19 de Julho de 2017
Tereza Cruvinel
Há alguns anos, a cena seria impensável: Cristovam Buarque, um luminar da vida acadêmica que abriu caminho na política pela força e originalidade de suas ideias, sendo impedido por estudantes e professores de lançar um livro na Universidade Federal de Minas Gerais. Logo depois, seria apupado por outros jovens na entrada do Teatro da Cidade, que repetiam os gritos de “golpista” e “traidor da educação”. Exatamente por ter um passado “lustroso”, Cristovam é um dos parlamentares sobre quem mais pesa o estigma de ter traído suas origens e contribuído para a deposição da presidente eleita Dilma Rousseff. Votou a favor do impeachment embora consciente de que não havia ali crime de responsabilidade demonstrado. A marca de “golpista” ficará em sua biografia e o custo político daquela decisão acompanhará sua trajetória. Recentemente os eleitores de Brasília promoveram a sua “desvotação”, o que significa dizer que, se houvesse a instituição do recall ou do plebiscito revogatório no Brasil, ele poderia ser formalmente destituído do Senado pelos eleitores.
Inteligente, instigante, irrequieto, Cristovam foi um caso exemplar de intelectual bem sucedido na política. Saltou da vida acadêmica, depois de ter sido reitor da Universidade de Brasília, para o governo do Distrito Federal, eleito pelo PT, onde foi pioneiro na implantação do Bolsa-escola, embrião dos programas de transferência de renda que mais tarde Lula consolidaria sob o nome de Bolsa-Família. Em 2002 elegeu-se senador e foi o primeiro ministro da Educação de Lula, reelegendo-se em 2010. Tem dezenas de livros publicados, boa parte deles sobre educação, tema que sempre foi sua grande paixão. Mas, ressentido com o PT, depois que Lula o demitiu do MEC, o senador hoje no PPS não apenas apoiou o golpe como vem votando a favor das contrarreformas e demais medidas do governo de Michel Temer, que vem desgraçando o Brasil. Deve ser terrível para um homem com sua trajetória ser impedido de entrar numa universidade. Ele, porém, sabia o que o esperava. Nas vésperas da votação do impeachment no Senado, ele confessava. “Vão me chamar de golpista mas já tomei minha decisão”. A História é uma senhora severa que sempre cobra a conta, e ele também sabia disso. Os dissabores que viveu ontem em Minas são parte da fatura que estará sempre à sua espera.
O chanceler tucano Aloysio Nunes Ferreira é outro que, por sua trajetória, recebeu uma tatuagem mais forte de golpista sobre a pele. Na juventude, militou na ALN e participou da luta armada contra a ditadura. Ao voltar do exílio, cerrou fileiras na luta pela redemocratização. Na Câmara, foi um deputado atuante e respeitado mas já chegou ao Senado disposto a terçar armas para interromper o ciclo de governos petistas. Frequentemente é chamado de golpista no Brasil e em foros internacionais a que comparece como chanceler do Brasil. Os de sua geração não compreendem e não perdoam. “Aloysio era um sujeito com história, bem humorado, espirituoso. De uma hora para outra se transformou em um cara que dá medo nas pessoas, sem falar que ideologicamente se transformou em um horror”, já disse dele o escritor Fernando Morais.
Filhotes da ditadura
O curso do golpe produz ovelhas desgarradas do rebanho democrático mas mostra também a reprodução das oligarquias da direita mais retrógrada. Darcísio Perondi, deputado pelo PMDB do Rio Grande do Sul, atuou com enorme disposição nos preparativos do impeachment de Dilma e tem sido um destacado membro da tropa de choque de Temer. Lá estava ele, na Comissão de Constituição e Justiça, atacando duramente o parecer de seu colega de partido Sergio Zveiter, a favor da concessão de licença para que Temer seja processado pelo STF por corrupção passiva.
Quando comecei a cobrir o Congresso, no início dos anos 80, conheci seu pai, Emidio Perondi, um deputado da Arena que era dos mais valentes arautos da ditadura. Foi um dos que votou contra a emenda das Diretas em 1985. Não havia serviço pedido pela ditadura que ele não se dispusesse a fazer na Câmara. Anos depois, cedeu o mandato ao filho, que vem honrando a tradição familiar.
O mesmo se pode dizer de Paulo Abi-Ackel, do PSDB-MG, que se ofereceu para ser o anti-relator na CCJ, apresentando o parecer a favor de Temer que foi aprovado pela tropa de choque literalmente enfiada na comissão para garantir o resultado. Segue as pegadas de seu pai, Ibrahim Abi-Ackel, que foi ministro de Figueiredo, o último ditador militar. Com a diferença de que o pai tinha mais brilho e personalidade.
Os dias são assim no Bananão. Cada vez mais parecidos com os dias do passado.
Brasil 247
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