15 de março de 2015 | 09:24 Autor: Fernando Brito
Revelo, hoje, um segredo meu, porque nele há um sonho e uma preocupação com meu país, tão dividido e intolerante pelos ódios que se formaram, de uns anos para cá e que parecem ter chegado ao paroxismo.
38 anos atrás, ainda uns guris – na maioria, porque havia mais velhos – 40 jovens se encontraram numa sala da Escola de Comunicação da UFRJ, um prédio antigo na Praia Vermelha, de pé-direito enorme e um pequeno jardim, com uma fonte no meio, num prédio que D. Pedro II, talvez por antevisão, havia usado como sanatório para loucos.
Éramos diferentes, nunca agimos ou pensamos todos igualzinho, ainda mais que naqueles tempos roupas e cabelos eram tudo, menos padronizados.
Com um mês de aulas, fomos surpreendidos pelo “Pacote de Abril”, ao ato de Geisel que fez o que muitos que não conheceram aquela época inconscientemente pede: fechou-se o Congresso.
Participando ou não do chamado “movimento estudantil” , naquele microcosmo de uma turma de faculdade, todos nos amamos e amamos nossa juventude.
Não havia, óbvio, internet, mas demos um jeito.
Fizemos na sala um mural onde – genial – a turma se dividiu em dois partidos jocosos. O MAU – Movimento Anarquista Universitário – e o BEM, genial criação de meu bom amigo Álvaro, precoce e dramaticamente morto, que vinha a ser o “Bloco de Extermínio ao MAU”.
Ali, aprendemos a escrever,redigindo manifestos, poesias, delírios e asneiras, sem a menor preocupação de sermos “politicamente corretos”.
Como é natural, algum tempo depois nos separamos: havia o trabalho, as crianças vieram, com elas as fraldas a trocar – não era essa moleza de descartáveis, naquele tempo – e a busca pelo que seríamos. Procura, muitas vezes, distante, porque, pelo trabalho ou pela necessidade ou pela origem, espalhamo-nos do Uruguai à Alemanha.
Então, veio a internet, ainda sem feicibuquis e tuíteres, eram simples e-mails em uma “lista”.
Há uns 15, 16 anos, servimo-nos dela para nos reunirmos, não naquela “festa” anual – nada contra, as fazemos também – mas no dia-a-dia, com as possibilidades de cada um.
Um de nós – o mais discreto, o mais gaiato e o melhor texto entre nós, ainda que nunca tenha sido jornalista profissional – tomou a frente e foi juntando a “boiada”.
Nada fácil, a princípio, porque, como disse, não havia esta interação universal das redes.
Embora a procura fosse difícil e incluísse até o além: um de nós só foi localizado porque, com artes de jornalismo e espionagem, localizamos sua mãe, que nos contou de sua morte. Quando nos encontramos, ela fez questão de nos levar a última garrafa de uísque que ele abrira para ser tomada com os amigos de quem sempre falava, com consequências que me dispenso de detalhar, porque descambam para o espiritismo.
Robertão, com seu sobrenome aristocrático, seu Puma (um must, na época), suas botafoguenses incursões no Morro do Salgueiro…
Nunca mais cometemos o erro de nos afastarmos e volta e meia fazemos nossos encontros, bem difíceis de compreender para os que não sejam psicanalistas ou generosos.
Num deles, em minha casa, meu filho então adolescente me puxou num canto e, falando do fundador da lista, falou-me: pai, esse cara não pode ser diretor de multinacional. Era…
Depois, pediu licença para nos escrever dizendo que tinha sido muito legal perceber que seu pai “já tinha sido jovem”, porque já era “velho” quando ele nasceu…
O exercício da leveza, da delicadeza, da diferença, entre nós, nunca foi um sacrifício, é um prazer.
Quase todos os dias nos falamos, comentamos e compartilhamos coisas, agora no Facebook, num grupo “secreto” de 33 “membros e membranas” como gaiatamente nos definimos , que nem pode ser achado em pesquisas.
É nosso, só nosso, com apenas duas exceções para integrantes da “turma inferior”, gozação que fazemos sobre os colegas que entraram no segundo semestre.
Quanto mais envelhecemos e mais entendemos o “sic transit gloria mundi”, mais nos aproximamos.
Planeja-se até, para quando chegar a senilidade, um “asilo” em comum, estranho e delicioso retorno ao ex-sanatório onde a juventude nos reuniu.
Há gente de direita, de esquerda, gente que votou na Dilma e votou no Aécio. Gente que acredita no capitalismo e gente que segue socialista. Algumas vezes, por coincidências terríveis, alguns de nós nos vimos metidos em situações que nos opuseram fortemente.
Mas não há e nunca houve selvageria, ódio, intolerância.
Podemos odiar o preconceito, a injustiça, a maldade, as idéias.
Não às pessoas. As pessoas devem ser amadas, sejam como forem.
É perfeitamente possível sermos diferentes e sermos uma comunidade.
É possível praticar a democracia, que parece ser algo que estamos desdenhando.
Por isso, hoje, divido publicamente esta minha experiência e, com toda a sinceridade, uma das melhores coisas de minha vida.
Nestes dias de intolerância, que bom poder sentir e viver a fraternidade, ao menos na grandeza simples da nossa miniatura de país.
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