domingo, 6 de dezembro de 2015

Um parlamento fora da democracia, por Janio de Freitas



POR FERNANDO BRITO · 06/12/2015



O fato de, aparentemente, faltar ao dueto Cunha-Oposição o número de votos necessários à abertura do processo de impeachment não pode obscurecer – ou impedir-nos de clarear – outro: a situação a que foi levada a Câmara dos Deputados brasileira é, neste momento, a negação de um equilíbrio democrático dos poderes republicanos.

A análise de Janio de Freitas, hoje, na Folha, é uma demonstração, límpida, do que a Casa se tornou não apenas sob o domínio de Eduardo Cunha, mas porque este contou com tolerância e até proteção – dentro e fora dela – para transformar o parlamento em arma de chantagem política.

Um poder marginal

Janio de Freitas, na Folha

É pouca –se houver alguma– a percepção de que já estamos fora do regime democrático. É a realidade, porém. Está negada a validade do sistema jurídico, essencial no regime democrático, que tem por base o respeito aos direitos fundamentais e aos deveres a que estão sujeitos não só cidadãos em geral, mas também os ocupantes dos poderes constituídos.

A situação da atual Câmara dos Deputados foge aos seus deveres e responsabilidades constitucionais. Estar sujeita à condução de um parlamentar a quem são imputados vários atos criminosos já configura anomalia incompatível com a condição de Poder Legislativo. Assim conduzida, a Câmara dos Deputados sequer consegue que o seu Conselho de Ética opine sobre ser admissível, ou não, uma investigação superficial das acusações de delinquência e crime ao presidente da Casa.

O que se tem passado na Câmara, ao longo de todo este primeiro ano de nova legislatura, não são os meros artifícios com que casas legislativas contornam dificuldades cronológicas, impasses regimentais e acordos problemáticos. São manipulações só possíveis com o uso impróprio do poder funcional, são pressões, são ameaças, punições à resistência e recompensas indevidas. Em grande parte, à sombra do desconhecimento público, pouco e quase sempre mal abastecido, a respeito, pelos meios de comunicação outra vez cedendo espaço do jornalismo a práticas partidárias/ideológicas –o que parecia ser passado já distante no serviço noticioso brasileiro.

Foi esta e foram outras tolerâncias interessadas, com muita contribuição de parlamentares destacados, que levaram a Câmara à sua situação atual. Ou seja, expeliram a Câmara dos Deputados para fora dos seus deveres e responsabilidades.

Em paralelo, o Ministério Público cumpre um papel semelhante ao de testemunha indiferente, com a posse inconsequente da documentação que lhe foi presenteada pelo trabalho investigatório de promotores suíços. Talvez o que lhe seja permitido esteja muito aquém do mínimo conveniente, mas se um senador foi preso por palavras que, umas, provaram-se balelas, outras, não foram levadas a fato algum, documentos incriminatórios devem servir para algo mais do que se saber existirem.

O presidente da Câmara é o segundo na linha de sucessão, elevado a presidente se o vice-presidente posto em exercício precisar afastar-se, em intervalo ou em definitivo. Só isso já indica a dimensão do que a atualidade degenerada da Câmara representa, na sua marginalidade.


Tijolaço

Nenhum comentário:

Postar um comentário