QUI, 09/04/2015 - 06:37
ATUALIZADO EM 09/04/2015 - 06:44
Vem de todos os lados os que pavimentam os degraus que Eduardo Cunha usa para galgar postos mais elevados. Do segmento evangélico, das empresas do setor de mineração, planos de saúde, construção, telefonia, veículos tradicionais de comunicação. Até juízes federais são representados pelo deputado
Jornal GGN - Relações de poder que levam o carimbo de fisiologistas envolvem, em geral, tomada de decisões em busca de benefícios a interesses privados. Na política, é um fenômeno que não se restringe a um dos Poderes, mas se sobressai no Parlamento. Partidos e políticos ganham caráter fisiologista, por exemplo, quando oferecem apoio a qualquer governo em troca de cargos de primeiro e segundo escalão na máquina pública.
Eduardo Cunha não sairia do nada para chegar onde está hoje se tivesse se limitado ao fisiologismo tupiniquim tradicional. Mais próximo de um modelo americanizado de fazer política, o atual presidente da Câmara dos Deputados não está esperando ser agraciado pela Presidência com uma cota de ministros de sua predileção para depois desfrutar de influência e poder em Brasília.
Não é à toa que o deputado fluminense é comparado ao protagonista de House Of Cards, Frank Underwood. Na visão do congressista ambicioso do seriado, para ser bem sucedido na política é preciso diferenciar poder de dinheiro. “O dinheiro é a McMansion [termo pejorativo para casa super luxuosa que destoa do resto da vizinhança] em Sarasota [cidadezinha da Flórida] que começa a desmoronar depois de dez anos. O poder é o antigo edifício de pedra que fica por séculos. Não posso respeitar alguém que não vê a diferença”, explica Underwood, que despreza e descarta políticos que “pensam pequeno”.
O diferencial de Cunha, que certamente não pensa pequeno, talvez seja exatamente a força motriz de sua ascensão desenfreada: a elaboração constante de um mapa próprio do poder.
Ao longo dos anos, Cunha aprendeu a identificar focos de interesses que ele pode representar em troca de créditos para colher e distribuir entre aliados. Isso ampliou generosamente o leque de agentes envolvidos nas negociatas. A trama excedeu a circunscrição de chefes do Executivo e caciques partidários.
Mapeando os focos de poder
Vem de todos os lados os que pavimentam os degraus que Eduardo Cunha usa para atingir postos mais elevados. Do segmento evangélico, das empresas do setor de mineração, planos de saúde, construção, telefonia, grupos de comunicação, juízes federais.
No início dos anos 1990, quando o ex-collorido foi alçado à presidência da Telerj (operadora de telefonia do Rio de Janeiro) pelas mãos de PC Farias, um parceiro de destaque era o Grupo Globo.
À época, Cunha tinha virado alvo da Folha de S. Paulo em função de um imbróglio envolvendo uma licitação para a produção e comercialização das listas telefônicas do Rio. O jornal denunciou que os editais restringiam a participação de algumas empresas e, consequentemente, favorecia outras. Caso da Listel, do grupo Abril.
O desgaste cresceu a ponto de o presidente da Telebras iniciar pessoalmente uma movimentação para tirar Cunha da Telerj. Mas este último não ficou de braços cruzados. Ligou para uma série de empresários e políticos aliados que enviaram ao Ministério das Comunicações uma mensagem de insatisfação quanto a possíveis mudanças na Telerj. Segundo o jornalista Janio de Freitas, o Grupo Globo estava por trás da nomeação de Hugo Napoleão para o Ministério. E o próprio freou a campanha do presidente da Telebras.
"Não sei se essa outra informação ajuda a compreender alguma coisa, mas vamos lá: a concorrência para telefonia celular do Rio foi 'vencida' pela NEC [do Grupo Globo], que depois obteve de Eduardo Cunha um aditivo, mantido em sigilo, que onerou o contrato em US$ 100 mihões", explicou Janio.
Anos mais tarde, Cunha usou de sua influência entre políticos evangélicos para chegar à Companhia de Habitação do Rio (Cehab) do governo Anthony Garotinho. Denúncias de favorecimentos a empresas de construção e a relação com outro ex-collorido, o argentido La Salvia, logo renderam manchetes contra Cunha. Foi questão de tempo até ele ser afastado do cargo. Mas não demorou muito para ter novamente sobre si mais holofotes.
Na sequência, ele decidiu comprar briga com o homem forte do governo FHC, o então secretário da Presidência Eduardo Jorge - que chamava Cunha de "persona non grata".
O deputado era acusado de ser autor de um grampo telefônico ilegal que desmascarava as alianças forjadas pelo governo FHC no período. Cunha jogava para derrubar Júlio Carlos Faveret Porto da diretoria financeira do Real Grandeza, fundo de pensão de Furnas, que àquela época controlava um patrimônio de R$ 1 bilhão. Ele reclamava que Eduardo Jorge vetava suas "sugestões" ao Planalto.
Cunha negou as acusações sobre os grampos telefônicos ilegais. Nunca foi condenado por esta ou outra denúncia de corrupção dos anos 1990.
Uma década depois, Lauro Jardim publicou: “O poderoso e polêmico Eduardo Cunha é uma espécie de representante oficial dos interesses da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) na Câmara e em outras esferas governamentais. Recentemente, marcou uma audiência da Ajufe com Sérgio Cabral para que alguns pleitos da entidade fossem apresentados ao governador.”
O pedido de ajuda a Cunha foi feito em 2011 pelo juiz Fabrício Fernandes de Castro. A imprensa destacou que o deputado era “réu em dois processos movidos pela Fazenda Nacional e autor de dez ações, a maioria por calúnia, que tramitam na Justiça Federal Fluminense - ou seja, serão julgadas por juízes federais”, mas que Castro não via problemas em pedir uma mãozinha ao parlamentar.
No Congresso, as negociatas de Eduardo Cunha inflaram, entre 2010 e 2014, a arrecadação de campanha do PMDB. A própria Folha escreveu, ano passado, que um “executivo de uma grande empresa” recebeu de Cunha pedidos para “fazer doações a um grupo de 20 a 30 deputados, a maior parte do Rio, de Minas Gerais e do Nordeste." "Foi assim que montou uma cadeia de agradecimentos."
O presidente da Câmara fez lobby para empresas interessadas na votação do Marco Civil da Internet, na MP dos Portos, no Código de Mineração, nas multas que seriam aplicadas a operadoras de planos de saúde, sem negar nenhuma das jogadas. Disse, em uma entrevista recente, que gosta de ouvir as demandas de diversos setores e, se tem condições, tenta representá-los. Que mal haveria?
Eduardo Cunha chegou onde está porque entrega o que promete. E tem por regra própria não prometer o que não pode cumprir.
Jornal GGN
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