O único consenso entre os economistas é que não há consenso quanto ao patamar ótimo da dívida pública.
Pedro Rossi*
Não existe um numero ideal, nem explicação técnica razoável que defina um patamar ótimo para a dívida pública. A análise da experiência internacional mostra variados patamares de relação dívida/PIB e atitudes díspares quanto ao tratamento dado ao problema. O Japão tem dívida bruta superior à 200% do PIB e isso não parece ser um problema, já no Brasil, uma dívida próxima a 70% é alarmada por muitos com catastrófica e insustentável. O trabalho de Reinhart e Rogoff tentou propor um limite para a relação dívida/PIB acima do qual a economia passa a ter dificuldades, mas o mesmo perdeu crédito depois que um estudante americano descobriu que graves erros técnicos invalidam sua análise empírica. Sobre o tema, o único consenso entre os economistas é que não há consenso quanto ao patamar ótimo da dívida pública.
No Brasil, essa excessiva preocupação com o patamar da dívida é carregada por preconceitos ideológicos e por uma visão estreita sobre a relação entre Estado, moeda estatal e dívida pública. Por vezes, o debate político parece ignorar que um Estado soberano não quebra por conta de dívidas na sua própria moeda, que o mesmo se diferencia dos agentes privados e não incorre nas mesmas restrições para gasto e endividamento.
Nesse contexto, a proposta de limitar o nível da dívida do Estado é extremamente controversa. Além de carecer de justificativas teóricas, técnicas, estatísticas, essa medida engessaria o Estado em diversas frentes de atuação. Por exemplo, diante de uma crise financeira internacional, com a de 2008, o governo brasileiro não poderia usar um banco público como o BNDES para reagir à contração do crédito privado, pois essa intervenção implica em uso de recursos do tesouro e aumento da dívida bruta. Da mesma forma, o governo perderia espaço para uma política cambial de acumulação de reservas cambiais, uma vez que a essa acumulação implica no aumento de passivos em reais, pelo mecanismo de esterilização da base monetária doméstica. Vale lembrar que, nesse caso, o aumento da dívida bruta não piora a situação de solvência do Estado, uma vez que o aumento dos passivos tem como contrapartida um aumento de ativos em moeda forte.
Por fim, e muito importante, a implementação de um teto para dívida pública pode dificultar a atuação anticíclica da política fiscal. Ou seja, a política fiscal tem a importante tarefa de contrapor os movimentos acentuados do ritmo de atividade e deve ser guiada pelo objetivo de sustentar o crescimento econômico de forma a permitir o avanço das transformações estruturais inerentes ao processo de desenvolvimento. E, para a sustentação do crescimento, a orientação do gasto público é estratégica pois se trata de uma fonte autônoma de demanda agregada. O pressuposto implícito nesta tarefa é que o modo de produção capitalista tem mecanismos cíclicos endógenos e tende a gerar crises periódicas. Essas crises são da natureza do sistema capitalista, cujas decisões de produção são feitas sob incerteza e a realização da produção pode esbarrar na insuficiência de demanda. Tornar o regime fiscal mais rígido, com limites para a dívida, é negar essa concepção de capitalismo e de política fiscal.
*Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do Brasil Debate (www.brasildebate.com.br)
Carta Maior
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