quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Emergentes em pé de guerra contra a política monetária dos EUA
Autoridades das maiores economias da América Latina e da Ásia criticaram nesta quinta-feira a decisão do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de injetar centenas de bilhões de dólares na economia norte-americana a pretexto de estimular o crescimento.
A iniciativa unilateral de Washington inviabiliza um acordo significativo para reduzir os desequilíbrios globais na reunião do G20 na semana que vem. "Todo mundo quer que a economia americana se recupere, porém não adianta ficar jogando dólar de helicóptero", criticou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em Brasília.
É duvidoso que a política do Fed reanime a combalida economia estadunidense, que ainda não superou a grande recessão iniciada no final de 2007. Mas a instabilidade monetária no mundo é uma consequência atestada pelos fatos. Os efeitos disto tendem a ser danosos para a economia e a geopolítica mundial, pois o dólar ainda desempenha as funções de moeda nacional, as emissões inflacionárias do Fed acirram a chamada guerra cambial e esta tende a se desdobrar em guerra comercial e conflitos políticos mais relevantes e perigosos.
Críticas no G20
Mantega disse que o Brasil utilizará o encontro do G20 como um fórum para reclamar da decisão do Fed de comprar mais US$ 600 bilhões em títulos do governo norte-americano.
Segundo o ministro, é improvável que tal medida estimule o crescimento da economia global, podendo, por outro lado, agravar os desequilíbrios mundiais, preocupação também compartilhada pela China.
Outra crise é inevitável
"Enquanto o mundo não exercer restrição à emissão de moedas de reserva como o dólar --e isso não é fácil--, a ocorrência de outra crise é inevitável", escreveu Xia Bin, assessor do banco central da China, em um jornal administrado pela autoridade monetária.
Reclamações sobre a política monetária dos EUA também partiram dos países imperialistas. O ministro da Economia alemã, Rainer Bruederle, afirmou estar preocupado com o fato de os Estados Unidos tentarem estimular o crescimento injetando liquidez na economia. Sua colega francesa, Christine Lagarde, disse que a reação das economias emergentes mostra a necessidade de reformas.
O presidente do BCE (Banco Central Europeu), Jean-Claude Trichet, disse estar confiante em que os EUA ainda apoiam um dólar forte.
Controle do capital estrangeiro
A guerra cambial se traduz, concretamente, na ação descoordenada das autoridades econômicas em vários países para evitar a valorização excessiva de suas moedas e proteger a competitividade da indústria local. Com isto, alguns renitentes dogmas do neoliberalismo, como o câmbio flutuante e a liberdade de movimento dos capitais estrangeiros, são abandonados.
O Ministério das Finanças da Coreia do Sul disse que irá considerar “agressivamente” a adoção de controles de capital, enquanto o secretário de Comércio Exterior do Brasil, Welber Barral, afirmou na véspera que o movimento do Fed pode gerar outras medidas.
Por aqui, o câmbio flutuante ainda goza de grande reputação no Palácio do Planalto. Não seria hora de mudar a orientação e mirar o exemplo da China, Argentina e outros países que submetem as cotações de suas moedas em relação ao dólar a rigoroso controle? Só agora a equipe econômica decidiu restringir, através do IOF, o ingresso de capitais de curto prazo, mas as medidas adotadas neste sentido revelam-se paliativas, insuficientes para conter o fluxo especulativo de dólares na economia. É preciso ir além disto e também neste caso vale estudar a política chinesa.
Cada um por si
Diante do unilateralismo dos EUA, que têm a responsabilidade pela emissão da moeda mundial, mas agem de forma irresponsável, olhando para o próprio umbigo e sem medir as consequências de suas ações para o mundo, é natural que cada nação busque uma saída individual para a crise, seguindo o caminho recomendado pelo velho ditado: cada um por si e o diabo por todos.
A Tailândia levantou a possibilidade de uma ação conjunta para combater a enxurrada de dólares que deve entrar nos mercados emergentes. "O presidente do banco central confirmou discussões com bancos centrais de países vizinhos, que estão prontos para impor medidas juntos se for necessário para conter o possível fluxo de capital especulativo na região", afirmou o ministro das Finanças, Korn Chatikavanij.
Uma autoridade sênior de Finanças da Índia, que preferiu não ser identificada, disse que, embora os EUA tenham o direito de estimular sua economia, outras nações também devem proteger seus interesses.
O chinês Xia acrescentou no Financial News que Pequim irá perseguir seus próprios interesses, dizendo que 'precisamos pensar 'o que é bom para nós''.
O Brasil anunciou medidas nas últimas semanas para conter a apreciação do real. O México disse que está monitorando de perto sinais de excesso de liquidez no país.
O Chile, embora não seja membro do G20, anunciou novos limites para investimento estrangeiros em fundos de pensão numa tentativa de frear a apreciação do peso.
Sem compromissos multilaterais
"Esse não me parece o tipo de ambiente no qual qualquer país se comprometerá com metas", disse o estrategista cambial do Credit Suisse, Olivier Desbarres. Diante da notícia de que o Fed injetaria mais 600 bilhões de dólares na economia, comprando títulos do Tesouro, as Bolsas de Valores subiram em todo o mundo ao maior nível em mais de dois anos, antes do colapso do banco de investimento Lehman Brothers.
O Ibovespa se aproximava dos 73 mil pontos, na expectativa de recuperação da chamada economia mundial. Mas o dólar, por sua vez, recuou fortemente ante outras moedas e desabou diante do real, sendo cotado no fechamento a 1.67.
Os fluxos de dinheiro para países em desenvolvimento têm sido maciços. O capital para fundos de mercados emergentes alcançou US$ 46,4 bilhões neste ano até a quarta semana de outubro, ante US$ 9,4 bilhões em todo o ano de 2009, de acordo com a EPFR, que monitora os ativos globais.
Os países temem não somente o fato de que os fluxos de capital impulsionem suas moedas, mas também que esse dinheiro possa ser acompanhado de bolhas de investimento nos mercados emergentes.
O G20 se depara provavelmente com o maior desafio de sua curta existência. Mas parece muito pouco provável que a reunião dos presidentes em Seul na próxima semana aponte uma solução, interrompendo a guerra cambial e obstruindo o caminho para conflitos comerciais mais sérios.
Portal Vermelho
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