POR FERNANDO BRITO · 25/09/2015
Hoje, na coluna Painel, da Folha, de novo Sérgio Moro se compara a Giovani Falcone, um dos juízes da Operação Mãos Limpas.
No debate com empresários do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), nesta quinta, o juiz Sergio Moro foi questionado por João Doria Jr, que dirige o grupo:
–Com tantas pressões, o senhor está preparado para resistir até o fim das investigações da Lava Jato?
–Quando estou em um momento de grande dificuldade, lembro do juiz Giovanni Falcone.
O juiz italiano que conduziu os processos contra a máfia acabou sendo assassinado em 1992.
–O buraco em que ele se encontrava era muito mais fundo do que o meu. Então, sigo em frente –concluiu Moro, para aplausos dos convidados.
É a enésima vez, e já há muitos anos segue ele neste caminho, que Moro se encarna nos juízes italianos que provocaram um terremoto naquele país, do qual emergiu, como produto da “moralidade”, a figura triunfal de Sílvio Berlusconi, seu autoritarismo, suas orgias e seu poder “afacistado”.
Deixo de lado a óbvia prudência que mandaria um juiz equilibrado, nas circunstâncias em que está Moro, de abster-se de um convescote numa platéia de grandes empresários – onde talvez estivessem os que ele prendeu em Curitiba, não o tivesse feito – regidos por um candidato declarado e lançado à prefeitura da maior cidade brasileira. Moro se atrai pelas luzes feéricas, alimento essencial para os que sofrem desta “mania heroica” que acomete o juiz do Paraná.
Porque o desejo de ser admirado como um ser único, especial, uma rara emanação divina faz isso com as pessoas. É ruim para qualquer ambiente. É tentador quando se é juiz. É perigosíssimo quando se é um juiz em casos de notórios e imensos interesses políticos e econômicos que dependem de suas decisões.
Desde o início desta operação – e a presença “casual” de um réu e delator sob seu poder há quase duas décadas, Alberto Youssef, faz com que se tenha o direito de situar este início em marco muito, muito distante – Moro age de forma a ser o único a controlar as investigações, as informações e os destinos dos acusados (ou daqueles que, claro, adiante conseguirá acusar).
A tal ponto que o mais feroz rottweiller da matilha conservadora, Reinaldo Azevedo, o repreende: “Mais de uma vez, vimos o juiz Sergio Moro parar um depoimento para que a pessoa ouvida não citasse um político com mandato, o que o obrigaria a mandar o caso para o STF. Para manter a investigação sob sua jurisdição, orientava o depoente a não citar nomes de políticos.”
Como não hesitou em praticar todo o tipo de exagero, para colher do simbolismo de sua dureza o reconhecimento geral de que era “um juiz diferente”, não destes que são prudentes e interpretam a lei com cautela para que de sua própria interpretação não lhe venham violações e injustiças eventuais. E não apenas o prazer, mas o alimento essencial do herói: a vaidade.
Não resisto a transcrever o texto – certamente não escrito pensando em seu caso – de Inês Bastos, voltado para questões psicanalíticas:
O herói extrai alegria da tristeza do outro, ele se sente bem se provar que o outro é mau. O herói, deste modo, peca por excesso, sente-se o único responsável pelo que está ocorrendo à sua volta e, por isso, assume mais do que pode cumprir. Ele se insurge contra a realidade e vai além do que lhe é possível. Se na postura de vítima nos negamos, na postura de herói nós negamos o outro, sentimo-nos o único sujeito da relação humana e consideramos as outras pessoas como objetos.
O herói se coloca em nível superior ao das outras pessoas, escondendo um profundo sentimento de inferioridade. É o todo poderoso, o que sabe tudo, o que sempre tem razão, o imbatível, o melhor. É aquele que perdeu a simplicidade de estar no mundo, é o que não sabe e não sabe que não sabe; daí, a sua dificuldade em aprender. Supõe saber tudo e perde com isso a capacidade de perguntar, a capacidade espontânea de fazer perguntas, de perguntar o que não sabe.
Em contrapartida, seu comportamento é sempre o de ensinar, de julgar, de analisar e de orientar os outros. É o dono da verdade. Por isso, nunca diz: “Eu não sei”. Nunca pede ajuda. Ele se julga como padrão dos outros e se relaciona com o mundo através de uma avassaladora programação de dogmas, de verdades feitas, porque as pessoas serão boas, honestas, verdadeiras, inteligentes,[somente] se coincidirem com o seu modo de pensar, de sentir e de agir.
O Dr. Moro está diante de um dilema.
Ouviu-se, de maneira muito clara, a voz do Supremo Tribunal Federal, por maioria muito ampla e, certamente, ciente o que seu pronunciamento representou e representa, inclusive da repercussão em frustrações e gemidos da República do Paraná.
Pode reavaliar se quer participar, como um dos protagonistas, de um processo de estabelecimento de novas situações de moralidade pública de que o Brasil precisa, mas dentro de um quadro de normalidade, sem qual a moral é uma fúria insana.
Ou pode ceder à fúria da vaidade ofendida, da divindade falha, da obsessão frustrada, do herói contestado Do homem que perde uma guerra por não aceitar a derrota em uma batalha na qual se portou de forma insana.
Se o Dr. Moro soubesse olhar, veria que, na história judicial brasileira, há um recentíssimo exemplo do esquecimento que se reserva aos que aspiraram ser heróis assim.
Joaquim Barbosa, reduzido a jurista de Twitter, tão apagado agora quanto brilhante quando tinha serventia aos deuses.
Tijolaço
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