23/02/2015
por Breno Altman
O respeito da presidente Dilma Rousseff à autodeterminação do povo venezuelano merece ampla solidariedade.
Nos últimos dias, múltiplas vozes, da oposição de direita ao presidente da Câmara dos Deputados, da velha mídia a intelectuais de aluguel, exigem que o governo brasileiro condene a prisão de Antonio Ledezma, prefeito de Caracas.
Os argumentos que esgrimem, em geral, ferem a verdade dos fatos.
Os procuradores Katherine Harington, Yeison Moreno e José Orta apresentaram denúncia e pediram a detenção do prócer oposicionista seguindo todos os trâmites constitucionais.
Golpista de primeira hora em 2002, quando a direita tentou derrubar Chávez, Ledezma foi denunciado por um dos oficiais acusados pelos protestos violentos do ano passado.
A propósito, a mesma imprensa que celebra as prisões determinadas pelo juiz Sergio Moro como instrumento para arrancar delações premiadas na Operação Lava Jato, agora trata de impugnar a confissão do coronel José Arocha Pérez, pois teria sido obtida enquanto estava preso.
Meios de comunicação ligados a direita também inventaram agressões contra Ledezma no momento de sua detenção, logo desmentidas por testemunhas da própria oposição.
São vastos os indícios, de toda forma, que vinculam o prefeito à conspiração de civis e militares que planejava encurtar, na marra, o mandato de Maduro. Caberá a Justiça decidir se é ou não culpado dos crimes que lhe são imputados. Com a mesma legitimidade que tribunais brasileiros julgarão a Operação Lava Jato.
A bem da verdade, nenhum país democrático do planeta aceitaria trama desse tipo sem reagir e sem tomar as medidas legais cabíveis.
O falecido presidente Hugo Chávez, depois da intentona sofrida há quase treze anos, abriu mão de apresentar denúncias que levassem à punição dos violadores da Constituição. Imaginava que era gesto de paz necessário para ultrapassar aquela etapa de conflitos que recortava a Venezuela.
Iludiu-se acerca da natureza de seus opositores.
A guilda de políticos e militares fascistas continuou em ação. Da paralisação petroleira de 2003 à violência nas ruas de 2014, as mesmas serpentes permaneceram atuando.
Outro fator imutável, desde então, é o apoio dos Estados Unidos, sob gestão republicana ou democrata, a movimentos que possam atropelar a revolução bolivariana.
Nicolás Maduro aprendeu a lição e resolveu reagir à altura, com todos os instrumentos que a legalidade permite.
Cumpre sua função de defender a Constituição, a democracia e a soberania nacional.
Com a mesma firmeza que Abraham Lincoln o fez quando escravocratas do sul se ergueram contra a União.
Maduro também sabe, por outro lado, que o jogo vai além das fronteiras de sua nação.
Não há dúvidas a respeito: isolar e derrotar o governo venezuelano é a bola da vez na estratégia norte-americana para recuperar hegemonia na América Latina.
Outras administrações também são alvos de operações desestabilizadoras – como é o caso da Argentina e, em certa medida, também o do Brasil.
Mas sobre Caracas é a ofensiva mais relevante.
Não se trata apenas de disputa pelo controle das riquezas naturais, especialmente o petróleo e o gás.
O tema primordial é geopolítico.
De todas experiências progressistas desse início de século, a mais antagonista ao capitalismo tem lugar na Venezuela, o que é suficiente para despertar temor e ódio entre os senhores do mundo. Apesar de seus graves problemas e dificuldades.
A derrocada do chavismo seria decisiva para desidratar Equador, Bolívia e Nicarágua, além de enfraquecer Cuba.
De quebra, reforçaria o papel regional da Colômbia de Santos.
Também induziria o Chile a consolidar sua opção preferencial pelo eixo da Aliança do Pacífico, debilitando a competitividade do Mercosul.
A União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), entidades políticas através das quais o subcontinente articula a construção de seu espaço autônomo, perderiam muito de sua densidade e capacidade de ação.
O México e a América Central seriam, com rapidez e profundidade ainda maiores, costurados à órbita da Casa Branca.
A Argentina e o Uruguai, com o enfraquecimento do bloco histórico progressista, estariam praticamente por sua própria conta, vulneráveis à pressão por tratados de livre comércio que os condenaria de vez a uma economia agro-exportadora.
O Brasil poderia ver sua liderança ser definitivamente esvaziada, diante do bloqueio potencial para a consolidação de uma zona político-econômica naturalmente impulsionadora do desenvolvimento nacional. Com eventual dispersão dos Estados que comungam do mesmo projeto regional, recolhido à entropia, o próprio processo brasileiro, já debilitado por seus próprios limites internos, poderia entrar em colapso.
A contra-ofensiva imperialista conseguiria, desta maneira, o desenlace positivo em sua política de reconquista.
Como se pode ver, são razões suficientes para a presidente brasileira rechaçar os críticos da política internacional petista, na sua maioria aves de rapina cujo ninho ideológico está ao norte do continente.
Breno Altman é diretor
Brasil 247
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