sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Que revolução é esta?


Utopia: ao falar em um grande avanço, o ministro Lewandowski ignorou as irregularidades cometidas pela Lava Jato

por Mauricio Diaspublicado 23/10/2015 14h16, última modificação 23/10/2015 20h10

Carlos Humberto/STF
Ele cuidou de não citar Sergio Moro

Normalmente sereno e comedido, o ministroRicardo Lewandowski, ora presidente do Supremo Tribunal Federal, um dia desses comparou investigações e sentenças da Operação Lava Jato a transformações no País, semelhantes às mudanças provocadas por uma “revolução”.

Nessa perspectiva faltou a justa homenagem. O ministro não citou o juiz Sergio Moro, comandante dessa suposta “revolução”.

Lewandowski sustentou-se em algo de fato inédito no Brasil, onde, em regra, o braço da lei não alcança o que Patativa do Assaré chamou de “Brasil de cima”. Esse majestoso poeta popular olhava e falava a partir do “Brasil de baixo”.

Para sustentar a utopia, o presidente do Supremo apoiou-se principalmente nas numerosas sentenças, “algumas muito duras”, de “altos executivos já condenados a passar 15 ou 20 anos de cadeia”. 

A quimera do juiz, neste caso, é carregada mais por vaga esperança. 

Revolução como metáfora é um tanto estranha à história da sociedade brasileira, mais propensa a conciliar. Ela vale, no entanto, por uma razão provavelmente escapada ao ministro Lewandowski. 

A revolução deixa sempre atrás de si um rastro de violência. E ela pode ser encontrada na trajetória da Lava Jato se a operação for considerada uma “revolução” incruenta com vítimas de outra natureza. Eis um exemplo.

Recentemente, o ministro Teori Zavascki determinou a libertação de Alexandrino Salles, executivo da Odebrecht, preso há quatro meses, contrariando o pedido de manutenção da prisão feito pelo juiz Moro.

Zavascki justificou a decisão. Segundo ele, a prisão representa uma medida que “somente se legitima em situações em que ela for o único meio eficiente para preservar os valores jurídicos que a lei penal visa a proteger”.

O ministro acrescentou: “Fora dessas hipóteses excepcionais (...) representa simplesmente uma antecipação da pena, o que tem merecido censura pela jurisprudência desta Corte, sobretudo porque antecipa a pena para acusado que sequer exerceu seu direito constitucional de se defender”.

Tortura não é somente a punição que despedaça o corpo. Há também, como nesse caso, a que dilacera a alma ao ignorar direitos.

Por que teria o judicioso presidente do Supremo ignorado, em declarações, o tempo esticado de prisões preventivas, os vazamentos seletivos de informação e as numerosas delações premiadas que alcançam, em um só processo, um elenco inédito de delatores?

Com uma pitada de preocupação o ministro Marco Aurélio Mello observou, durante uma entrevista: “Eu nunca vi tanta delação. Que elas todas tenham sido espontâneas”.

Salvaguardado o mérito dos esforços de advogados de defesa, barrados por Moro e em outras instâncias do Judiciário, a correção de rumos, curiosamente, tem sido refletida em algumas vozes do STF e por certas decisões tomadas na Corte de Lewandowski. 

Esta é apenas uma pequena contradição na ordem das coisas.


Carta Capital

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