domingo, 4 de junho de 2017

Janio de Freitas: Temer pode ter confessado um crime que ninguém disse que ele cometeu

DOM, 04/06/2017 - 16:03

Foto: Lula Marques/PT



Jornal GGN - Passou despercebido, mas no discurso parte da delação da JBS, Michel Temer deu duas informações importantes: primeiro, justificou o pagamento a Eduardo Cunha como um tipo de ajuda humanitária à família do ex-deputado, ou seja, não negou que parte da conversa com Joesley Batista dizia respeito a repasses a um preso da Lava Jato. Em segundo, e mais curioso, disse: "Não solicitei que isso acontecesse e somente tive conhecimento desse fato nessa conversa pedida pelo empresário". Temer rebateu um crime (o de solicitar o pagamento) que ninguém disse que ele cometeu, apontou Janio de Freitas, na Folha deste domingo (4).

Para o jornalista, o fato é que tudo indica que os pagamentos mensais a Eduardo Cunha e Lucio Funaro tinham o objetivo de mantê-los longe de tratativas em torno de delações premiada. O discurso de Temer, rebatendo a possibilidade de ter solicitado esse pagamento por Geddel Vieira Lima a Joesley Batista, mostra mais um caminho a ser trilhado pela Lava Jato.



"(...) cabe ao Supremo, à Polícia Federal e à Lava Jato explicar por que Joesley Batista e Michel Temer encontravam-se com igual necessidade [de ficar "de bem" com Cunha]", disse Janio.

Por Janio de Freitas

Na Folha

Temer contesta o que não foi dito: ninguém lhe atribuiu solicitação

Já que Michel Temer vive dias tão calorosos, sob mais acusações na semana encerrada e julgamento na que começa, vale retomar um tema suplantado, apesar da importância, pela autenticidade ou trucagem da gravação de Joesley Batista nos porões da noite presidencial. A essa dúvida, a perícia da Polícia Federal promete responder. O objeto da recomendação de Temer a Joesley, porém, ficou como questão em aberto.

O trecho crucial, exposto na íntegra da gravação publicada pela Folha em 22 de maio, é este:

"Joesley: [...] Negócio dos vazamentos do telefone lá...do Eduardo, com Geddel, volta e meio citava alguma coisa meio tangenciando a nós, a não sei o quê. Eu tô lá me defendendo. [inaudível] como é que eu...quê que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora? Eu tô de bem com Eduardo.

Temer: É, tem que manter isso, viu? [fica inaudível]

Joesley: [inaudível] todo mês."

As deduções proporcionadas por esse trecho se dividiram. "O Globo" lançou, já na notícia inicial sobre a gravação e transcrevendo o trecho, o entendimento de que Temer se refere aos pagamentos de Joesley a Eduardo Cunha, como compra de silêncio. De outra parte, inclusive na Folha, o trecho foi dado como referência obscura, imprecisa entre incentivo aos pagamentos ou a continuar "de bem".

Os dois protagonistas também se manifestaram: Joesley, em depoimento a procuradores da Lava Jato, quando falava dos pagamentos a Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, e sobre a conversa a respeito com Temer: "Eu ouvi do presidente, claramente, que era importante manter isso". A afirmação é repetida adiante, duas vezes no mesmo trecho do depoimento.

Temer, um tanto exaltado, na sua primeira contestação em TV: "Repito e ressalto, em nenhum momento autorizei que pagasse a quem quer que seja para ficar em silêncio". E ainda: "Ouvi realmente o relato de um empresário que, por ter relação com ex-deputado, auxiliava a família do ex-parlamentar. Não solicitei que isso acontecesse e somente tive conhecimento desse fato nessa conversa pedida pelo empresário".

Temer contesta o que não foi dito: ninguém lhe atribuiu autorização nem solicitação alguma. E dá aos pagamentos feitos por Joesley uma finalidade que o corruptor não mencionou na conversa gravada. Voltaria à contestação direta, no entanto formal, escrita com jeitão de assessoria.

Fosse um presidente isento de suspeitas e de referências acusadoras, saber se incentivara pagamento ou relação pessoal poderia merecer cautelas contemporizadoras.

Michel Temer é uma pessoa sob investigação da Polícia Federal, pretendendo escapar de um interrogatório decidido pelo Supremo Tribunal Federal, e sujeito a outras possíveis investigações criminais.

Se não pôde ou não quis enfrentar o interrogatório sem antes tentar burlá-lo, sabe-se o que leva a atitudes assim. Daí que a questão em aberto precisa ser reposta, pelo que pode dizer a respeito de um presidente que precisa ou não do silêncio de acusados de gravíssimas ilicitudes.

A percepção do "Globo", a meu ver, não estava errada. Por isto: Joesley Batista estava "de bem" com Eduardo Cunha em razão de pagamentos ("todo mês"?); logo, manter-se "de bem" era manter os pagamentos.

Portanto, a recomendação de Temer, estivesse dirigida a manter os pagamentos ou a manter-se "de bem", dizia a mesma coisa, buscando o mesmo fim.

Como os pagamentos e estar "de bem" não tinham outro propósito senão o de comprar o silêncio de Eduardo Cunha (e o de Lúcio Funaro, este ao custo de R$ 400 mil por mês), cabe ao Supremo, à Polícia Federal e à Lava Jato explicar por que Joesley Batista e Michel Temer encontravam-se com igual necessidade.



Jornal GGN

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