sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Juiz de Fora: Do luxo ao lixo

Por Heloisa


As Galerias

Joana Gouvêa




Elas nos diferenciam de tudo e de todos. Aliás, não há nada mais geminianas que elas: as galerias. São nosso amado labirinto. Corredores que desfazem limites, levando-nos daqui ali sem ser preciso andar demais. Ganhamos tempo e rebeldia. Esgueiramo-nos por elas e passamos a perna na engenharia das ruas infindas: já tô aqui ó. Tudo num instantinho. Juiz de Fora é delas.

A primeira, Pio X, também é a primeira de Minas Gerais. E quem ainda não teve curiosidade, que a visite. Seu teto de vitrais é magnífico. Seus lustres, preservados e belíssimos. Seu talento, minimizado. E ela já sediou a Galeria de Arte Celina, o CEP – Centro de Educação Popular, e o Raffa’s.

E no Calçadão há também as galerias sem saída. Isso eu deixo para vocês descobrirem. Alguém aqui tem que trabalhar não é ?

Mas vamos começar pelo estupendo paço do Cine Teatro Central. Aquele amado edifício, afora seu paço, exibe em suas laterais duas galerias que vão desembocar, uma, solitária, na rua São João. Outra que, enviesando, se reproduz em várias: Roberto Neves, que vai dar na João Beraldo (tradicionalíssima) que, por sua vez, em curva à direita, antes da São João, desemboca na Phíntias Guimarães. Esta por sua vez, ainda faz um filhote, que escorrega em L, também para a São João.

Todas, entretanto, são conhecidas por um nome só: Bar do Beco. O famoso Bar do Beco deu origem ao bloco carnavalesco Bloco do Beco, que é tradição no Carnaval da cidade.

É triste ver tanta história jogada fora. Patrimônio arquitetônico, histórico e cultural de Juiz de Fora, o Bar do Beco, hoje, é habitat de ratos.

Tenho um amigo cinegrafista que, por imposição profissional, filmou essas galerias durante algumas madrugadas. Ele disse que é assustador.

Eu me pergunto porquê tamanho desleixo. Toda a esquerda de Juiz de Fora já confabulou e, concomitantemente, bebeu ali. Toda a direita de Juiz de Fora já foi ali conferir. Aquele complexo de galerias faria a festa de qualquer restaurador, qualquer arquiteto, qualquer historiador.

Será que custa tão caro ao poder público arrumar aquele piso, cuidar daqueles vidros, preservar aquela história ? Essa gente que está no poder do município nasceu aqui ?

Na Galeria Beline conserta-se tesouras, bolsas, malas, despertadores. Vende-se bananas. Ela Sai da Batista e vai dar na Marechal. É quase impossível conceber essa galeria quase nordestina. Mas não é preciso mapa. Ela está logo ali, perdo da antiga Cadeia Municipal, (hoje Conservatório) e é surpreendentemente impassível ao tempo.

Só uma sai da São João para a Santa Rita. Tempos escassos. E nenhuma sai da Santa Rita para a Brás.

Ahá! Mas tem o estacionamento: todo mundo dribla. O estacionamento, que tem uma entrada para pedestres na Santa Rita (um bequinho estreito – galeria), desemboca na Brás. Tá lá escrito: “entrada de pedestres”. Ora bolas: todo homo sapiens é. Sinto muito, estacionamento, mas você nasceu numa galeria. Não há Juiz de Fora que vá te perdoar. Com carro ou sem carro, todo mundo que que quer cortar caminho (e todo mundo quer), passa por lá.

E é assim lá: a gente entra, anda devagar, balança chaves e vai, atravessa. E, mais ou menos devagar, os mais artistas assobiando, pula para a outra rua: a Brás.

Juiz de Fora é assim. Galerias. A cidade delas. Sua mais intensa vocação. Agora temos mais duas, recentes: uma sai da Brás e atinge a Espírito Santo. Tá certo que antes de nascer destruiu o Magister. Horror. Nunca vou amá-la.

Outra, pobre mas que se quer moderninha, está entre as inúmeras da Marechal para a Mister Moore, e resolveu fazer lojas de um milímetro e três andares. Feias. Capitalismo chinês. Mas ainda assim galerias, atalhos, becos.

Em si mesmas, as galerias, nossa engenharia, são as nossas melhores saídas.

Juiz de Fora tem seus túneis urbanos, esses labirintos onde a gente pega o fio de Ariadne para não sucumbir aos Minotauros chatos.

Mas todo dia, para nosso bem ou nosso mal, cada princípio e fim de galeria é um enigma.

O Centro

publicada em 30/12/2010

Parafraseando meu presidente, nunca a história dessa cidade viu tanto lixo. Em sentidos vários, mas todos em franca putrefação. O caminhar pelas ruas é um exercício de malabares. Evidente que esse governo superou todas as expectativas. Mas a decadência de Juiz de Fora tem acontecido em progressão geométrica. Não é de hoje que ela tem perdido sua personalidade.

Mas, sem pieguice, Juiz de Fora tinha charme. Quer lembrar o tempo de uma Rio Branco arborizadíssima, por onde transitaram bondes até a década de 70 (eu era apenas uma menina, entendeu ?), e os casarões da velha aristocracia beijavam a rua com suas buganvilhas em flor ? As pontes não tinham apenas concreto, como se tivessem saído da vontade amadora de um garotinho com seu playmobil. Não. Elas tinham arquitetura. Estilo. Não eram caixas de ferro jogadas à beira do rio.

Ah!. O rio. O que é aquilo ? O coitado do cidadão de Juiz de Fora possui, até hoje, um rio que corre cheio de cocô. Que coliformes fecais o quê: é cocô mesmo, na íntegra. Fico besta de a gente ainda não estar se dizimando pela peste negra. O rio cheio de cocô corta a cidade e faz a alegria dos ratos. Aliás, há ratos por toda a parte, começando pelo executivo. Outro dia, chuva forte (temos que agradecer a São Pedro por lavar a cidade entregue ao lixo), um rato atravessou sem temor a Mister Moore. Tá em casa. A gente é que tem que correr.

Mas houve um tempo em que – fiquemos só no centro – a capela do Estela Matutina, com seus vitrais, iluminava a Rio Branco bem em frente à Rei Alberto. A casa do bispo, imponente, dominava a mesma rua, flertando de longe com a Sampaio. A Catedral impunha-se, como até hoje se impõe. O Cenáculo possuía, ao invés de grades, dois anjos. E os casarões dominavam a avenida inteira e se estendiam pela Rei Alberto, Oscar Vidal, Antônio Carlos, Delfim Moreira, Sampaio, passando pelo Granbery e todo o Bom Pastor, o Alto dos Passos e São Mateus.

Estou me detendo ao que considero meio que o Centro, mas é tudo muito mais.

Na praça da estação, o magnífico relógio marcava as horas e a grande praça norteava a pequena Lisboa que desfrutávamos.

(Em Belo Horizonte, muito mais jovem, é proibido por lei descaracterizar os prédios antigos. Se o empresário comprar um imóvel antigo para fazer dele um edifício, deve manter a fachada original. Grandes condomínios mantêm, ali, a entrada imponente das construções seculares, belas e preservadas.É pouco, muito pouco, mas é o mínimo.)

Nós nos transformamos numa cidade sem rosto.

Não é preciso ser rico, para usufruir da beleza. Eu, por exemplo, não sou rica nem um pouquinho, pelo contrário. Mas a beleza pode estar ao seu lado, na arquitetura, no lixo no lixo, nas árvores floridas que trazem pássaros e oxigênio, nos passeios largos que respeitam seus passos. Ela pode estar ao seu lado nas praças, que já não existem por aqui.

Ao contrário de fazer nascer e crescer a natureza exuberante, aqui a gente corta árvores, ao modificar as praças de forma a cada vez mais diminuí-las. Tenho vergonha de dizer, meus amigos de outras praças, mas a gente tem extinguido praças por aqui.

Viramos um centro de cidade de grandes estacionamentos para veículos automotores. Dá até propaganda na televisão: “Venha para Juiz de Fora, a cidade dos grandes estacionamentos para veículos automotores.” No espaço da imensa maioria daqueles antigos casarões, hoje comercializam-se vagas para automóveis.

Viramos um centro de cidade sem luxo. Sem história. Só lixo. A prefeitura do Parque Halfeld não existe mais como tal. Como assim ? Dizem alguns que ela não comporta a estrutura atual da Prefeitura. É claro que não. Ela é um símbolo. E é lá que deve despachar o Prefeito.

Aqui não. Deixaram o prédio da Prefeitura para os pombos. O Prefeito atravessa a linha e vai despachar lá na Rede. E ainda por cima torna dificultosa a saudável manifestação da vaia.

Eu fico matutando: temos uma enorme linha de trem que corta Juiz de Fora, e que tem servido a uma empresa privada. Quem é essa empresa para achar que pode cortar Juiz de Fora com seu minério de ferro (que não fabricamos) e tumultuar o trânsito, usar nossa estação de trem magnífica e desprezada, apossar-se da linha férrea a cada tantos e tantos intervalos, como se a rua fosse sua ?

Posso estar delirando, mas não estou só: nós já possuímos um metrô. Ele sai de Benfica e vai até Matias Barbosa, e não muito tempo atrás chamava-se Xangai. Assim mesmo, com Xis.

Porque nossos governantes não implementam o metrô de superfície em Juiz de Fora? Temos a bitola, temos todas as estações, temos a ferrovia inteira, que é do povo brasileiro e não da MRS, temos trabalhadores especializados – porque antes da venda da RFFSA, a sua mais importante sede do sudeste era aqui - temos um Centro de Controle (do movimento dos trens) de primeiro mundo, uma verdadeira nave espacial que fica lá na Rede, servindo hoje a interesses privados; e temos gente caindo dos ônibus em movimento, numa cidade que cresce sem projeto de desenvolvimento. Temos trabalhadores sem qualidade de transporte e de vida. Por que não usar o trem para todos ? A MRS que construa a sua própria linha de trem, para levar seu lucro pessoal – sem atrapalhar o trânsito. A Astransp que se submeta a uma parceria público privada, (no máximo e olhe lá! porque o metrô deve ser público de interesses), para fazer o metrô de minha cidade. Ora, porque eu tenho que parar a minha vida para ver passar o trem que não é justo ?

Porque esse metrô não é projeto de ninguém ?

Quanto ao rio. Quantos poetas já falaram do Paraibuna ? Não queira ouvir. Mas deixa eu delirar de novo. Há rios bem menores em diversos lugares do mundo, que são não só atração turistica e orgulho de sua população, como exemplo de preservação da natureza. Arborizar o Paraibuna com árvores frutíveras seria a primeira providência de uma verdadeira dona de casa. Com os frutos e suas flores, viriam passarinhos, solo fértil, sombras, jardins.

Mas primeiro tem que tirar o cocô. Pelamordedeus. Eu acho que um aspirante ao governo que fosse na televisão e falasse: “eu vou tirar o cocô do paraibuna”, ganhava a eleição. Porque para tirar o cocô do paraibuna, é preciso tirá-lo primeiro da porta da casa daquele que não tem esgoto.

E nós não temos mais direito, depois de Lula, de ter desvalidos.

E quem não sabe, como eu sei, que até aquele que tem esgoto, também tem seu cocô jogado, impunemente, no Paraibuna?

Portanto, é preciso acabar com a perfumaria (?) e ter um projeto para Juiz de Fora que dignifique seus conterrâneos, de forma íntegra e justa. Calçar a Santo Antônio e deixar cocô no Paraibuna é o ó.

Tratamento de esgoto já. Fora cocô.

Podiamos fazer uma central de processamento lá na Vila Ideal. Aproveitar que é lá que existe o matadouro municipal (cruzes) e eles jogam tudo, direto, no rio: sangue, vísceras, baixo astral.

Em Paris, o processamento de esgoto se dá num prédio vertical e pintado de vermelho, bem no centro financeiro. É longe da Paris turística, antiga e preservada. É paris moderna e suburbana, que eu só vi de carro, quando cheguei. Mas o taxista brasileiro que nos esperava disse que aquele era o edifício onde se processa o esgoto de paris. Sem cheiro, sem fumaça. (Será que eles mandam pra cá, pensei).

O Sena, como todos sabem, é quase negro. Porque suas águas saem de minerais diferentes dos nossos. Nosso Paraibuna poderia ser lindo, vermelho barrento. Ipitipoca é vermelha e linda. Teríamos um rio atração turística. Pedalinhos, crianças em flor, pequeniques, árvores frutíferas, frutas no pé.

Tenho que admitir: temos algumas coisas impressionantemente belas. Uma arquitetura ainda preservada na Escola Normal, nos castelinhos que norteiam o centro, no Museu Mariano Procópio, com seu jardim magnífico, na Mascarenhas eterno amor, na Praça da Estação, que evoca mais de um século de descobertas e preservações; mas é muito pouco, perto da adolescente que fomos. Envelhecemos rápido demais, traíndo nossa história.

Mas há esperanças: a mata do krambeck pode ser um marco. Mas o maior marco de Juiz de Fora seria a mudança de paradigma. Com a palavra, nossos vereadores, (temos três do PT) que precisam, urgentemente, tornar pública uma oposição firme, incisiva e deliberada, em nosso nome.

Blog de Joana Gouvêa

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