SEX, 23/06/2017 - 08:38
E o general falou...
por Fernando Horta
Eduardo Dias da Costa Villas Bôas é um grande acerto de Dilma, e só engrandece o país.
Uma vez, atendendo a um encontro no Itamaraty, tive a oportunidade de ouvir alguns dos mais importantes tomadores de decisão em Política Externa no Brasil. A certa altura do encontro, um coronel do exército brasileiro tomou a palavra e começou a falar em “dever”, “pátria”, “ideologia”, “esquerdismo”, “Venezuela” e terminava ligando “movimentos sociais” a “baderna”. Me recordo que a fala do coronel tornou a sala em que ocorria o evento, por alguns minutos, nauseabunda. Acredito que o mesmo discurso, hoje no Itamaraty, seria efusivamente aplaudido. Naquele encontro, em 2013, o breve, mas barulhento silêncio que seguiu ao coronel, foi cortado por um embaixador que disse textualmente: “Coronel, nós, democratas latino-americanos, quando vemos uma pessoa de uniforme, com este óculos “Top Gun” que o senhor tem no bolso, falar em “dever”, “ideologia” e “pátria” na mesma frase, nós temos um calafrio”. A fala do embaixador não apenas devolveu ao ambiente dinâmica como constrangeu o coronel de forma direta. O riso, mesmo contido, que tomou conta do salão ajudou a tornar o momento menos duro.
Nesta quinta feita (22), Villas Boas esteve no senado para falar sobre Relações Exteriores e Defesa Nacional. E o general não usou nenhuma das palavras acima, não usou clichês característicos das falas de oficiais mal preparados e deu um tremendo exemplo de um militar com alta capacidade analítica. O general usou conceitos como “identidade”, “imperialismo”, “anacronismo” e voltou a criticar o governo declarando que o Brasil está “à deriva, sem rumo”. O conhecimento do general a respeito de algumas questões teóricas de História impressiona tanto quanto suas posições a respeito do Brasil atual. Não me pegaria de surpresa se o comandante das forças armadas fosse substituído por Temer, pois claramente há um fosso entre o “ministério de notáveis” que cercam o vice-presidente e Villas Boas.
O ponto alto da fala do general, na minha opinião, é sua crítica àqueles que ainda estão na Guerra Fria. Gente que luta contra o “comunismo” e defende a “liberdade”. Este pessoal saiu de alguma “máquina do tempo que certamente foi produzida em inglês. Quem faz parte de listas de e-mails ou grupos de redes sociais envolvendo soldados, sargentos ou mesmo oficiais de baixa patente do exército brasileiro se apavora com o conteúdo. Um misto de ignorância e paranoia que ainda não conseguiu chegar ao século XXI e que refletem o atraso de pensamento destas pessoas. Dizem que durante o período de Hitler na Alemanha, a palavra “Deutschland”, dita em voz alta nas ruas, provocava minutos de histeria fascista em público. Nestes grupos, escrever “Cuba”, “Che Guevara” ou “Lula” provoca uma profusão de ofensas e agressões vexatória. Isto apenas mostra que o general é ainda mais meritório por não se deixar levar pelo “humor” da tropa, por não “jogar para a torcida”.
Villas Boas demonstra uma posição crítica e nacionalista sem cair no histerismo ufanista que durante tanto tempo caracterizou o exército brasileiro. Herança da “Escola das Américas” e do golpe de 1964. Como comandante militar da Amazônia que foi, o chefe das forças armadas brasileiras tem um “pé atrás” com ONGs, especialmente estrangeiras. Desconfiança que a esquerda responsável também partilha. O general reproduz um certo “senso comum” sobre ONGs que defendem as demarcações indígenas, mas isto não tira o acerto de sua postura. Uma das coisas mais importantes para o Brasil hoje seria uma legislação mais dura e de maior controle sobre ONGs e Think Tanks. Nisto seria proveitoso nos espelharmos nos EUA. A facilidade com que estas organizações atuam e são financiadas no Brasil é alarmante. Algumas acusadas de biopirataria, de tráfico de animais, de serem postos avançados de empresas estrangeiras, manipularem processos políticos e etc., e que continuam operando em nosso país.
Há uma boa discussão a ser feita sobre o modelo de inserção da Amazônia no país. Todavia, o general precisa e tem bagagem para ser ouvido. A ideia dele de que o “desenvolvimento” ajudaria a “proteger” a natureza ou mesmo a sua posição de que os índios são os “principais prejudicados” dentro do modelo de ação do governo para a região precisam ser aprofundadas e questionadas para chegarmos a uma postura mais sólida a respeito da afirmação de que a Amazônia valeria cerca de 23 trilhões de reais. A ideia de Temer de vender terras a estrangeiros certamente namora com este número. É mais uma das inúmeras péssimas iniciativas que o “staff” do vice-presidente tem colocado em votação.
Se, por um lado, sabemos que, para um país que não consegue disciplinar seus policiais a não matarem ou torturem seus cidadãos e que não consegue chegar a um consenso sobre a necessidade da participação popular para o retorno da democracia, exigir um “plano de inserção” para a região amazônica soa distante e quase infactível. Por outro, lado saber que existe um militar da capacidade e conhecimento de Villas Boas no comando do Exército é um alívio em tempos tão bicudos.
Durante o período da ditadura civil militar (64-85), a intelectualidade civil apelidou a “linha castelista” do exército de “pessoal da Sorbonne”. A fina ironia desnudava a total falta de capacidade técnica e conhecimento que era característica dos oficiais “de caserna” da “linha dura”. A comparação entre estes dois grupos de militares, mostrava a “linha dura” claramente despreparada para outra função que não a militar. Assim, o grupo apoiador do general Castelo Branco destacava-se do anterior de forma tão evidente que – ironicamente – parecia que eram oriundos da “Sorbonne”, a universidade ícone da intelectualidade ocidental da época. Pode-se dizer que hoje nosso general comandante tem um pensamento mais progressista, sólido e acurado que qualquer dos “notáveis” que nos governam por indicação de Temer. Em tempos em que o Papa é mais progressista que roqueiros brasileiros da década de 80, Villas Boas faz história.
Jornal GGN
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