domingo, 28 de setembro de 2014

A crítica covarde aos blogueiros

 
28 de setembro de 2014

por Paulo Moreira Leite

Em vez de criticar grande mídia que faz cobertura dirigida contra Dilma, medalhões do jornalismo falam mal de quem ajuda o país a respirar um pouco de liberdade

O jornalista Ricardo Noblat disse que os blogueiros que foram entrevistar Dilma são pagos pelo PT. Também disse que a entrevista foi uma farsa, embora tenha revelado um furo: a confirmação de que, se for reeleita, Dilma irá encaminhar o projeto de regulamentação econômica da mídia — tarefa que o Congresso brasileiro deve ao país desde 1988, quando a Constituição definiu que a comunicação social não pode ser objeto de monopólio nem de oligopólio.

Eu acho que a crítica ao trabalho de blogueiros que têm um posicionamento político favorável a Dilma e Lula seria menos covarde se levasse o Manchetômetro em conta.

Explico.

Se você examinar a ultima edição do Manchetômetro, que contabiliza o trabalho dos grandes jornais do país e também do tele-jornal de maior audiência — empresas que remuneram os principais críticos dos blogueiros — verá o seguinte resultado:

1) no Jornal Nacional, Dilma recebeu 15 notícias negativas. Mais de duas por dia. Marina e Aécio não tiveram notícias negativas.

2) na primeira página da Folha de S. Paulo, Dilma teve 8 negativas para 10 definidas como neutras. Marina não tem uma única notícia negativa. Aécio recebeu 1 negativa para 3 neutras.

3) no Globo, Aécio recebeu duas neutras e duas negativas. Marina, 7 neutras e 1 negativa. Dilma recebeu 30 negativas e 9 neutras.

4) no Estado de S. Paulo, Aécio recebeu oito notícias neutras e quatro negativas. Marina, 3 neutras e 9 negativas. Já Dilma ficou com 34 negativas para 16 neutras.



Estamos falando justamente de um período da campanha no qual Dilma consolidou a liderança nas pesquisas, cravando uma diferença de 13 pontos sobre a segundo colocada. Chegará com folga no segundo turno e, se ocorrer um terremoto na reta final, pode levar até no 1 turno. Enquanto isso, Aécio e Marina brigam pelo osso.

Uma semana de notícias negativas para quem? Positivas para quem?

Eu acho estranho que, sempre a postos para criticar uma duzia e meia de blogueiros, nossos críticos façam um silêncio encandaloso diante desses números.

Não conseguem achar nada de errado aí, nada a comentar?

Esse é o significado da palavra “isento” em seus manuais de redação?

Será que é assim que eles acham que estão fazendo sua parte para construir um Brasil melhor, como dizia dona Celina, minha inesquecível professora de História no Guaracy Silveira, fazendo fé naquilo que lia nos editoriais escritos pelos pais e avós dos jornalistas de hoje?

A crítica aos blogueiros é prova de uma imensa covardia.

Parte de profissionais que adoram criticar o que chamam de jornalismo chapa branca mas atuam como pelegos de patrão.

Dão o braço a quem é forte — e paga seus vencimentos — para tentar atingir quem é fraco.

Perdidos numa vaidade imensa, estão sempre dizendo que a opinião adversária não é legítima e foi comprada.

Com o argumento do dinheiro escuso, tenta-se sugerir que a condição profissional na grande mídia se justifica pelo “talento imenso “, pela “profundidade de suas análises”, “pela qualidade de sua informação”, pela sua “independência” e outras meias-verdades (ou mentiras totais, conforme o caso) do jornalismo real.

Do ponto de vista da circulação de informações e debate de ideias numa sociedade, o Manchetômetro mostra só a ponta do iceberg.

Estamos falando de uma sociedade na qual o controle da informação é amplo e profundo.

No conteúdo, o noticiário é abertamente dirigido em função do interesse político. (Você não vai dizer que 30 a 9 ou 15/20 contra Dilma são “expressão possível da verdade, ” a definição clássica para o jornalismo, certo?)

Mas é este jornalismo pervertido que é reenviado para os sites de jornais, revistas, canais de TV, que também possuem grandes audiências, num processo de alavancagem mútua. Transfere-se depois para a TV e o rádio, onde repórteres e colunistas do papel vestem a roupa de comentaristas e apresentadores e atuam com as mesmas ideias, valores e opiniões.

O debate, então, é outro.

A concentração política dos meios de comunicação atingiu um padrão grotesco, irrespirável. Vinte e nove anos depois da ditadura militar, temos um aparato de comunicação social que é privado, pelo regime de propriedade, e autoritário, como instituição política.

É coerente com sua visão de mundo, extraída da mesma árvore política: liberal no plano dos direitos individuais, reacionária na visão de Estado e de proteção social aos fracos e excluídos.

São erros cometidos e repetidos com a certeza da impunidade, o veneno da arrogância.

Tenho críticas a determinados blogueiros e só posso fazer elogios a outros. Mas, como regra, eles causam incômodo pelo lado certo. Arranham o que precisa ser arranhado.

Falam por uma parte do país que não tem voz. E vamos combinar que, mais uma vez, as pesquisas eleitorais mostram que é uma parte grande, certo?

Do ponto de vista da liberdade e da democracia, que é a substância do jornalismo, o pior blogueiro faz um trabalho muito mais relevante para o Brasil e os brasileiros do que o medalhão que é regulado pelas mensagens telepáticas enviadas pelo comando da empresa onde trabalha.

Eu sei disso, você sabe disso. Eles sabem disso.

É por isso que os blogueiros merecem respeito, e não críticas medrosas, típicas de cães sabujos, que têm receio de perder o filé mignon do pensamento único.




Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa". 
 
 
Brasil 247

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