or Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais — publicado 30/04/2015 05h01
A crise brasileira segue uma dinâmica nacional clara, mas faz parte de uma investida contra o ciclo progressista latino
Roberto Stuckert Filho / PR
Dilma Rousseff e Barack Obama durante encontro bilateral no Panamá, em 11 de abril
Os processos históricos nacionais, sobretudo de países do porte do Brasil, estão cada vez mais imbricados com uma realidade mundial marcada por lutas para que se alterem suas relações de poder e pela dominância da lógica financeira, rentista, no âmbito de uma economia interligada e crescentemente globalizada. Assim, a luta política em curso no Brasil só pode ser compreendida em sua totalidade, situando o Brasil, a América Latina, e mesmo os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), no contexto de um mundo regido por uma crise estrutural e sistêmica do capitalismo que se estende para seu oitavo ano, denominada a “grande recessão”.
Em todo o globo os trabalhadores e os povos resistem à dominação da oligarquia financeira e das forças pró-imperialistas. O mundo também se encontra envolto por uma luta que envolve países e blocos de países da qual resultará o desfecho da atual transição em curso no mundo. O imperialismo estadunidense que há muito descreve uma trajetória de declínio relativo, manobra no sentido de tentar contrariar essa tendência e busca relançar sua hegemonia. Nesse sentido, ganha destaque na situação internacional uma ação das potências imperialistas, lideradas pelos EUA, para conter e agredir qualquer país que contrarie seus interesses.
A aliança EUA-União Europeia-OTAN atua para cindir os países Brics, seja cooptando-os – como buscam os EUA em relação à Índia –, seja agindo para tentar neutralizar e agredir países, como no caso do Brasil e da Rússia, do Irã, da Síria, e de muitos países da América Latina e Caribe, destacadamente Cuba, Venezuela e Argentina, submetidos a forte pressão econômica com expressivo componente exógeno, e a operações de “mudança de regime” e de guerra midiática. Ou até constrangendo diretamente por meio militares.
Afinal, os Brics têm agido diretamente no sentido de acelerar a transição nas relações de poder no mundo em direção à multipolarização. A recente Cúpula dos Brics em Fortaleza (julho de 2014) foi marca importante desse movimento, ao definir a constituição de meios para aprofundar a mudança na ordem econômica internacional, ao constituir um Banco de desenvolvimento e um Fundo de reservas para proteger as economias nacionais.
Na esfera da correlação de forças entre os campos políticos, pode-se afirmar que a crise, apesar de pôr a nu os limites históricos do capitalismo, e a despeito da luta e resistência dos povos, fortalece em plano mundial as forças conservadoras e reacionárias. São alvo desta “geopolítica da contenção” os Brics, e muito especialmente a China, e países como Rússia, Irã, além de vários países da América Latina. A intervenção aberta da Otan nos conflitos da Ucrânia, e as sanções econômicas dos Estados Unidos e da União Europeia contra a Rússia constituem um verdadeiro cerco visando “estrangulá-la”, que objetivamente busca debilitar um dos principais vértices dos Brics.
O Brasil é atingido, em pelo menos dois movimentos reativos da Casa Branca: ações para enfraquecer as articulações dos Brics em termos de criar um novo arranjo de cooperação entre grandes nações em desenvolvimento e por uma nova ordem mundial, e a interveniência em países da América Latina para tentar derrotar o ciclo progressista, popular e patriótico, iniciado em 1998 com a vitória de Hugo Chávez na Venezuela e reforçado com a vitória de Luiz Inácio da Silva no Brasil, em 2002, e mais os êxitos no Uruguai, Bolívia, Argentina, Equador, Nicarágua, El Salvador, dentre outros.
Desde o final de 2013 as forças de esquerda e progressistas venceram as eleições presidenciais no Chile, em El Salvador, na Bolívia, no Brasil e no Uruguai. Essas vitórias políticas e o avanço do processo de integração continental propiciaram melhores condições para as lutas dos povos latino-americanos e caribenhos. É o caso das vitórias recentes de Cuba, com o retorno dos 5 heróis a Havana e o anúncio das negociações para normalizar as relações Cuba-EUA, após Barack Obama reconhecer o fracasso da tática de bloqueio econômico. E também é o caso do avanço recente das negociações de paz na Colômbia, entre as forças insurgentes e o governo.
Na América Latina e Caribe há uma escalada da direita e do imperialismo para tentar por um fim aos governos de esquerda e progressistas da região. Utilizam variados meios e novas e velhas táticas como a guerra midiática, a guerra econômica, a judicialização da política, os intentos de golpe de estado, as ameaças de agressão militar, o apoio e o financiamento externo da oposição, entre outros, para tentar lograr as “mudanças de regime” que almejam.
Note-se que três dos principais países da América do Sul, Argentina, Brasil, Venezuela, passam por situações políticas críticas e são alvos dessa investida neste momento. Cada um com singularidades, mas tendo em comum a forte influência de fatores externos. Na Argentina tentam judicializar a política com uma armação contra a presidenta Cristina Kirchner. Em relação à Venezuela bolivariana, o que se vê é um cerco brutal midiático, político e econômico que pode se agravar agora com novas sanções com a caracterização que o governo dos EUA faz da Venezuela como uma “extraordinária ameaça à segurança nacional e à política exterior dos Estados Unidos”.
No caso brasileiro, essa interferência do imperialismo ganhou visibilidade na espionagem da CIA em instituições e empresas do governo brasileiro, reveladas em 2013 – o que levou a presidenta Dilma a cancelar uma viagem oficial já marcada a Washington. Na campanha sucessória de 2014, organismos multilaterais hegemonizados pelos Estados Unidos, como é o caso do Fundo Monetário Internacional (FMI), e veículos da grande mídia, porta-vozes da oligarquia financeira, como é caso da revista britânica The Economist, se imiscuíram indevidamente no debate eleitoral em favor do candidatado tucano. Neste início de 2015, proliferam análises nos principais meios de comunicação globais, como The Economist,Financial Times ou Time, colocando o Brasil no alvo e até mesmo fazendo ilações sobre a interrupção do mandato da presidenta Dilma.
Em suma, a tentativa de desestabilização do governo Dilma, embora siga uma dinâmica muito própria da luta de classes no país, como será analisado adiante, faz parte, inegavelmente, de uma investida mais ampla do imperialismo para tentar derrotar o ciclo progressista já em vigor há mais de 16 anos na América no Sul.
Seria ingenuidade imaginar que o Brasil, um dos grandes países das Américas, não enfrentaria as reações da direita local e do imperialismo, que se opõem à estratégia de fortalecer a integração latino-americana, a exemplo do Mercado Comum do Sul (Mercosul), União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac); e de se aliar com outras nações em prol de uma nova ordem mundial, com os Brics e outras iniciativas. O imperialismo atua com ações próprias e prestando apoio aos setores mais poderosos das classes dominantes locais para tentar derrotar o ciclo dos governos Lula e Dilma.
A disputa política em torno dos rumos da América Latina e do Caribe, sobretudo da América do Sul, está sem desfecho certo e é cada vez mais acirrada. Cabe às forças populares e aos governos de esquerda e progressistas da região resistir à intensificação das pressões e agressões da direita e do imperialismo, defender a soberania da região e o princípio da América Latina como Zona de Paz (aprovada na Cúpula da Celac em Havana, Cuba, em janeiro de 2014), derrotar os intentos de golpe de estado e as ameaças de intervenção militar dos EUA, continuar vencendo as eleições e promovendo as reformas democráticas, e combater a crise econômica para garantir o desenvolvimento econômico e social.
Diante da crise capitalista mundial e dessas ameaças, é necessário aprofundar e acelerar o processo de integração solidária da América Latina e Caribe. Também é necessário impulsionar a unidade das forças populares na região e as ações de solidariedade internacional.
Carta Capital
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