Ao defender a regulação da mídia, o novo ministro das Comunicações vira o principal alvo da Esplanada
por André Barrocal — publicado 12/01/2015 06:35, última modificação 12/01/2015 14:16
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ricardo Berzoini não chega com uma proposta pronta, quer debater o assunto
Entre uma no cravo e outra na ferradura, Dilma Rousseff escolheu Ricardo Berzoini para o Ministério das Comunicações. Ao assumir o cargo, o novo ministro afirmou que uma de suas prioridades será debater novas regras para os meios de comunicação frutos de concessão pública, tevê e rádio basicamente. É uma mudança de postura do governo em relação ao primeiro mandato. Ao assumir em 2011, a presidenta empossou no cargo Paulo Bernardo. Ambos, presidenta e ministro, irmanaram-se na falta absoluta de vontade de levar o tema adiante e o resultado foi o engavetamento de uma proposta elaborada no fim do segundo mandato de Lula por Franklin Martins.
É cedo para saber se haverá medidas de fato, mas Berzoini está convencido da necessidade de abrir a radiodifusão à entrada de outros produtores de ideias e informações, a fim de ampliar a diversidade de pontos de vista em circulação. Em seu discurso de posse, assinalou que a democracia também significa “o direito de construir um conjunto de ideias e poder transmiti-lo livremente”. Visão parecida com aquela que levou o Uruguai a aprovar em dezembro uma nova lei de mídia. Um deputado uruguaio resumiu assim a necessidade de legislação: “O controle remoto por si só não dá liberdade se do outro lado não houver pluralidade”.
Em conversas reservadas, Berzoini mostrou simpatia à aplicação de normas da Constituição nunca tiradas do papel, entre elas o veto a monopólios e oligopólios e a proibição de congressistas serem donos de concessões. E deu mostras de crer que o debate deveria ir além do aspecto econômico-empresarial e alcançar o conteúdo, conforme previsto em certos dispositivos constitucionais, como aquele que garante cotas de produção regional na programação das emissoras. A fronteira econômica foi delimitada por Dilma durante a eleição, mas talvez a presidenta possa ser convencida a encampar um debate mais amplo.
Apesar das simpatias, Berzoini não tem uma proposta pronta. Planeja reunir-se à exaustão com empresários e movimentos sociais, para ouvir suas ideias, e promover seminários pelo País. Uma das primeiras iniciativas deve ser um encontro internacional com especialistas dos Estados Unidos e da Europa. Pelo que se ouve no ministério, não se deve esperar resultados imediatos. A prioridade do governo em 2015 será a economia.
Berzoini não caiu de paraquedas no cargo. Nem no assunto. Quando fora nomeado por Dilma para comandar a articulação política do governo, em abril passado, corria em Brasília o rumor de sua indicação às Comunicações. Era o desejo do ex-presidente Lula, para quem a democratização da mídia tornou-se um dos temas mais importantes nos rumos políticos. A hipótese de Berzoini ser deslocado, se a presidenta fosse reeleita, pairava no ar.
Dilma passou semanas a dar pistas no Palácio do Planalto de que o manteria na Secretaria de Relações Institucionais. Só falou com Berzoini a respeito do remanejamento uma semana antes do Natal. Com a mudança, dizem assessores palacianos, a presidenta atendeu ao PT, defensor da regulação da mídia, e ficou livre para nomear para a articulação política um gaúcho, Pepe Vargas, afinado com o novo secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, outro oriundo dos Pampas.
Nas Relações Institucionais, Berzoini tinha uma agenda paralela voltada para as comunicações. Entre uma audiência e outra com deputados e senadores, encaixou dirigentes de emissoras de tevê e rádio e de associações de jornais. Por seu gabinete no Planalto passaram representantes da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), da Record, do SBT e da RBS, retransmissora da Globo no Sul.
Também se dedicava a estudar experiências internacionais. Adquiriu simpatia pelas leis americana e portuguesa. Os EUA seriam um bom modelo de regulação econômica. Contra a concentração, o país fixa limites de audiência às emissoras de tevê (39%), veta fusões entre as quatro maiores e proíbe uma empresa de controlar simultaneamente um canal, uma rádio e um jornal na mesma cidade. Portugal seria uma referência positiva na regulação do conteúdo. Lá, uma agência zela pela pluralidade de opinião, direito de resposta e pode até multar abusos.
As sinalizações iniciais de Berzoini foram recebidas com cautela pelos empresários da radiodifusão e com um otimismo moderado entre os partidários da democratização da mídia. O presidente da Abert, Daniel Slaviero, declarou que o setor quer conhecer as propostas do governo sobre regulação econômica e rechaça interferências no conteúdo. A entidade mudou de postura nos últimos anos e armou-se para encarar um debate que, até há pouco, preferia ignorar, certa de seu poder político. A Conferência Nacional de Comunicação, realizada no governo Lula em 2009, foi boicotada. Já com Dilma, a associação listou seus argumentos e botou-os na praça.
Em maio de 2013, o diretor de Relações Institucionais da entidade, Paulo Tonet Camargo, da Globo, foi a uma audiência pública com deputados munido de estatísticas segundo as quais a radiodifusão já seria desconcentrada economicamente e com o conteúdo regulamentado. Segundo ele, 39% das outorgas de tevês e 52% das de rádio pertencem a entidades não comerciais, enquanto a propaganda na televisão está restrita a 25% do tempo.
O fim do silêncio foi forçado não só pelo crescente apoio social a um novo marco regulatório, mas pelo fato de a ideia ter ganhado adeptos entre parlamentares, a quem caberia votar uma nova lei. Uma pesquisa feita em 2012 por uma das maiores assessorias de imprensa do País, a FSB, apurou que 40% dos congressistas apoiavam a regulação da mídia. Em 2013, eram 47%. Uma dor de cabeça para a Abert. Com o PT nas Comunicações desde 2011, as emissoras sentem-se sem aliados no governo e apelam a deputados e senadores para barrar iniciativas contra seus interesses. No atual Congresso, há cerca de 40 concessionários de rádio e tevê. No próximo, a bancada cairá para perto de 30.
Apesar do apoio de parte do Congresso à regulação da mídia, há parlamentares influentes na resistência. Eles se manifestaram tão logo Berzoini tocou no assunto. Candidato a presidente da Câmara e líder do governista PMDB, Eduardo Cunha afirmou ser “radicalmente contrário”. Candidato da oposição ao mesmo posto, o líder do PSB, Julio Delgado, disse que “não há o que debater”. Líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira avisou que o tema vai virar uma guerra entre governo e oposição e pregou um “combate sem trégua a essa tentativa criminosa”.
A hostilidade no Congresso não autoriza muito entusiasmo quanto à aprovação de uma nova lei. Mas, como Berzoini comenta reservadamente, a discussão pública do tema será um avanço, pela capacidade de despertar consciências. Pode facilitar, por exemplo, a obtenção de 1,4 milhão de assinaturas em favor de um projeto de lei de mídia democrática elaborado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). “Mesmo sem mexer na lei, o governo pode fazer muito para democratizar a comunicação usando os instrumentos existentes”, diz Bia Barbosa, uma das coordenadoras do FNDC. “Tomara que o novo ministro não se esconda atrás da dificuldade de aprovar uma nova lei.”
Entre uma no cravo e outra na ferradura, Dilma Rousseff escolheu Ricardo Berzoini para o Ministério das Comunicações. Ao assumir o cargo, o novo ministro afirmou que uma de suas prioridades será debater novas regras para os meios de comunicação frutos de concessão pública, tevê e rádio basicamente. É uma mudança de postura do governo em relação ao primeiro mandato. Ao assumir em 2011, a presidenta empossou no cargo Paulo Bernardo. Ambos, presidenta e ministro, irmanaram-se na falta absoluta de vontade de levar o tema adiante e o resultado foi o engavetamento de uma proposta elaborada no fim do segundo mandato de Lula por Franklin Martins.
É cedo para saber se haverá medidas de fato, mas Berzoini está convencido da necessidade de abrir a radiodifusão à entrada de outros produtores de ideias e informações, a fim de ampliar a diversidade de pontos de vista em circulação. Em seu discurso de posse, assinalou que a democracia também significa “o direito de construir um conjunto de ideias e poder transmiti-lo livremente”. Visão parecida com aquela que levou o Uruguai a aprovar em dezembro uma nova lei de mídia. Um deputado uruguaio resumiu assim a necessidade de legislação: “O controle remoto por si só não dá liberdade se do outro lado não houver pluralidade”.
Em conversas reservadas, Berzoini mostrou simpatia à aplicação de normas da Constituição nunca tiradas do papel, entre elas o veto a monopólios e oligopólios e a proibição de congressistas serem donos de concessões. E deu mostras de crer que o debate deveria ir além do aspecto econômico-empresarial e alcançar o conteúdo, conforme previsto em certos dispositivos constitucionais, como aquele que garante cotas de produção regional na programação das emissoras. A fronteira econômica foi delimitada por Dilma durante a eleição, mas talvez a presidenta possa ser convencida a encampar um debate mais amplo.
Apesar das simpatias, Berzoini não tem uma proposta pronta. Planeja reunir-se à exaustão com empresários e movimentos sociais, para ouvir suas ideias, e promover seminários pelo País. Uma das primeiras iniciativas deve ser um encontro internacional com especialistas dos Estados Unidos e da Europa. Pelo que se ouve no ministério, não se deve esperar resultados imediatos. A prioridade do governo em 2015 será a economia.
Berzoini não caiu de paraquedas no cargo. Nem no assunto. Quando fora nomeado por Dilma para comandar a articulação política do governo, em abril passado, corria em Brasília o rumor de sua indicação às Comunicações. Era o desejo do ex-presidente Lula, para quem a democratização da mídia tornou-se um dos temas mais importantes nos rumos políticos. A hipótese de Berzoini ser deslocado, se a presidenta fosse reeleita, pairava no ar.
Dilma passou semanas a dar pistas no Palácio do Planalto de que o manteria na Secretaria de Relações Institucionais. Só falou com Berzoini a respeito do remanejamento uma semana antes do Natal. Com a mudança, dizem assessores palacianos, a presidenta atendeu ao PT, defensor da regulação da mídia, e ficou livre para nomear para a articulação política um gaúcho, Pepe Vargas, afinado com o novo secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, outro oriundo dos Pampas.
Nas Relações Institucionais, Berzoini tinha uma agenda paralela voltada para as comunicações. Entre uma audiência e outra com deputados e senadores, encaixou dirigentes de emissoras de tevê e rádio e de associações de jornais. Por seu gabinete no Planalto passaram representantes da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), da Record, do SBT e da RBS, retransmissora da Globo no Sul.
Também se dedicava a estudar experiências internacionais. Adquiriu simpatia pelas leis americana e portuguesa. Os EUA seriam um bom modelo de regulação econômica. Contra a concentração, o país fixa limites de audiência às emissoras de tevê (39%), veta fusões entre as quatro maiores e proíbe uma empresa de controlar simultaneamente um canal, uma rádio e um jornal na mesma cidade. Portugal seria uma referência positiva na regulação do conteúdo. Lá, uma agência zela pela pluralidade de opinião, direito de resposta e pode até multar abusos.
As sinalizações iniciais de Berzoini foram recebidas com cautela pelos empresários da radiodifusão e com um otimismo moderado entre os partidários da democratização da mídia. O presidente da Abert, Daniel Slaviero, declarou que o setor quer conhecer as propostas do governo sobre regulação econômica e rechaça interferências no conteúdo. A entidade mudou de postura nos últimos anos e armou-se para encarar um debate que, até há pouco, preferia ignorar, certa de seu poder político. A Conferência Nacional de Comunicação, realizada no governo Lula em 2009, foi boicotada. Já com Dilma, a associação listou seus argumentos e botou-os na praça.
Em maio de 2013, o diretor de Relações Institucionais da entidade, Paulo Tonet Camargo, da Globo, foi a uma audiência pública com deputados munido de estatísticas segundo as quais a radiodifusão já seria desconcentrada economicamente e com o conteúdo regulamentado. Segundo ele, 39% das outorgas de tevês e 52% das de rádio pertencem a entidades não comerciais, enquanto a propaganda na televisão está restrita a 25% do tempo.
O fim do silêncio foi forçado não só pelo crescente apoio social a um novo marco regulatório, mas pelo fato de a ideia ter ganhado adeptos entre parlamentares, a quem caberia votar uma nova lei. Uma pesquisa feita em 2012 por uma das maiores assessorias de imprensa do País, a FSB, apurou que 40% dos congressistas apoiavam a regulação da mídia. Em 2013, eram 47%. Uma dor de cabeça para a Abert. Com o PT nas Comunicações desde 2011, as emissoras sentem-se sem aliados no governo e apelam a deputados e senadores para barrar iniciativas contra seus interesses. No atual Congresso, há cerca de 40 concessionários de rádio e tevê. No próximo, a bancada cairá para perto de 30.
Apesar do apoio de parte do Congresso à regulação da mídia, há parlamentares influentes na resistência. Eles se manifestaram tão logo Berzoini tocou no assunto. Candidato a presidente da Câmara e líder do governista PMDB, Eduardo Cunha afirmou ser “radicalmente contrário”. Candidato da oposição ao mesmo posto, o líder do PSB, Julio Delgado, disse que “não há o que debater”. Líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira avisou que o tema vai virar uma guerra entre governo e oposição e pregou um “combate sem trégua a essa tentativa criminosa”.
A hostilidade no Congresso não autoriza muito entusiasmo quanto à aprovação de uma nova lei. Mas, como Berzoini comenta reservadamente, a discussão pública do tema será um avanço, pela capacidade de despertar consciências. Pode facilitar, por exemplo, a obtenção de 1,4 milhão de assinaturas em favor de um projeto de lei de mídia democrática elaborado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). “Mesmo sem mexer na lei, o governo pode fazer muito para democratizar a comunicação usando os instrumentos existentes”, diz Bia Barbosa, uma das coordenadoras do FNDC. “Tomara que o novo ministro não se esconda atrás da dificuldade de aprovar uma nova lei.”
Carta Capital
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