sex, 08/08/2014 - 15:15
Enviado por Joaquim Aragão
Do Imagine Brasil
Política Ferroviária Nacional
Joaquim José Guilherme de Aragão
Yaeko Yamashita
Laboratório de Infra-estruturas, Universidade de Brasília
PONTOS DE PARTIDA
A presente contribuição visa apresentar algumas ideias para uma política ferroviária consistente, que não se limite a implantar trechos decididos pelo Governo em função de alguns setores usuários, geralmente produtores de carga de baixo valor agregado, o que é a atual tônica.
Nesse texto, trataremos exclusivamente o transporte de carga, hoje o principal foco da política ferrovias, em função dos altos custos logísticos para a produção e as exportações, e sua relevância para a macroeconomia. Em um texto posterior, debateremos as propostas para o transporte ferroviário de passageiros.
Lamenta-se hoje, em congressos e vários foros de discussão, o atual desequilíbrio da “matriz de transportes” nacional, ainda gravemente pendente para o transporte rodoviário, em detrimento da ferrovia e hidrovia. Com relação a essa discussão, algumas observações e propostas complementares precisam ser feitas.
Primeiramente, a preponderância da rodovia no Brasil não resulta primariamente de uma “falsa” opção política. O estudo da História dos Transportes no Brasil irá logo mostrar que a vitória da rodovia resulta, antes de mais nada, de um processo desequilibrado de territorialização, aliado a um desenvolvimento desastrado da ferrovia, precisamente no auge do desenvolvimento desse modo de transporte no País.
A implantação mais forçada das ferrovias no final do Século XIX e no início do Século XX não visou, pois, dotar o País de uma rede que integrasse o território nacional, e sim tão somente facilitar às zonas exportadoras um melhor escoamento da produção agrícola ao próximo porto. Tais estradas de ferro “cata-commodity” – ontem o café e a cana, hoje, a soja e os minérios -, além de não conectarem de forma universal o território, geram desigualdades nos fluxos e falta de carga de retorno. Além do mais, o caráter “cigano” da agricultura, que permanentemente migra para novas fronteiras territoriais uma vez esgotados os solos anteriormente utilizados, não consolida fluxos densos e estáveis para um investimento ferroviário viável e, ainda por cima, torna obsoleta a maioria das ferrovias construídas nas regiões abandonadas.
Em segundo lugar, esse prelúdio de desenvolvimento territorial desequilibrado e de implantação da ferrovia de forma instrumentalizada para os fluxos imediatos de matérias-primas de exportação levou à preferência quase que natural da rodovia, uma vez surgido o automóvel e a estrada moderna. Na verdade, a rodovia tem-se mostrado capaz de atender de forma mais rápida e flexível as demandas infra-estruturais que resultam desse processo de territorialização desequilibrado, devido a seguintes características especificas desse modo:
a) as vias são paulatinamente implantadas e modernizadas conforme a demanda, nas diversas etapas de implantação, pavimentação simples e duplicação;
b) tal demanda é criada e aumentada pelo amadurecimento espontâneo dos mercados do interior, uma vez provida a acessibilidade viária, mesmo que em nível preliminar e precário, por ação de incontáveis agentes econômicos de menor porte;
c) portanto, estabelece-se uma “parceria” dispersa entre os setores público e privado, onde o Estado implanta a via, e a operação do transporte rodoviário é economicamente sustentada pela massa de pequenos agentes econômicos;
d) a rodovia dispensa, portanto, o investimento de uma empresa de maior porte, responsável pela implantação e também pela operação do sistema, sujeita assim a maiores riscos de custos e de mercado, o que ocorre na ferrovia;
e) defeitos e a falta de qualidade da manutenção não interrompem os fluxos, ao contrário do que ocorre na ferrovia, onde um pequeno desvio da bitola torna a via inoperacional;
f) o risco do desequilibrio dos fluxos e da falta de carga de retorno fica por conta dos operadores de serviços e não pelos responsáveis pela infra-estrutura (como ocorre com a ferrovia). O caminhoneiro de carga geral se encarrega de buscar, por própria conta, a carga de retorno que lhe pague pelo menos o custo da viagem.
Por essas razões, o equílibrio da matriz de transporte não resultará de uma política voluntarista contra a rodovia e a favor das ferrovia e hidrovia. Para que esses modos mais valorizados de transporte se viabilizem, temos de adotar um novo processo de territorialização, mais equitativamente distribuído, que proporcionará justamente um fluxo equilibrado e mais denso de cargas.
De fato, a recuperação do espaço das ferrovias na nossa logística tem de se dar imediatamente; todavia, uma vez que esse tipo de equipamento exige fluxos que sustentem o investimento, é compreensível que sejam priorizadas rotas onde exista perspectiva de curto ou médio prazo de criação da necessária demanda.
No momento, isso ocorre para determinados fluxos de commodities agrícolas e minerais. Entretanto, as ferrovias que estão sendo construídas quase que exclusivamente segundo esse foco, apresentam sérias limitações para a implantação de uma nova rede nacional de ferrovias, que distribua equitativamente a acessibilidade a serviços ferroviários aos diversos polos regionais.
Primeiramente, os percursos selecionados não articulam necessariamente com a rede já existente, melhorando sua conectividade generalizada. As rotas seguem, copiando o processo da construção ferroviária no Século XIX, o caminho mais direto para os portos exportadores especializados.
Em segundo lugar, na medida em que são quase que exclusivamente dedicados aos fluxos de commodities não industriais, os traçados “fogem” dos centros urbanos, para evitar os decorrentes custos de construção, os congestionamentos e riscos de invasão da linha férrea.
Em terceiro lugar, visto que tal dedicação a fluxos de baixo valor agregado não exige velocidades operacionais comparáveis às dos caminhões, as ferrovias já estão sendo construídas com um traçado de baixo padrão técnico, com curvas de raio muito pequeno.
Esses três aspectos dificultam, se não impedem, que as ferrovias que atualmente estão em construção se afirmem em mercados de carga de maior valor agregado, que são os containers, o transporte de veículos, e outros cujas encomendas exigem maior celeridade. Tais fluxos de maior valor, que poderiam contribuir para a viabilização de ferrovias de melhor padrão, continuarão assim circulando nas rodovias, aumentando o tráfego de caminhões para um patamar que prejudica o desempenho das rodovias, mesmo que modernizadas e duplicadas.
Hoje, até as vias duplicadas não permitem o desenvolvimento seguro de velocidades mais altas aos veículos mais leves, devido à ocupação de todas as faixas por caminhões que competem entre si. O confronto entre a maior velocidade desejada pelos carros de passeio e a convivência com um fluxo intenso de caminhões vem transformando as vias duplicadas em armadilhas mortais.
Em seguida, descrevemos uma proposta para uma nova política ferroviária, constituída por um conjunto de diretrizes a serem implementadas concomitantemente, mesmo que as primeiras delas precederão temporalmente as restantes, por dizer respeito a ações que já estão em curso. A figura abaixo ilustra, a título exemplificativo, o resultado da aplicação das diretrizes. Não se trata de propor uma rede e sim de demonstrar que resultado a aplicação dos princípios expostos poderá produzir.
FERROVIAS EM ESTADO IRREVERSÍVEL DE PLANEJAMENTO E IMPLANTAÇÃO
Tais ferrovias estão já em construção ou preconizadas no PNLT e pelo recém lançado Programa de Investimentos em Logística (linhas azuis). Uma vez que não se trata mais de reverter ou mesmo alterar significativamente os investimentos, recomenda-se que eles sejam inserides em programas de consolidação fiscal, como esboçado para o caso do TAV acima exposto, de forma que investimentos produtivos suplementares ao longo dos trajetos induzam um crescimento econômico planejado e mensurável em nível necessário para assegurar a sustentabilidade fiscal. Novamente, a concessão de áreas públicas a empresas de desenvolvimento territorial (EDT´s) pode se revelar como uma estratégia útil para esses casos, e também para dinamizar o mercado do transporte ferroviário, que ficou a cargo da VALEC no novo modelo preconizado pelo Programa de Investimento em Logística.
FERROVIAS FUTURAS A SEREM CONCEBIDAS AINDA SEGUNDO A PRIMAZIA DE EXPORTAÇÃO DE CARGAS EM GRANEL
A prática corrente de conceber ferrovias para beneficiar primariamente a logística da exportação e de selecionar os trechos de acordo com sua viabilidade para esse fim deve prosseguir ainda em curto o médio prazo. Entretanto, para novos investimentos ferroviários desse tipo que ainda não estejam inseridos no planejamento governamental, já se recomenda que eles adotem traçados mais adequados a velocidades comparáveis a dos caminhões, e que também tangenciem polos selecionados pelo planejamento territorial (por ex. os Estudos da Dimensão Territorial do PAC), de forma a dinamizar a economia dos polos e facilitar o uso das ferrovias para o transporte de cargas de maior valor agregado.
Nos polos onde houver conexão das novas ferrovias com o sistema pré-existente, plataformas logísticas intermodais devem ser implantadas, dinamizando ainda mais a economia regional. Além disso, esses novos trechos já seriam concebidos tendo em mente a construção de uma rede universal estratégica que cubra o território de maneira mais equitativa e distribua a acessibilidade ferroviária a diversos polos. Novamente, esses novos ramais devem ser implantadas concomitantemente de um respectivo programa de consolidação fiscal.
Inserimos na figura trechos ferroviários propostos por estudos do Governo Federal, da ANTF e da CNT (linhas verdes), que foram selecionados de acordo com a lógica tradicional de privilegiar fluxos com maior demanda e perspectiva de viabilizar o investimento ferroviário. Esses trechos ainda não foram inclusos oficialmente no planejamento governamental, mas a rede resultante desse exercício busca tangenciar polos importantes do interior, de forma a compor, em conjunto com as linhas pré-existentes, uma rede de maior conectividade territorial.
DESENVOLVIMENTO DO MERCADO FERROVIÁRIO DE CARGAS DE ALTO VALOR AGREGADO
Paralelamente à execução das diretrizes anteriores, hão de se implantar medidas que incentivem o uso de ferrovias para o transporte de maior valor agregado, fortalecendo o fluxo de containers, o transporte de veículos e máquinas e de outros bens unitizáveis. As medidas de incentivo incluirão a construção de pátios especializados para o embarque e desembarque desse tipo de carga, ao longo das ferrovias novas e existentes, bem como incentivos fiscais e administrativos para esse tipo de transporte. A inclusão dos trechos do Tronco Sul e da ligação entre o Sudeste e o Nordeste no recém-lançado Programa de Investimento em Logística já constituiria uma primeira medida nessa linha diretriz.
MODERNIZAÇÃO DA REDE EXISTENTE
A estradas de ferro concedidas por ocasião da Reforma Administrativa devem ser objeto de um vasto subprograma de melhoria e modernização, que inclua a reforma da super-estrutura, a implantação de variantes e a duplicação, de forma a acelerar a circulação nelas, assim como viabilizar o transporte de carga de maior valor agregado. Os ramais relevantes para a conexão inter-regional devem ser priorizados nesse programa. Mais uma vez, os respectivos investimentos devem estar aliados a programas de consolidação fiscal, nos moldes acima descritos. A figura abaixo inclui uma proposta de ramais a serem incluídos no subprograma de modernização (linhas roxas).
COMPLEMENTAÇÃO ESTRATÉGICA DA REDE FERROVIÁRIA NACIONAL
O conjunto de investimentos definidos nas alíneas anteriores haverá de melhorar significativamente a conectividade ferroviária universal no Brasil, deixando, todavia, alguns polos ainda descobertos. O momento da conclusão desses investimentos, que situaríamos daqui há 20 ou 30 anos, coincidiria, muito provavelmente, com um estágio avançado da implantação da PNSE, e uma nova geografia econômica já deveria estar prevalecendo no cenário nacional.
Portanto, essa última diretriz da nossa pauta política tratará de complementar a rede para que os restantes polos e a nova geografia possam ser, paulatinamente, atendidos por ferrovias modernas, fiscalmente consolidadas e de operação rentável. Essa rede já apresentará um nível adequado de conectividade e modernização. As linhas vermelho escuro da figura abaixo ilustram o resultado dessa última diretriz, resultado esse que seria o estágio final a ser alcançado pela política aqui exposta, pelo menos para o transporte de cargas. Na figura, foram inseridos os polos previstos no Estudo da Dimensão Territorial do PAC, para demonstrar o nível alcançado de conectividade e acessibilidade generalizada (a partir dos polos) da rede final. Para a Região Amazônica, as vias navegáveis (Solimões-Amazonas, Madeira e Araguaia) continuarão a exercer um papel fundamental de transporte massivo de cargas.
Enviado por Joaquim Aragão
Do Imagine Brasil
Política Ferroviária Nacional
Joaquim José Guilherme de Aragão
Yaeko Yamashita
Laboratório de Infra-estruturas, Universidade de Brasília
PONTOS DE PARTIDA
A presente contribuição visa apresentar algumas ideias para uma política ferroviária consistente, que não se limite a implantar trechos decididos pelo Governo em função de alguns setores usuários, geralmente produtores de carga de baixo valor agregado, o que é a atual tônica.
Nesse texto, trataremos exclusivamente o transporte de carga, hoje o principal foco da política ferrovias, em função dos altos custos logísticos para a produção e as exportações, e sua relevância para a macroeconomia. Em um texto posterior, debateremos as propostas para o transporte ferroviário de passageiros.
Lamenta-se hoje, em congressos e vários foros de discussão, o atual desequilíbrio da “matriz de transportes” nacional, ainda gravemente pendente para o transporte rodoviário, em detrimento da ferrovia e hidrovia. Com relação a essa discussão, algumas observações e propostas complementares precisam ser feitas.
Primeiramente, a preponderância da rodovia no Brasil não resulta primariamente de uma “falsa” opção política. O estudo da História dos Transportes no Brasil irá logo mostrar que a vitória da rodovia resulta, antes de mais nada, de um processo desequilibrado de territorialização, aliado a um desenvolvimento desastrado da ferrovia, precisamente no auge do desenvolvimento desse modo de transporte no País.
A implantação mais forçada das ferrovias no final do Século XIX e no início do Século XX não visou, pois, dotar o País de uma rede que integrasse o território nacional, e sim tão somente facilitar às zonas exportadoras um melhor escoamento da produção agrícola ao próximo porto. Tais estradas de ferro “cata-commodity” – ontem o café e a cana, hoje, a soja e os minérios -, além de não conectarem de forma universal o território, geram desigualdades nos fluxos e falta de carga de retorno. Além do mais, o caráter “cigano” da agricultura, que permanentemente migra para novas fronteiras territoriais uma vez esgotados os solos anteriormente utilizados, não consolida fluxos densos e estáveis para um investimento ferroviário viável e, ainda por cima, torna obsoleta a maioria das ferrovias construídas nas regiões abandonadas.
Em segundo lugar, esse prelúdio de desenvolvimento territorial desequilibrado e de implantação da ferrovia de forma instrumentalizada para os fluxos imediatos de matérias-primas de exportação levou à preferência quase que natural da rodovia, uma vez surgido o automóvel e a estrada moderna. Na verdade, a rodovia tem-se mostrado capaz de atender de forma mais rápida e flexível as demandas infra-estruturais que resultam desse processo de territorialização desequilibrado, devido a seguintes características especificas desse modo:
a) as vias são paulatinamente implantadas e modernizadas conforme a demanda, nas diversas etapas de implantação, pavimentação simples e duplicação;
b) tal demanda é criada e aumentada pelo amadurecimento espontâneo dos mercados do interior, uma vez provida a acessibilidade viária, mesmo que em nível preliminar e precário, por ação de incontáveis agentes econômicos de menor porte;
c) portanto, estabelece-se uma “parceria” dispersa entre os setores público e privado, onde o Estado implanta a via, e a operação do transporte rodoviário é economicamente sustentada pela massa de pequenos agentes econômicos;
d) a rodovia dispensa, portanto, o investimento de uma empresa de maior porte, responsável pela implantação e também pela operação do sistema, sujeita assim a maiores riscos de custos e de mercado, o que ocorre na ferrovia;
e) defeitos e a falta de qualidade da manutenção não interrompem os fluxos, ao contrário do que ocorre na ferrovia, onde um pequeno desvio da bitola torna a via inoperacional;
f) o risco do desequilibrio dos fluxos e da falta de carga de retorno fica por conta dos operadores de serviços e não pelos responsáveis pela infra-estrutura (como ocorre com a ferrovia). O caminhoneiro de carga geral se encarrega de buscar, por própria conta, a carga de retorno que lhe pague pelo menos o custo da viagem.
Por essas razões, o equílibrio da matriz de transporte não resultará de uma política voluntarista contra a rodovia e a favor das ferrovia e hidrovia. Para que esses modos mais valorizados de transporte se viabilizem, temos de adotar um novo processo de territorialização, mais equitativamente distribuído, que proporcionará justamente um fluxo equilibrado e mais denso de cargas.
De fato, a recuperação do espaço das ferrovias na nossa logística tem de se dar imediatamente; todavia, uma vez que esse tipo de equipamento exige fluxos que sustentem o investimento, é compreensível que sejam priorizadas rotas onde exista perspectiva de curto ou médio prazo de criação da necessária demanda.
No momento, isso ocorre para determinados fluxos de commodities agrícolas e minerais. Entretanto, as ferrovias que estão sendo construídas quase que exclusivamente segundo esse foco, apresentam sérias limitações para a implantação de uma nova rede nacional de ferrovias, que distribua equitativamente a acessibilidade a serviços ferroviários aos diversos polos regionais.
Primeiramente, os percursos selecionados não articulam necessariamente com a rede já existente, melhorando sua conectividade generalizada. As rotas seguem, copiando o processo da construção ferroviária no Século XIX, o caminho mais direto para os portos exportadores especializados.
Em segundo lugar, na medida em que são quase que exclusivamente dedicados aos fluxos de commodities não industriais, os traçados “fogem” dos centros urbanos, para evitar os decorrentes custos de construção, os congestionamentos e riscos de invasão da linha férrea.
Em terceiro lugar, visto que tal dedicação a fluxos de baixo valor agregado não exige velocidades operacionais comparáveis às dos caminhões, as ferrovias já estão sendo construídas com um traçado de baixo padrão técnico, com curvas de raio muito pequeno.
Esses três aspectos dificultam, se não impedem, que as ferrovias que atualmente estão em construção se afirmem em mercados de carga de maior valor agregado, que são os containers, o transporte de veículos, e outros cujas encomendas exigem maior celeridade. Tais fluxos de maior valor, que poderiam contribuir para a viabilização de ferrovias de melhor padrão, continuarão assim circulando nas rodovias, aumentando o tráfego de caminhões para um patamar que prejudica o desempenho das rodovias, mesmo que modernizadas e duplicadas.
Hoje, até as vias duplicadas não permitem o desenvolvimento seguro de velocidades mais altas aos veículos mais leves, devido à ocupação de todas as faixas por caminhões que competem entre si. O confronto entre a maior velocidade desejada pelos carros de passeio e a convivência com um fluxo intenso de caminhões vem transformando as vias duplicadas em armadilhas mortais.
Em seguida, descrevemos uma proposta para uma nova política ferroviária, constituída por um conjunto de diretrizes a serem implementadas concomitantemente, mesmo que as primeiras delas precederão temporalmente as restantes, por dizer respeito a ações que já estão em curso. A figura abaixo ilustra, a título exemplificativo, o resultado da aplicação das diretrizes. Não se trata de propor uma rede e sim de demonstrar que resultado a aplicação dos princípios expostos poderá produzir.
FERROVIAS EM ESTADO IRREVERSÍVEL DE PLANEJAMENTO E IMPLANTAÇÃO
Tais ferrovias estão já em construção ou preconizadas no PNLT e pelo recém lançado Programa de Investimentos em Logística (linhas azuis). Uma vez que não se trata mais de reverter ou mesmo alterar significativamente os investimentos, recomenda-se que eles sejam inserides em programas de consolidação fiscal, como esboçado para o caso do TAV acima exposto, de forma que investimentos produtivos suplementares ao longo dos trajetos induzam um crescimento econômico planejado e mensurável em nível necessário para assegurar a sustentabilidade fiscal. Novamente, a concessão de áreas públicas a empresas de desenvolvimento territorial (EDT´s) pode se revelar como uma estratégia útil para esses casos, e também para dinamizar o mercado do transporte ferroviário, que ficou a cargo da VALEC no novo modelo preconizado pelo Programa de Investimento em Logística.
FERROVIAS FUTURAS A SEREM CONCEBIDAS AINDA SEGUNDO A PRIMAZIA DE EXPORTAÇÃO DE CARGAS EM GRANEL
A prática corrente de conceber ferrovias para beneficiar primariamente a logística da exportação e de selecionar os trechos de acordo com sua viabilidade para esse fim deve prosseguir ainda em curto o médio prazo. Entretanto, para novos investimentos ferroviários desse tipo que ainda não estejam inseridos no planejamento governamental, já se recomenda que eles adotem traçados mais adequados a velocidades comparáveis a dos caminhões, e que também tangenciem polos selecionados pelo planejamento territorial (por ex. os Estudos da Dimensão Territorial do PAC), de forma a dinamizar a economia dos polos e facilitar o uso das ferrovias para o transporte de cargas de maior valor agregado.
Nos polos onde houver conexão das novas ferrovias com o sistema pré-existente, plataformas logísticas intermodais devem ser implantadas, dinamizando ainda mais a economia regional. Além disso, esses novos trechos já seriam concebidos tendo em mente a construção de uma rede universal estratégica que cubra o território de maneira mais equitativa e distribua a acessibilidade ferroviária a diversos polos. Novamente, esses novos ramais devem ser implantadas concomitantemente de um respectivo programa de consolidação fiscal.
Inserimos na figura trechos ferroviários propostos por estudos do Governo Federal, da ANTF e da CNT (linhas verdes), que foram selecionados de acordo com a lógica tradicional de privilegiar fluxos com maior demanda e perspectiva de viabilizar o investimento ferroviário. Esses trechos ainda não foram inclusos oficialmente no planejamento governamental, mas a rede resultante desse exercício busca tangenciar polos importantes do interior, de forma a compor, em conjunto com as linhas pré-existentes, uma rede de maior conectividade territorial.
DESENVOLVIMENTO DO MERCADO FERROVIÁRIO DE CARGAS DE ALTO VALOR AGREGADO
Paralelamente à execução das diretrizes anteriores, hão de se implantar medidas que incentivem o uso de ferrovias para o transporte de maior valor agregado, fortalecendo o fluxo de containers, o transporte de veículos e máquinas e de outros bens unitizáveis. As medidas de incentivo incluirão a construção de pátios especializados para o embarque e desembarque desse tipo de carga, ao longo das ferrovias novas e existentes, bem como incentivos fiscais e administrativos para esse tipo de transporte. A inclusão dos trechos do Tronco Sul e da ligação entre o Sudeste e o Nordeste no recém-lançado Programa de Investimento em Logística já constituiria uma primeira medida nessa linha diretriz.
MODERNIZAÇÃO DA REDE EXISTENTE
A estradas de ferro concedidas por ocasião da Reforma Administrativa devem ser objeto de um vasto subprograma de melhoria e modernização, que inclua a reforma da super-estrutura, a implantação de variantes e a duplicação, de forma a acelerar a circulação nelas, assim como viabilizar o transporte de carga de maior valor agregado. Os ramais relevantes para a conexão inter-regional devem ser priorizados nesse programa. Mais uma vez, os respectivos investimentos devem estar aliados a programas de consolidação fiscal, nos moldes acima descritos. A figura abaixo inclui uma proposta de ramais a serem incluídos no subprograma de modernização (linhas roxas).
COMPLEMENTAÇÃO ESTRATÉGICA DA REDE FERROVIÁRIA NACIONAL
O conjunto de investimentos definidos nas alíneas anteriores haverá de melhorar significativamente a conectividade ferroviária universal no Brasil, deixando, todavia, alguns polos ainda descobertos. O momento da conclusão desses investimentos, que situaríamos daqui há 20 ou 30 anos, coincidiria, muito provavelmente, com um estágio avançado da implantação da PNSE, e uma nova geografia econômica já deveria estar prevalecendo no cenário nacional.
Portanto, essa última diretriz da nossa pauta política tratará de complementar a rede para que os restantes polos e a nova geografia possam ser, paulatinamente, atendidos por ferrovias modernas, fiscalmente consolidadas e de operação rentável. Essa rede já apresentará um nível adequado de conectividade e modernização. As linhas vermelho escuro da figura abaixo ilustram o resultado dessa última diretriz, resultado esse que seria o estágio final a ser alcançado pela política aqui exposta, pelo menos para o transporte de cargas. Na figura, foram inseridos os polos previstos no Estudo da Dimensão Territorial do PAC, para demonstrar o nível alcançado de conectividade e acessibilidade generalizada (a partir dos polos) da rede final. Para a Região Amazônica, as vias navegáveis (Solimões-Amazonas, Madeira e Araguaia) continuarão a exercer um papel fundamental de transporte massivo de cargas.
Jornal GGN - Luis Nassif Online
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