SEG, 31/07/2017 - 09:21
Ninguém acusa o juiz Moro de ser sofisticado em seus raciocínios – é certo. Tampouco a entrevista concedida ao autodenominado “grupo internacional de jornalismo colaborativo Investiga Lava Jato" poderá ser utilizada como prova de sua força argumentativa.
Moro - o óbvio, por Sergio Saraiva
E, diga-se de passagem, igualmente, o que a Folha traz na sua edição de 30 de julho de 2017 não mostra que os jornalistas do tal grupo tenham feito qualquer força para tirar do juiz declarações que demonstrassem o contrário.
A bem da verdade, quando se espreme o conteúdo da entrevista, mais uma vez, está lá o juiz Moro se justificando de suas decisões.
Tal qual quando é questionado sobre as provas utilizadas na condenação do ex-presidente Lula. Moro inicia afirmando que tudo está na sentença e que não fará comentários. E, em seguida, comenta. Melhor teria feito se ficasse na declaração padrão: “tudo que tinha para ser dito está nos autos”.
Isso porque Moro se sai com a explicação da “arma fumegante” para o uso de provas circunstanciais. Qualquer um que já tenha visto um filme americano sobre tribunais – os americanos adoram esses filmes – já ouviu essa explicação da boca do ator que faz o papel do promotor. Não da boca do que faz o papel do juiz, no entanto.
“Para ficar num exemplo clássico: uma testemunha que viu um homicídio. É uma prova direta. Uma prova indireta é alguém que não viu o homicídio, mas viu alguém deixando o local do crime com uma arma fumegando”.
Não, mesmo nos filmes, a explicação é mais profunda. Se alguém viu o assassinato ou se alguém viu uma pessoa com uma arma fumegante, trata-se de prova testemunhal. Qualquer júri de cinema consideraria que a testemunha “alega que viu”. E que somente isso não é prova suficiente para condenação. Afinal, é jargão dos tribunais chamar a prova testemunhal de “a prostitutas das provas”. Motivos óbvios.
A argumentação cinematográfica é de que se alguém é pego segurando uma arma fumegante junto ao cadáver de uma pessoa morta a tiros, isso por si só não é prova suficiente. Poderia tratar-se de um transeunte que, ao ver o cadáver e a arma junto a ele, cometeu a imprudência de apanhar e segurar a arma. Momento em que foi pego. Mas se essa pessoa, além de estar segurando a arma fumegante junto ao cadáver, era inimigo da vítima, isso é prova. Prova circunstancial, mas prova.
Pois bem, ninguém perguntou ao juiz Moro onde está a arma fumegante com as impressões digitais do Lula. Muito menos Moro esclareceu tal paradeiro, nos autos ou na entrevista.
Quando questionado sobre seus métodos e acordos em relação às delações premiadas que chegaram a ser classificados como "direito penal de Curitiba", com "normas que não têm a ver com a lei" pelo ministro Gilmar Mendes – insuspeito de qualquer traço de petismo, o juiz Moro poderia ter citado Maquiavel: fins nobres, tais quais o combate à corrupção, justificam-se por si próprios, não cabendo se questionar a nobreza dos meios utilizados para atingi-los.
Afinal, temos prisioneiros preventivos que nada delataram e por isso estão cumprindo pena há mais de dois anos e delatores réus confessos virtualmente perdoados.
Citando Maquiavel, Moro faria bela figura.
Moro, porém, preferiu a analogia com os resultados imprevisíveis do futebol que se diz ser uma “caixinha de surpresas” e alegou: “direito não é uma ciência exata”.
Interessante também outra analogia. Essa o juiz Moro faz entre a prisão de Eduardo Cunha – aliás, preso com fartura de provas obtidas pelo Ministério Público... da Suíça - e as queixas de falta de isenção da Lava Jato:
“... apesar das críticas de que há uma intensidade maior em relação a agentes do PT, temos preso e condenado um ex-presidente da Câmara [Eduardo Cunha], que era tido como inimigo do PT”.
Não. A isenção da Lava-Jato não se estabelece apenas por ela ter preso integrantes do PT, do PMBD e de outros partidos políticos. Mas sua seletividade sim, haja vista, ninguém do PSDB estar preso. Apesar dos “carecas”, “santos” e “mineirinhos”.
Eis aí outra vez Maquiavel: “aos amigos os favores, aos inimigos a fria letra da lei”.
Quando questionado sobre a divulgação dos grampos envolvendo a presidente Dilma, Moro saiu-se com uma inaudita análise constitucional de defesa da democracia liberal.
Que não se tente entender a profundidade do raciocínio “morino” que considera constitucional um juiz de primeira instância divulgar na imprensa gravações que envolvem a Presidência da República e que foram feitas ilegalmente – já que colhidas após o término da autorização judicial dada para a escuta de um investigado que, por óbvio, não era a presidente.
Basta que se entenda o que se resume em sua alegação da constitucionalidade dessa divulgação: “as pessoas tinham direito de saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos”.
Não sei em que artigo da Constituição Moro se baseou para afirmar tal direito de cidadania. No artigo 5º da Constituição, com certeza não. Até porque é de lá que se extrai que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” e de que “é inviolável o sigilo... das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”.
Mas, caso um dia, tal direito me seja acessível, gostaria de conhecer o que Moro disse em sorrisos ao pé do ouvido de Aécio Neves, quando daquela já clássica foto entre os dois.
E digo mais: “as pessoas tinham direito de saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos”.
PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia: a verdade que surge do espanto. A pós-verdade que surge da impossibilidade da verdade. Qual verdade te engana mais?
Jornal GGN
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