quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A tempestade no horizonte

Como “el Itamaraty no improvisa”, de acordo com a observação de alguns de nossos vizinhos, o Ministério se mantém permanentemente atualizado, e pode comparar as informações do horizonte mundial de hoje. O Ministério vem buscando discutir com intelectuais brasileiros e estrangeiros a meteorologia política em torno do horizonte planetário.

Mauro Santayana

Planejar a própria vida é um exercício penoso, e por isso muitos preferem vivê-la sem essa preocupação. Planejar a vida das nações é tarefa muito mais exaustiva. Os estados costumam criar instituições com esse propósito, mas quase sempre elas se engessam na burocracia, com poucos resultados efetivos. As instituições privadas a isso dedicadas costumam suprir essa falha, mas nem sempre: como muitas delas não têm compromissos com o povo, servem mais aos que as contratam do que às nações.

Entre as instituições do estado brasileiro, o Itamaraty talvez seja a mais preparada para a tarefa de pensar o país, a partir das relações internacionais, porque dispõe de memória confiável. Todos os processos históricos partem de comparações, na busca de exemplos e no abandono de experiências frustradas. Em razão disso, a diplomacia não se faz sem história – história contemporânea e história antiga. Quando a Sereníssima República de Veneza decidiu manter embaixadas permanentes em alguns países estrangeiros, havia, além da natural preocupação em conhecer o poder e a fragilidade dos povos e seus governantes, o interesse de registrar seus êxitos, a fim de emulá-los, e de seus malogros, para evitá-los, além, de, naturalmente, aferir a conveniência ou não de certas alianças políticas.

Ao contrário de alguns estereótipos, o Itamaraty é uma instituição relativamente aberta. Sujeita, como todas as instituições de Estado, em todos os países do mundo e em todos os tempos, às contradições ideológicas e às diferenças de caráter de seus integrantes, a massa de gravidade do Itamaraty tem correspondido, em cada etapa da vida brasileira, ao pensamento predominante da época, ao sentimento de preservação da identidade nacional e da autonomia de nossas decisões.

Em certos tempos, a Chancelaria optou por seguir a liderança de algumas nações, como ocorreu, de forma notável, com Rio Branco e seu alinhamento a Washington, convencida de que fazia o melhor; em outras, buscou, habilmente, suprir a relativa fragilidade militar do país pelas negociações hábeis, na defesa dos interesses permanentes da Nação. Também nesse aspecto Rio Branco foi exemplar, sobretudo na Questão do Acre.

Nisso, os diplomatas e os militares têm, em comum, a História como conselheira, da mesma forma que os assistem a necessária consciência de que as nações devem aspirar à grandeza, para que não se encolham, e devem ter a vocação de se projetar na Eternidade, para que não soçobrem nas turbulências das trágicas disputas internacionais.

Como “el Itamaraty no improvisa”, de acordo com a observação de alguns de nossos vizinhos, o Ministério se mantém permanentemente atualizado, e pode comparar as informações do horizonte mundial de hoje. Sendo assim – e principalmente a partir do governo do presidente Lula – o Ministério vem buscando discutir com intelectuais brasileiros, e em alguns casos com pensadores estrangeiros, sobretudo latino-americanos, a meteorologia política em torno do horizonte planetário. Foi assim que quarta e quinta-feira desta semana, a Fundação Alexandre de Gusmão, que, sob a presidência do Embaixador Jerônimo Moscardo, até recentemente, e agora presidida pelo Embaixador Gilberto Sabóia, se tem dedicado a pensar o Brasil, promoveu, quarta e quinta-feira passadas, um encontro de acadêmicos sob o tema das “Relações internacionais em tempo de crise política e econômica”.

Os convidados são professores de economia e de ciências políticas de algumas das principais universidades públicas brasileiras. A preocupação da Funag foi a de saber como a universidade – da qual depende o nosso futuro – vê a crise internacional e suas perspectivas. As conclusões surpreendem o observador alheio aos meios universitários, pelo conhecimento da realidade demonstrado pelos que ali falaram, e pela consciência - bem clara - de que somos chamados a defender, com intransigência, nossa autodeterminação e nossos recursos estratégicos.
Mas não se ausentaram as advertências de que corremos riscos. Deles só nos esquivaremos se formos capazes de, com firmeza, assegurar o pleno controle de nosso território e de seus recursos naturais, e de investir na educação, na ciência e na tecnologia, sem descurar as forças armadas, não por que temamos os nossos vizinhos, com os quais pretendemos nos integrar em bloco regional de segurança coletiva, mas pelo fato de que uma nação inerme é uma nação de soberania precária.

A grande imprensa, e não sabemos bem as suas razões, tem menosprezado as atividades permanentes do Itamaraty, só lhe dedicando atenção em grandes encontros internacionais, de que participam chefes de estado. É um erro: neste recente encontro da Fundação Alexandre de Gusmão não havia repórteres conhecidos. Mas estava ali, atento, tomando suas notas, o jornalista chinês Xingfu Zhu, do Xangai Wenhui.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

Carta Maior


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