28 setembro 2015 Lia Bianchini
Por Lia Bianchini, repórter especial do Cafezinho
Nos noticiários e na boca do povo, o assunto do momento é o preço do dólar no Brasil. Se, há poucos anos, a moeda norte-americana brilhava aos olhos brasileiros com preços que giravam em torno de R$2, atualmente, seu valor causa espanto: no último dia 23, o dólar comercial chegou a R$ 4,14, a maior cotação desde a criação do Plano Real, em 1994.
Ainda que os números sejam assustadores, há uma lógica por trás deles. Segundo o economista Richard Rytenband, a elevação do preço do dólar deve-se a uma política cambial do governo. “Crise cambial é quando o país está sem reservas internacionais, está vulnerável e sob ataque especulativo, além de ter uma saída de capitais. Se a gente pegar 2002 (de abril a outubro), quando teve uma grande desvalorização cambial, houve saída de US$10 bilhões do país. Agora, de setembro de 2014 até os dias de hoje, a gente teve uma entrada de recursos, ou seja, entraram dólares. Então, o dólar não está subindo porque está havendo uma fuga de capitais, o dólar está subindo porque faz parte da política econômica”, afirma.
O ano de 2002 é usado como comparativo porque foi o maior pico já contabilizado, se descontadas as inflações brasileira e norte-americana no valor do dólar. Naquele ano, o dólar chegou a R$ 4, o que equivaleria, atualmente, a R$ 6,50. A cotação atual do dólar, segundo Rytenband, está próxima a de 1999, quando o câmbio passou a ser flutuante.
O economista explica, ainda, que o valor atual do dólar é um reflexo da política que o Banco Central brasileiro vinha tomando de represar o câmbio em um patamar artificial, mantendo-o apreciado, com o objetivo de conter a inflação. Essa política pôde ser sentida pela população, à época, através do aumento do poder aquisitivo, que facilitou as viagens ao exterior e a compra de produtos importados.
No entanto, ainda que fizesse bem aos sonhos de consumo de alguns brasileiros, tais medidas econômicas tornavam o Brasil mais vulnerável externamente e dependente da moeda norte-americana, fatores que determinaram a necessidade de se fazer um ajuste externo, que reflete-se, hoje, justamente nas viagens e nos produtos importados.
“Se parasse de entrar capitais, de onde o Brasil iria tirar dólares? Das reservas internacionais. Em 2002, as reservas internacionais eram de US$ 35 bilhões, contando com o dinheiro do FMI; agora, a gente tem US$ 370 bilhões de reserva, dez vezes mais poder de fogo. Então, é mais um argumento mostrando como faz parte de uma política cambial. Mas porque fazer isso? Para fazer o chamado ajuste externo, que é fazer com que o país não precise tanto de dólares. E como fizeram isso? Com redução do gasto de turismo no exterior, queda brusca nas importações e com a diminuição da remessa de lucros de empresas estrangeiras às matrizes.”, explica Rytenband.
Porém, apesar da lógica, as medidas alertam para questões mais graves relacionadas à economia brasileira. Para o economista do BNDES e professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Marcos Fernandes Machado, outro grave fator para o aumento do dólar é a perda de expectativas dos investidores em relação ao país. “O problema maior está nas expectativas que se deterioraram muito nos últimos meses, especialmente com relação à desconfiança quanto a capacidade do governo em controlar seus gastos e mesmo sua capacidade de administrar a economia e, consequentemente, impedir que o déficit público cresça de forma descontrolada. Esses fatores levaram, por exemplo, à perda do grau de investimento do Brasil por uma agência de risco (Standard and Poor's), e esse rebaixamento pode ter continuidade” diz Machado.
Segundo o professor, o governo deveria ter tomado medidas preventivas que impedissem o crescimento da dívida pública, ao invés de deixar que os gastos públicos acelerassem. “O problema crucial é como voltar a controlar as finanças públicas. Sem isso, o risco-Brasil vai aumentar cada vez mais, e se isso acontecer o dólar vai se manter nas alturas, aumentando a inflação e a recessão”, afirma.
O dólar no dia-a-dia da população brasileira
Quando o assunto é economia, a teoria influencia diretamente na prática. E os brasileiros devem começar a sentir os efeitos da alta do dólar em seu cotidiano nos próximos meses.
A tendência é de que haja aumento na inflação e diminuição no poder de compra. Além disso, produtos importados e até mesmo alguns produzidos no Brasil devem ter seus preços elevados.
São exemplos disso o pão e o macarrão, cuja matéria prima, o trigo, vem, majoritariamente, exportada de Estados Unidos, Canadá, Rússia e Argentina. Outros exemplos que também deverão sofrer aumento de preço são soja, carne, café, açúcar e milho, que, apesar de serem produzidos no Brasil, estão atrelados ao dólar pelo ganho do produtor com exportação. Logo, quando destinados ao mercado interno, tais produtos devem compensar o lucro que trariam aos produtores caso fossem exportados.
Produtos de higiene e beleza, como desodorantes, cremes e maquiagem que possuem componentes químicos importados também têm previsão de aumento de preços.
Para Maria Beatriz de Albuquerque, doutora em crescimento e desenvolvimento econômico, o atual cenário já era previsto. “A queda do preço das commodities iria ocorrer cedo ou tarde. O país não aproveitou o período de bonança, que foi atipicamente longo para realizar os investimentos necessários e melhorar sua competitividade. O efeito positivo imediato é tornar o preço dos produtos nacionais mais baratos, mas não é de fato um ganho de competitividade duradouro, não está relacionado ao aumento da eficiência e da produtividade”, explica.
A economista analisa, ainda, que há riscos de que a moeda norte-americana permaneça elevada. “Se não houver melhora das expectativas [de investimento no Brasil] e se, além disso, os juros subirem nos Estados Unidos, o dólar tenderá a permanecer elevado, pois a subida dos juros nos Estados Unidos reduziria a entrada de capitais no Brasil”, diz.
Porém, segundo o economista Richard Rytenband, a política cambial deve surtir efeitos positivos, mesmo em um cenário de aumento de juros nos Estados Unidos. “Essa é a mecânica do ajuste externo. Tem prós e contras, mas é muito pior ter uma crise externa e ficar vulnerável. Para o ano que vem, até mesmo em um cenário de aumento da taxa de juros norte-americana, o Brasil acabou com a vulnerabilidade externa, então isso foi resolvido. Mas com um custo. Economia é isso: você não consegue agradar a todos nem prejudicar a todos. A escolha que a equipe econômica fez foi do ajuste externo o mais rápido possível. Agora falta o outro, que é o ajuste interno, das contas públicas”, diz Rytenband.
O Cafezinho
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