sexta-feira, 1 de julho de 2011

Maurício Dias em Carta Capital

A ditadura continua

Natal: Aqui continuam os efeitos do golpe. Foto: Henrique Trajano/FAB

As regras dos quartéis podem ser incompatíveis com as regras da Constituição?

A resposta deveria ser não. Mas, no Brasil, duas décadas e meia após o fim do regime militar, a resposta é sim. Por descaso ou omissão superior e, pior ainda, talvez por legado autoritário, as “leis” na caserna estão em constante rota de colisão com certas práticas essenciais à democracia.

Um exemplo recente ocorreu na quarta-feira 22, na Base Aérea de Natal (RN). Essa organização militar foi criada, em 1942, para dar sustentação à luta, travada em nome da democracia, do acordo dos aliados contra as tropas nazistas que ocupavam o Norte da África. A gravidade do episódio, à margem dessa ironia histórica, está no relato do confronto com o autoritarismo travado por Lorena Costa, defensora pública federal, titular do 2º Ofício Criminal, no Rio Grande do Norte. Eis um resumo do que ela descreveu e encaminhou aos integrantes da Defensoria Pública da União (DPU):

“Tive as minhas prerrogativas funcionais totalmente desrespeitadas por sargentos, tenentes e o coronel da Base Aérea, uma vez que fui impedida de visitar um assistido em razão de ter me negado a realizar revista, na qual teria de ficar nua perante uma sargento (…).

A esposa do assistido afirmou que vai visitá-lo e é submetida à revista na qual tem de ficar nua, se agachar e fazer força, por três vezes seguidas, a fim de verificar se carrega consigo algo suspeito (…) como estava muito desesperada, ficou temerosa de retornar ao local, e virar alvo de abusos outros, eu me comprometi a acompanhá-la.

Assim que cheguei ao local, me apresentei como defensora pública da União e fui acompanhada por um sargento – Júnior – até uma sala. Lá entrando, a sargento – Érika – me perguntou se conhecia os procedimentos de revista e me disse que eu teria de ficar nua. Acho que perdi a fala, de tanta indignação (…) ela chamou outro sargento – Félix. Relatei as prerrogativas da minha função. Ele distanciou-se e foi ligar para um tenente. Após uns vinte minutos, voltou e disse que era ‘norma da casa’ e que, se eu não realizasse a revista, não poderia ter a entrevista com o assistido.

Pedi então para que me fornecesse uma declaração de que tinha sido impedida de ter contato com o preso por ter me negado a realizar a revista, além de me apresentar a norma que me obrigaria a tal dever ‘legal’. Claro que ele se negou, tendo eu pedido para falar com o dito tenente.

Esperei mais uma meia hora. Fiz para o tenente – Gabriel – o mesmo discurso (…) ele insistiu na negativa, afirmando que havia recebido orientação do setor jurídico. Continuei argumentando sobre a inconstitucionalidade (…) ele se afastou para ligar para um coronel – Lima Filho – (…) voltou e disse que, definitivamente, eu não poderia conversar com o preso.

(…) Fiquei estarrecida com a situação. Não resisti à medida apenas pelo fato de ser defensora pública, mas, sobretudo, na qualidade de cidadã livre e que vive sob a égide de um Estado Democrático de Direito, no qual não há mais espaço para abusos como esse, contra ninguém e por nenhuma ‘autoridade’.

Nunca tinha visitado um estabelecimento pertencente às Forças Armadas, mas senti que a ditadura por lá ainda não acabou e não se teve notícia da Constituição Federal de 1988”.

Andante Mosso: Notas sobre os principais acontecimentos da semana

Engavetador

Gurgel: A depender dele, mais fácil condenar um general que atropelou um tatu do que aquele que assassinou um seu comandado. Foto: Renato Araijo/ABR

Com chances de ser reconduzido ao cargo, o que poderá ocorrer em julho, o procurador-geral da República Roberto Gurgel deveria comprometer-se a despertar do sono um ofício que dormita na gaveta da Procuradoria.

O documento sobre a inconstitucionalidade do foro privilegiado para os generais, nos casos de crimes militares, dormita na PGR desde 2007.

Cômico e trágico na história é que, se um general matar um tatu, será processado no juízo comum por crime ambiental, mas, se matar um soldado, é julgado pelo Superior Tribunal Militar. É mais fácil ser condenado pela morte do tatu.

Saga de Marina

Aliados da ex-senadora Marina Silva anunciam o desligamento dela do PV, em razão de conflitos com a direção paulista do partido.
Há muitas questões em jogo, inclusive um fundo partidário superior a 5 milhões de reais.

Dissidente mais uma vez, a ex-petista está disposta para um novo embate presidencial em 2014 com a equivocada confiança de que dispõe do estoque de 20 milhões de votos, que conquistou no primeiro turno de 2010.

Não há nenhum parlamentar verde disposto a mudar de partido e perder o mandato.

Energizante

Gigante do setor elétrico, a CPFL, controlada pela Previ, Camargo Corrêa e Votorantim, vai ganhar mais musculatura.

Até julho, acerta a compra da Multiner, empresa de geração de energia elétrica sediada no Rio de Janeiro, dona de quase uma dúzia de empreendimentos em cinco estados com capacidade de 4 mil megawatts.

É negócio da ordem de 1 bilhão de reais.

Um dos sócios é a BVA Empreendimentos, que, com a venda, pretende concentrar-se na área de shoppings e financeira.

Impacto zero

Eis a chave acaciana para que as partes interessadas aprovem o novo Código Florestal:

Nem tanto ao mato, nem tanto à terra.

Forró cearense

As eleições de 2012 reabrem o conflito entre o governador Eduardo Campos (PE), presidente do PSB, e o grupo de Ciro Gomes e o irmão dele, Cid, governador cearense.

Eliane Novais, deputada estadual do PSB, apresentou-se como pré-candidata à prefeitura de Fortaleza com apoio da prefeita petista Luizianne Lins.

Cid Gomes, do PSB, apoia o petista Camilo Santana.

Número aziago

O governador Sérgio Cabral, em fase de inferno astral, deve anunciar nos próximos dias o fechamento do 13º Batalhão da Polícia Militar.

O quartel ocupa um espaço privilegiado no entorno da histórica Praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro.

A decisão agrada à especulação imobiliária e desagrada profundamente ao forte comércio local, que já se articula contra a decisão.

Kátia vezes Kátia

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a senadora Kátia Abreu assumiu também a Federação da Agricultura e Pecuária do
Estado de Tocantins (Faet).

Como a federação é filiada à confederação, ela subordina e é subordinada de si mesma.

Recentemente, Kátia transitou do DEM, em demolição, para o PSD, em construção. Partido que pode vir a presidir.

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