01 de setembro de 2016 às 00h10
por Conceição Lemes*
Há duas semanas, durante as Olímpiadas no Rio de Janeiro, Mehdi Hasan, jornalista inglês da Al Jazeera, escancarou ao mundo toda a hipocrisia do golpe no Brasil.
Mehdi Hasan denunciou: dos 81 senadores que julgariam Dilma, 49 são investigados ou acusados por diversos crimes, dentre os quais corrupção, recebimento de propina e trabalho escravo.
Um dos algozes da presidenta é o médico ortopedista, líder ruralista e senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Ontem, depois que faltaram votos para cassar os direitos políticos de Dilma Rousseff no Senado, ele anunciou que vai ao Supremo Tribunal Federal contestar a decisão.
Curiosamente, a própria presidenta afastada não falou em recorrer.
O demo dará mesmo início a uma nova batalha judicial? A ver.
Nos últimos 50 dias, Caiado bateu recordes de baixaria, acusando, pelo menos, três vezes, o colega senador Lindbergh Farias (PT) de usar cocaína.
O primeiro ataque aconteceu em 13 de julho, véspera do recesso parlamentar.
O Senado debatia o reajuste salarial para diversas categorias do funcionalismo público.
Caiado votou contra.
Lindbergh contestou.
Caiado revidou, a partir de 5min15s do vídeo abaixo.
— Eu tenho sempre mantido o debate em alto nível. Eu sei me dirigir aos colegas com todo o respeito e não adjetivando-os (sic) de maneira a desqualificá-los, porque sou homem preparado para o debate.
Mas esse senador que me antecedeu, eu não me dirijo a ele como senador, mas como médico.
Sabe por que, presidente? Porque eu tenho notado ultimamente que ele está salivando muito, com as pupilas muito dilatadas. Ele deveria primeiro apresentar em que condições ele está aqui no plenário para poder, aqui, sim enfrentar um debate de conteúdo. É um cidadão que não tem condições mínimas para se colocar numa discussão…
Alguns senadores protestaram:
— Que é isso?! Que falta de respeito!
— Baixou o nível Caiado!
Lindbergh contra-atacou:
— Quem sabe do Caiado é o Demóstenes Torres.
O ex-paladino da ética e ex-senador Demóstenes Torres (DEM-GO) perdeu o mandato em 2012 por quebra do decoro parlamentar, devido às suas ligações com o banqueiro do bicho Carlinhos Cachoeira.
Em 31 de março de 2015, Demóstenes publicou, no Diário da Manhã, de Goiânia, artigo violentíssimo contra o ex-aliado, que ele chama de “Ronaldo Judas”: Ronaldo Caiado, uma voz à procura de um cérebro.
O Tijolaço reproduziu-o: Ronaldo Caiado pelo ex-paladino Demóstenes Torres: “Rouba, mente e trai”.
Caiado nega tudo.
Já as acusações a Lindbergh, o senador do DEM não tem como negar. Está tudo registrado em vídeo, áudio e matérias da mídia (aqui, por exemplo).
O segundo ataque ocorreu na quinta-feira passada (25/08), durante sessão de julgamento do impeachment de Dilma.
Ao discursar, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que os senadores não tinham moral para julgar a presidenta devido às diversas acusações que existem contra vários deles:
— Qual é a moral que vocês têm?
— Qual a moral que este Senado tem para julgar a presidenta Dilma?
Senadores pró-impeachment acusaram o golpe.
Caiado levantou-se e, em dedo em riste, citou indiretamente as acusações contra o ex-ministro Paulo Bernardo em relação a empréstimos consignados:
— Eu não sou ladrão de aposentado… Eu não sou ladrão de aposentado…
Gleisi respondeu:
— Você é de trabalhador escravo.
Lindbergh interveio, chamou Caiado de “canalha”, mencionando novamente o ex-aliado do senador do DEM:
— Demóstenes é que sabe da sua vida.
Caiado atacou Lindbergh:
— Tem que fazer antidoping. Fica aqui cheirando, não.
O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), pediu então “serenidade”.
Aécio normalmente senta-se do lado direito do plenário do Senado; Caiado, no esquerdo.
Nesse dia, após o violento entrevero, Aécio foi sentar-se ao lado de Caiado, como mostra esta sequência de fotos do jornalista Lula Marques (ver abaixo).
Na sexta-feira passada (26/08), o senador Ronaldo Caiado agrediu mais uma vez o senador Lindbergh Farias.
O som do vídeo é muito ruim, mas dá para se entender uma ou outra expressão, como “bandidozinho” e “comedor de bola”.
Um áudio captou também a nova investida do senador democrata contra o petista:Audio Player
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— …Cracolândia dentro do seu gabinete.
— Desqualificado é esse cidadão…Ficha corrida. Como se diz na bandidagem, tem uma capivara…Trinta processos nessa capivara.
— Bandido, bandido, bandido…Estou falando baseado no Código do Processo Penal.
–… Corrupto. Vou te processar.
— …Bandidozinho, comedor de bola. Cheirador. Vagabundinho… Lava Jato..seu canalha.
O Viomundo ouviu algumas pessoas no Senado para tentar entender a origem de tamanho ódio de Caiado a Lindbergh.
Eles sempre estiverem em campos políticos opostos, desde lá detrás.
Em 1992, então no PCdoB, Lindbergh presidia a União Nacional dos Estudantes (UNE), quando liderou o movimento dos caras-pintadas nas manifestações do “Fora Collor”.
Já Caiado presidiu de 1986 a 1989 a União Democrática Ruralista (UDR); em 1991, filiou-se ao PFL – atual DEM.
Aparentemente, a bronca agravou-se a partir do processo pelo impeachment da presidenta Dilma, já que Caiado sempre foi feroz adversário do PT.
Com grande capacidade intelectual, bem informado, articulado para falar, corajoso, o petista tornou-se um dos mais bravos defensores de Dilma.
“O Caiado odeia a gente e o Caiado encarnou no Lindbergh todo o ódio contra nós”, conjectura uma petista histórica.
— E por que Caiado continuou a fazer acusações a Lindbergh em relação ao uso de cocaína?
“Como Lindbergh não o processou na primeira acusação, Caiado avançou, ousou a segunda e a terceira vez”, opina outra petista.
Agora, Lindbergh já disse e repetiu: entrará com representação contra Caiado tanto no Conselho de Ética do Senado quanto na Justiça por calúnia.
Na quinta-feira passada, 25 de agosto, após a segunda acusação, Lindbergh postou no twitter: “Caiado mostrou-se um médico que emite diagnóstico falso pra caluniar seus adversários. Merece ter o registro cassado”.
Caiado é médico ortopedista.
E para dar para veracidade à acusação de que Lindbergh usa cocaína, é “cheirador”, disse que falava como médico.
E como tal diz ter feito fez o seu diagnóstico.
Suponhamos que Lindbergh fosse mesmo usuário de cocaína. Caiado:
1) Não poderia como médico dar o seu diagnóstico sem examinar o paciente. Essa avaliação, além do exame físico e história clínica, deveria ser seguida de testes complementares.
2) E mesmo que Caiado tivesse examinado Lindbergh, ele NUNCA poderia tornar o seu diagnóstico público.
3) Eticamente, como médico, ele jamais poderia se expressar em público em relação a um usuário de cocaína aspirada ou de qualquer outra droga (lícita ou ilícita), seja o possível paciente seu inimigo ou aliado. Fere o Código de Ética.
4) Por outro lado, com base nos meus 38 anos de repórter na área de saúde, depois de conversar com especialistas em drogas, diria que o doutor Caiado anda mal de diagnóstico. Está precisando de uma reciclagem, pois não está conseguindo diferenciar usuário do não usuário.
Se Caiado tivesse de fazer o Revalida – aquela prova que ele quer que os cubanos façam para exercer Medicina no Brasil – e essa pergunta caísse, ele teria uma grande probabilidade de errar. Pelo menos, considerando o seu falso diagnóstico de Lindbergh.
A propósito. Em nenhum artigo científico sobre dependência de cocaína existe o sintoma de hipersalivação.
Agora, como o senador Lindbergh afirma não ser usuário, o que Caiado fez é criminoso.
Fere a ética médica e ainda calunia. Isso sem falar que fere também a ética e o decoro parlamentar.
Espero que a Comissão de Ética do Senado e o Conselho Regional de Medicina de Goiás tomem alguma atitude para conter os abusos e grosserias do doutor Caiado.
*É a mais premiada repórter da área de Saúde do Brasil
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