13 de setembro de 2014 | 08:22 Autor: Fernando Brito
Leiam o artigo que o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman escreveu “especialmente” para o Brasil.
“Especialmente”, porque é quase só substituir os personagens que ele cita, o país do qual trata, e os programas sociais que ele procura defender da sanha financista, e teremos um texto quase pronto para responder à onda que se levanta na mídia a partir do “mundo dourado do capital”, que Marina fez ver com sua proposta de retirar do controle público o Banco Central do Brasil.
Até mesmo na devoção “religiosa” com que certos personagens se entregam à crença de que é a ortodoxia fiscal, a impiedade dos cortes dos gastos sociais e a renúncia ao investimento desenvolvimentista as únicas orações capazes de nos livrar do “demônio da inflação”.
A sociedade – leia-se, os pobres – deve pagar o dízimo voraz dos juros altos e os miseráveis devem jejuar, quase que literalmente, em nome da salvação.
Que, naturalmente, não vem, como não veio a messe senão para o capital financeiro, aquele que não emprega, não produz, não desenvolve.
Leiam o artigo que o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman escreveu “especialmente” para o Brasil.
“Especialmente”, porque é quase só substituir os personagens que ele cita, o país do qual trata, e os programas sociais que ele procura defender da sanha financista, e teremos um texto quase pronto para responder à onda que se levanta na mídia a partir do “mundo dourado do capital”, que Marina fez ver com sua proposta de retirar do controle público o Banco Central do Brasil.
Até mesmo na devoção “religiosa” com que certos personagens se entregam à crença de que é a ortodoxia fiscal, a impiedade dos cortes dos gastos sociais e a renúncia ao investimento desenvolvimentista as únicas orações capazes de nos livrar do “demônio da inflação”.
A sociedade – leia-se, os pobres – deve pagar o dízimo voraz dos juros altos e os miseráveis devem jejuar, quase que literalmente, em nome da salvação.
Que, naturalmente, não vem, como não veio a messe senão para o capital financeiro, aquele que não emprega, não produz, não desenvolve.
Mas manda.
Paul Krugman
Como eu queria ter dito a mesma coisa! No começo da semana, Jesse Eisinger, da ProPublica, em post no blog DealBook, do “New York Times”, comparou as pessoas que preveem uma disparada da inflação aos “verdadeiros crentes cuja fé em um apocalipse profetizado persiste mesmo depois que este não se concretiza”. Verdade.
Aqueles que fazem previsões econômicas erram muitas vezes. Eu também! Se um economista jamais faz uma previsão incorreta, isso significa que não está assumindo os riscos que deveria. Mas é menos comum que supostos especialistas continuem a fazer a mesma previsão errada ano após ano, jamais admitindo ou tentando explicar seus passados erros. E o mais notável é que esses sabichões, sempre errados mas jamais em dúvida, continuam a exercer grande influência pública e política.
Há alguma coisa acontecendo aqui. E não está claro exatamente o quê. Mas como sabem meus leitores regulares, tenho tentado descobrir, porque considero importante compreender a persistência e o poder do culto à inflação.
De quem estamos falando? Não só dos apresentadores gritalhões da CNBC, ainda que eles certamente sejam parte do problema. Rick Santelli, famoso por sua diatribe em defesa do Tea Party em 2009, passou boa parte daquele ano gritando que a inflação descontrolada estava por chegar.
Não estava, mas sua linha jamais mudou. Dois meses atrás, ele disse aos seus telespectadores que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) estava se “preparando para a hiperinflação”.
É fácil descartar figuras como Santelli, alegando que elas basicamente são parte do mundo do entretenimento. Mas muitos investidores não parecem concordar com isso. Ouvi de administradores de fundos – ou seja, de investidores profissionais – que a calmaria da inflação os surpreendia, porque “todos os especialistas” haviam previsto uma alta.
E não é fácil descartar o fenômeno do apego obsessivo a uma doutrina econômica fracassada quando você o vê em importantes figuras políticas. Em 2009, o deputado federal Paul Ryan alertou sobre a “sombra da inflação que pende sobre nós”. Ele reconsiderou sua posição quando a inflação continuou baixa? Não, continuou alertando, ano após ano, sobre a iminente “degradação” do dólar.
E há mais: você encontra a mesma história ao estilo “dia da marmota” ao estudar os pronunciamentos de economistas aparentemente respeitáveis. Em maio de 2009, Allan Meltzer, economista monetário conhecido e historiador do Federal Reserve, escreveu um artigo de opinião para o “New York Times” no qual advertia que uma alta acentuada na inflação estava iminente a não ser que o Fed mudasse de rumo.
Ao longo dos cinco anos que se seguiram, o indicador de preços preferencial de Meltzer subiu em ritmo anualizado de apenas 1,6%, e sua resposta surgiu na forma de um novo artigo de opinião, este publicado pelo “Wall Street Journal” e intitulado “como o Fed alimenta a inflação”.
Assim, o que está acontecendo quanto a isso?
Já escrevi antes sobre como os ricos tendem a se opor à política monetária frouxa, percebendo-a como inimiga de seus interesses. Mas isso não explica os atrativos continuados de profetas cujas profecias sempre fracassam.
Parte do apelo é claramente político: existe um motivo para a gritaria de Santelli sobre a inflação e sobre o dinheiro que o presidente Obama dá aos “perdedores”, e para que Ryan alerte sobre uma moeda degradada e um governo que redistribui “dos que fazem para os que aproveitam”.
Os adeptos do culto à inflação quase sempre vinculam as políticas do Fed a queixas sobre os gastos do governo. Estão completamente errados quanto aos detalhes – não, o Fed não está imprimindo dinheiro para cobrir o deficit orçamentário -, mas é verdade que governos cujas dívidas são denominadas em uma moeda que eles podem emitir têm mais flexibilidade, e portanto mais capacidade de manter a assistência às pessoas que dela necessitem, do que governos que não contam com essa capacidade.
E a raiva contra os “aproveitadores” – uma raiva fortemente vinculada a divisões culturais e étnicas – é profunda. Muita gente, portanto, sente afinidade para com os homens que gritam sobre a disparada iminente da inflação; Santelli é o tipo de cara de que essas pessoas gostam.
Em um sentido importante, eu argumentaria, o culto à inflação é um exemplo da “fraude de afinidade” crucial para muitas trapaças, nas quais os investidores confiam no trapaceiro porque sentem que ele é parte de sua tribo. Nesse caso, os trapaceiros podem estar se trapaceando tanto quanto trapaceiam aos seus seguidores, mas isso pouco importa.
Mas e quando aos economistas que aderiram ao culto? Eles são todos conservadores, mas não são também profissionais que deveriam colocar as provas concretas acima da conveniência política? Aparentemente não.
A persistência do culto à inflação, portanto, é um indicador de até que ponto nossa sociedade se polarizou, de como tudo se tornou político, mesmo entre as pessoas que supostamente deveriam se colocar acima dessas coisas. E essa realidade, ao contrário do suposto risco de uma inflação descontrolada, é algo que deveria nos assustar.
(tradução de Paulo Migliaccio, na Folha)
Tijolaço
Nenhum comentário:
Postar um comentário