Postado em 04 Jul 2016
por : Paulo Nogueira
A vida não é justa
Nada mostra tão dramaticamente bem a qualidade da Justiça brasileira quanto os casos comparados de Eduardo Cunha e José Dirceu.
Eduardo Cunha janta nos melhores restaurantes e é recebido pelo interino num palácio enquanto Dirceu apodrece na cadeia.
E no entanto olhe para a biografia de ambos.
Cunha é a mais espetacular vocação de corrupto que já apareceu na política brasileira. As histórias que os delatores contam dele impressionam mesmo pelo padrão nacional de roubalheira.
Nestes dias, soubemos que um operador de Cunha ameaçou incendiar a casa de um delator com os filhos dentro para que ele fechasse a boca.
Repito: incendiar a casa com os filhos dentro.
Onde estamos? Na Chicago dos anos 20?
Soubemos também que Cunha forçou um homem seu na Caixa a assinar uma carta de demissão com a qual o mantinha refém. Este homem informou que Cunha ficava com 80% do dinheiro achacado de empresas que faziam negociatas com a Caixa.
Repito: 80%.
As contas preliminares indicam que Cunha roubou assim 30 milhões de reais. Isso apenas na Caixa.
Tão empenhada em pedalinhos, a Polícia Federal parece absurdamente incapaz de localizar o dinheiro desviado por Cunha. Para isso também Moro, o sabe-tudo, não tem informação nenhuma.
Como Cunha roubou livremente durante décadas, a quanto chegará sua fortuna subterrânea hoje? Tudo que temos de concreto, neste terreno, derivou dos suíços, que mostraram documentos sobre as contas secretas milionárias de Cunha na Suíça.
Cunha é uma aberração porque a Justiça brasileira é uma aberração.
Informações recentes dão conta de que num culto evangélico em Brasília ele disse confiar na “justiça divina”.
Ora, ora, ora.
Se existe Deus, e se há qualquer coisa parecida com justiça divina, Cunha está simplesmente frito. Ele tem é que confiar, sim, na justiça dos homens que compõem o Judiciário nacional.
Sua liberdade é um insulto aos brasileiros. A posteridade cobrará das autoridades de hoje a pusilanimidade, a omissão e a injustiça com que um meliante desta natureza é tratado.
O que será dito do STF, por exemplo? Como os historiadores explicarão que o ministro Teori Zavascki esperou Cunha encerrar o processo de afastamento de Dilma na Câmara, com seus métodos imundos, para só então tomar alguma providência contra ele?
Caro Teori: a vingança da história é terrível. Seus netos e bisnetos não gostarão nem um pouco de saber de seu papel num episódio de tamanha importância na política nacional.
Às vezes me pergunto o que Cunha teria que fazer para ser preso. Matar a sogra? Abrir fogo contra os fieis de uma igreja? Roubar um banco?
Ele parece invulnerável.
É evidente que ele conhece muita coisa indecente sobre muita gente. Ele não roubou sozinho. Teve sempre cúmplices, como seu homem na Caixa.
Imagine o medo de seus comparsas se ele, desesperado, contar o que fez e com quem fez.
Seus sócios nas delinquências são reféns dele. Mas não é possível que todo o Brasil também seja.
Moro, por exemplo: veja o cuidado extremo com que ele cuida do caso da mulher de Cunha. A PF não conseguiu sequer intimá-la a dar esclarecimentos em duas tentativas.
Isso se chama medo. Covardia. Porque Cunha tem poder enorme de retaliação. Cunha sabe muito sobre muita gente poderosa.
E então somos obrigados a vê-lo na vida luxuosa de sempre, falando em justiça divina e outras barbaridades, uma monstruosidade que nos insulta e nos desmoraliza a todos como uma sociedade séria.
Enquanto isso, sob acusações infinitamente mais brandas do que as que pesam contra Cunha, e a maior parte delas sequer provadas, Dirceu vai morrendo na prisão.
A plutocracia forçou isso, e os líderes petistas jamais defenderam Dirceu como deveriam — um dos capítulos mais sombrios, mais repulsivos da história do PT.
Dirceu preso e Cunha solto: nada ilustra mais a ausência absoluta de Justiça no Brasil do que isso.
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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