terça-feira, 16 de setembro de 2014

A banqueira, a professora e o sindicalista

 
16 de setembro de 2014


Em campanha por Marina na imprensa internacional, Neca Setubal expressa visão preconceituosa sobre Lula


Olha só o que disse Neca Setubal em entrevista à agência Bloomberg.
— Como Lula, Marina é uma pessoa do povo mas seguiu por outro caminho. Escolheu a educação, sempre valorizou a educação, conseguiu formar-se professora, enquanto Lula escolheu ser um sindicalista. (*)

Pois é, meus amigos. Enquanto Lula “escolheu” ser sindicalista, Marina “sempre valorizou a educação.” Lembra o tempo em que diziam que Lula não tinha diploma?
Não vamos fazer o culto a personalidade de ninguém mas vamos aos fatos. Apoiado numa imensa mobilização popular, Lula construiu o PT, onde Marina ingressou cinco anos depois. Também construiu a CUT, da qual ela foi vice presidente no Acre — mais tarde. Em 1994, Marina se elegeu senadora, na chapa do PT, negociada por Lula.

Curou-se do envenenamento por mercúrio no hospital público de Santos, cidade governada pela prefeita Telma de Souza, do partido de Lula. Davi Capistrano Filho, o secretário de Saúde que garantiu o tratamento de Marina, embora o regimento vetasse atendimento a não-residentes na cidade, explicou sua atitude com uma frase que os amigos nunca esqueceram, pois remete a sua formação política e ao PT daquela época: “prefiro defender uma vida humana a respeitar a legalidade burguesa.”
Em 2003, Marina tornou-se ministra, a convite de Lula. Foi reconduzida ao cargo em 2007.

Como disse Neca, Lula “escolheu ser sindicalista.” Seria possível dizer que preferiu ficar junto do povo. Mas ela poderia achar que essa frase é meio forte, retórica demais.
Ninguém é obrigado a gostar de Lula nem de “sindicalistas.”
Mas talvez fosse possível dizer que foi no mundo daquelas greves que comoveram o país e tudo aquilo que veio depois que Lula encontrou a História. É isso que sabem os homens e mulheres que tentaram entender a experiência infinita desse mundo.

Será o preconceito que impede de ver isso?
Será egoísmo?
Vaidade?
É tão difícil assim enxergar a vida real do alto de tantos milhões em dividendos por ano?
Estamos falando daquela visão que valoriza o trabalho intelectual em prejuízo do chamado trabalho braçal e seus derivados. O que é lutar por melhoria na distribuição de renda? Pela organização dos trabalhadores?

Um “sindicalista.” Pensei, honestamente, que a moda tinha passado. Achava que ninguém mais iria cobrar de Lula sua falta de diploma. Ele era combatido assim em 1980, 1990. Hoje os bons cérebros do país admitem que aprenderam muito com ele — muito mais do que ensinaram.

Neca contou à Bloomberg que ela e Marina gostam de discutir ideias de autores e autoras que a maioria dos brasileiros nunca leu. Uma delas é Hanna Arendt, aquela que nos ensinou que a dissolução das classes sociais e dos instrumentos de classe — como partidos, sindicatos — cumpriu um papel essencial na formação de regimes totalitários.

Elas também conversam sobre “democracia direta, pluralismo, democracia direta nos escritos do sociólogo polonês Zigmunt Bauman.”
Formulador do conceito de “vida líquida”, Bauman é o pensador crítico dos laços frágeis da vida social de nosso tempo, das fidelidades que não duram, das verdades que não têm consistência.
Pensando no Brasil, poderia estar falando de quem?

(*) No original: “Like Lula, Marina is a person of the people, but she went on a different path,” said Setubal, whose family nickname “Neca” stems from the Portuguese word for doll. “She chose education, always valued education, obtained a master’s degree, while Lula chose to be an unionist.”




Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa". 
 
 
 
Brasil 247

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