico, especialmente durante a Assembleia Munidal dos Movimentos Sociais que ocorre na quinta-feira (10). Que o Fórum Social Mundial 2011, na África, seja capaz de inspirar novas Tunísias e novos Egitos.
clique aqui para ouvir o discurso do Lula
Portal Vermelho
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