sábado, 4 de julho de 2015

Poder haver justiça com regras de processo “diferenciadas”? Uma aula de direito para juízes

5 de julho de 2015 | 00:37 Autor: Fernando Brito



No site Conjur, o professor Alexandre Morais da Rosa, também ele Juiz , publica um excelente artigo para quem estuda – por profissão ou prazer – Direito. Diz ele que não se pode mais ensinar Processo Penal como até hoje se fez, porque, depois da Lava Jato, conduzida por Sérgio Moro e de decisões do Supremo, agora e nos tempos do “mensalão”, o processo penal não tem mais uma regra consagrada no pensamento jurídico, mas outros rumos, mais sujeitos ao arbítrio das escolhas que se faz.


“Delação premiada homologada pelo STF, prisão para delação, na mais lídima aplicação do Dilema do Prisioneiro no Processo Penal (veja aquium vídeo da Unicamp sobre o que é este problema lógico), leniência extintiva de responsabilidade penal e negociação do objeto e pena da ação penal, no mínimo, transformaram os pilares daquilo que ensinamos como “ação penal”.

Morais da Rosa não toma, neste artigo, nenhuma defesa ou ataque a esta mudança, mas a constata como uma diferença irreconciliável entre o que temos do Direito que sempre praticamos e o que está se fazendo agora.

E lista uma série de perguntas que marcam a dualidade processual que toma conta de “casos selecionados” no Brasil, de forma extremamente didática:

a) a ação penal é mesmo indisponível depois da delação premiada ou podemos simplesmente dizer que é uma exceção?

b) O juiz pode produzir prova, tendo papel de protagonista, inclusive na negociação do acordo? Existe algum resto de imparcialidade? Quais as funções reais do juiz?

c) A oralidade e o cross-examination ( nota do Tijolaço: o direito da parte contrária de inquirir testemunha-acusador) foi (mesmo) adotada pelo 212 do CPP diante do deslocamento (matreiro) da questão para ausência de prejuízo?

d) Como compatibilizar a chamada de corréu e a confissão depois da validade da delação premiada? Qual o lugar e estatuto das declarações do delator?

e) As normas de processo penal são mesmo irrenunciáveis ou podemos falar em direitos processuais como privilégios renunciáveis pelo acusado? Em que hipóteses?

f) Como fica a conexão probatória nas cisões arbitrárias entre acusados em face do foro privilegiado? Os acusados que foram cindidos podem se habilitar para formular perguntas aos do foro privilegiado? Podem ser arrolados como informantes os acusados cindidos?

g) qual o regime da interceptação telefônica diante da volatilidade dos prazos, regras e do Ministério Público poder executar o ato? Há garantia dos dados brutos? Quem fiscaliza as possíveis interceptações frias?

h) a prisão é processual ou não é mecanismo para aplicação do dilema do prisioneiro ao Processo Penal brasileiro? Qual o papel da mídia nos vazamentos taticamente fomentados?

i) qual o limite de negociação que o Ministério Público possui nos acordos de delação? Pode negociar a imputação, perdoar crimes, fixar teto de pena por todas as condutas? Pode fixar taxa de êxito na repatriação de recursos e lavar dinheiro sujo? (se o dinheiro repatriado não tinha origem, ao se dar a comissão ao delator, não se estaria lavando dinheiro sujo, via delação?) O Juiz pode não homologar o acordo de delação, a partir de quais critérios? E, caso rejeitada, as informações já prestadas serão desconsideradas? Como?

j) se os indiciados devem ter acesso ao que já está produzido contra eles, na linha da Súmula Vinculante 14 (“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”)? Qual o estatuto de sigilo da delação?

É uma brincadeira falar-se em “segurança jurídica” diante de tantas e tão graves dúvidas sobre o regramento do processo.

O Dr. Morais da Rosa diz que os que lecionam o Direito não podem “mais fingir, nem fugir” desta dualidade contraditória.

Com a sua devida licença, não é só ensinar, não se pode processar e julgar diante dela em sem ferir o princípio de que, como a lei, o devido processo legal é só um, e erga omnes, para todos.


Tijolaço

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