Por Cristiano Alves
A internet é um terreno fértil para as teorias mais exóticas, desde as mais extremadas às mais conformistas. Quando se trata da história dos países socialistas, a esmagadora maioria do que se vê é propaganda anticomunista, desinformação e terrorismo psicológico, mas também há a possibilidade, ainda que tímida, de se encontrar informações verdadeiras, detalhadas, pesquisadas e até documentadas. Dentre o extenso leque de teorias exóticas encontradas na internet encontra-se sites que defendem o Khmer Vermelho e Pol Pot. A Página Vermelha dedicou-se a analisar alguns argumentos.
Sabe-se que grande parte dos blogs e outras páginas da internet são escritas por jovens politicamente inexperientes e jovens sem muita leitura, ou por vezes sem senso crítico, sendo assim facilmente seduzidos por ideias simplistas, reducionistas, "se X é atacado por Y, assim como N, logo X é um personagem positivo". É baseado nesse raciocínio que surgem defensores do nazismo e até da pedofilia(sim, as internet possui sites que defendem a pedofilia sob a ótica do anarco-capitalismo, ou libertarianismo). Alguns tomam uma determinada posição por ignorância, outros por desonestidade. Em outros casos são jovens com problemas familiares, que visam na internet um meio para exorcizar seus demônios e expressar sua revolta pessoal, decorrente desses atritos.
É necessário partir inicialmente de algumas premissas básicas, Pol Pot não era comunista, o Khmer Vermelho não possui nenhuma política que se identifique com o comunismo e grande parte dos crimes a ele atribuídos foram resultado das campanhas genocidas da Força Aérea Americana(USAF) contra o Vietnã, que frequentemente invadia o território cambojano em busca de vietcongs.
Pol Pot, um aliado do imperialismo de Ronald Reagan e Margareth Thatcher
Dentre o mar de mentiras sobre o comunismo várias verdades são intencionalmente omitidas, e uma dessas é o apoio dado por Ronald Reagan e Margareth Thatcher, o casal idolatrado por todo anticomunista e mais extremado liberal. Durante 15 anos os Estados Unidos apoiaram a causa do Khmer Vermelho, tido como um aliado na desestabilização da Indochina.
Conforme revelado pelo jornalista australiano John Pilger:
"The US not only helped to create conditions that brought Cambodia's Khmer Rouge to power in 1975, but actively supported the genocidal force, politically and financially. By January 1980, the US was secretly funding Pol Pot's exiled forces on the Thai border. The extent of this support -- $85 million from 1980-86 -- was revealed 6 years later in correspondence between congressional lawyer Jonathan Winer, then counsel to Sen. John Kerry (D-MA) of the Senate Foreign Relations Committee and the Vietnam Veterans of America Foundation."
"Os EUA não apenas ajudaram a criar as condições que trouxeram o Khmer Vermelho ao poder em 1975, mas ativamente apoiaram a força genocida, politicamente e financeiramente. Em janeiro de 1980, os EUA estavam secretamente fundando forças exiladas de Pol Pot na fronteira com a Tailândia. A dimensão desse apoio era de 85 milhões de 1980 a 1986 foi revelada 6 anos depois em uma correspondência entre o advogado congressista Jonathan Winer, então conselheiro do Sen. John Kerry (D-MA) do Comitê de Relações Exteriores do Senado e a Fundação dos Veteranos do Vietnã da América".
Durante os anos 70, o Kampuchea(nova denominação do Camboja, como inclusive era chamado pela imprensa britânica) iniciou uma série de ações contra a minoria vietnamita, provocando uma guerra com o Vietnã. Nesses mesmos anos 70, conforme informado pelo professor Grover Furr, marxista-leninista americano, os EUA pressionaram a ONU para manter Pol Pot como representante oficial do Camboja, mesmo após a sua saída do poder, como forma de manter o novo governo cambojano pró-vietnamita excluído.
Em 1981, Zbigniew Brzezinsky, acessor do presidente Jimmy Carter, alegou ter encorajado a liderança chinesa a apoiar Pol Pot. Segundo ele, "os EUA(assim como a China) enviaram armas ao Khmer Vermelho através da fronteira com a Tailândia".
O papel do Reino Unido, então sob a liderança de Margareth Thatcher, foi secreto até 1989. Conforme revelado pelo Sunday Telegraph, pelo jornalista Simon O'Dwyer-Russel, correspondente diplomático de defesa e com contatos profissionais e familiares com o SAS(Serviço Aéreo Especial, tropa de elite britânica), o Reino Unido treinou vários guerrilheiros do Khmer Vermelho em bases tailandesas por mais de quatro anos. Todos os seus instrutores eram britânicos, do SAS, alguns eram veteranos das Malvinas, liderados por um capitão. Todos eram do serviço ativo.
Ao contrário dos Estados Unidos, o Reino Unido negou por muito tempo o seu auxílio ao Khmer Vermelho, até 25 de junho de 1991, quando admitiu publicamente que treinou a "resistência" do Khmer Vermelho desde 1983. O país europeu também armou o Khmer Vermelho com minas terrestres e treinou inclusive os guerrilheiros para o uso e manufatura de explosivos.
Nem comunista, nem maoísta
De acordo com Jason Unruhe, do blog Maoist Rebel News, Pol Pot não foi o único responsável pelas mortes no Camboja, mas também não era nem comunista e nem mesmo maoísta, mas um oportunista. Inicialmente eles nem mesmo se diziam comunistas, mas depois se disseram tais, todavia segundo as ideias de Marx e Engels o que define um comunista é a sua prática. E no "Kampuchea Democrático"(como seus partidários adoram chamar o país) não há nenhuma política que caracterize o regime do Khmer como comunista. O país também foi intensamente bombardeado pela USAF, que provocou mais de 10 milhões de mortes na Indochina, só no Camboja, 10% da população(cerca de 600 mil) morreram vítimas de bombardeios da Força Aérea Americana. Tudo isso torna difícil distinguir no país o que é verdade e o que é propaganda imperialista.
Pol Pot nunca se considerou um maoísta enquanto Mao vivia, Mao nunca chamou Pol Pot de "maoísta", e Pol Pot jamais apoiou a "Gangue dos Quatro", os sucessores ideológicos de Mao. Em vez disso, Pol os chamou de "contrarrevolucionários". O apoio da China maoísta ao Khmer Vermelho não é indicativo de que "Mao reconhecia Pol como seu aluno", lembremos que a China apoiou a luta de vários países do terceiro mundo, incluindo países sem a liderança de um partido comunista. Pol Pot era um oportunista. Em 77 ele declarara que Deng Xiaoping era um oportunista, mas quando este chegou ao poder, ele começou a elogiá-lo, e jamais se disse novamente maoísta.
O regime do Khmer Vermelho, segundo a Albânia socialista
O regime do Khmer Vermelho é extensivamente usado como um espantalho pela burguesia reacionária para atacar o comunismo. "Vejam Pol Pot e o Camboja", dizem os anticomunistas como tentativa de explicar o "fracasso" do comunismo e uma suposta política genocida como norma. Ocorre que todos esses marionetes dos grandes capitalistas e de pedófilos ocultam uma verdade, que é a oposição feita por vários(senão todos) os Partidos Comunistas de todo o mundo às políticas desumanas e impopulares do Khmer Vermelho.
Uma das críticas mais ferrenhas ao regime do Khmer foi feita pelo Partido dos Trabalhadores da Albânia, liderado por Enver Hodja. Enquanto algumas pessoas de esquerda tentam fazer uma apologética do regime cambojano, Hodja alega que "os diplomatas albaneses viram com os seus próprios olhos o povo cambojano ser tratado de forma desumana pela panelinha de Pol Pot e Yeng Sari". A Embaixada da Albânia, país que forneceu ajuda humanitária ao Camboja, foi cercada por arame farpado, tal como um campo de concentração, assim como a embaixada de outros países. Se esse era o tratamento dado pelo Kampuchea "Democrático", imaginemos que tratamento era dado aos inimigos...
Enver Hodja foi mais longe, chamando a ditadura do Khmer Vermelho de "grupo barbárico de fascistas de Pol Pot", questionando por que os imperialistas chineses os apoiavam.
Quem ataca o Khmer Vermelho?
É verdade que muitos líderes comunistas foram atacados por forças anticomunistas, mas também por forças supostamente comunistas, entretanto eles dividiram opiniões. Um bom exemplo disso é Iósif Stalin, condenado no XX Congresso do PCUS, mas defendido por quatro grandes Partidos Comunistas históricos, o Partido dos Trabalhadores da Albânia, o Partido Comunista Chinês, o Partido Comunista Romeno e o Partido Comunista Grego(KKE). Dentro da própria URSS vários setores do PCUS defenderam Stalin contra os ataques de Nikita Khuschov, dentre os quais Vyacheslav Molotov, o general Vassiliy Stalin, o Marechal Júkov, nos anos 70, além do Marechal Vassilyevskiy e outras personalidades políticas. Além dos Partidos Comunistas, lembremos que o povo da Geórgia se insurgiu em enormes manifestações contra Nikita Khruschov, não apenas comunistas georgianos, como também nacionalistas e até liberais! Na década de 2000, Stalin foi votado como o 3º maior nome da Rússia, em um concurso televisivo de 2008, mais de 40 após calúnias e difamações contra o líder georgiano, além de ser hoje na Rússia defendido por comunistas, nacionalistas e até monarquistas.
Diferente de Stalin, a esmagadora maioria dos Partidos Comunistas de grande relevo, senão todos, condenou a causa de Pol Pot e do Khmer Vermelho, que hoje praticamente não tem nenhum apoio ou simpatia por parte da população cambojana. Se Pol Pot foi tão relevante, como insistem alguns de seus apologistas, por que será que no Camboja não há nenhum movimento a ele favorável, ou ainda fora do Vietnã, exceto alguns escassos blogs pela web? Que grande papel Pol Pot desempenhou em prol da causa comunista? Nenhum!
Além dos partidos comunistas, grandes comunistas se opuseram individualmente ao Khmer Vermelho, dentre os quais nomes como Grover Furr, William Bland, Ludo Martens, Kurginyan, dentre outros, o que mina o argumento de que "criticar o Khmer é tomar partido do anticomunismo".
Longe de representar qualquer avanço ou referência de socialismo, como foi o caso de países como Cuba, União Soviética, Tchecoeslováquia, Alemanha Oriental, China, ou Albânia, só para citar alguns exemplos, o Camboja serve apenas como o argumento de espantalho do anticomunista. Cabe a qualquer comunista minimamente informado ter determinação para estudar e a ousadia para demonstrar que, longe de qualquer política comunista, Pol Pot foi um marionete de príncipes liberais como Reagan e Thatcher, que depois seria traído pelos antigos aliados, algo típico da política norte-americana.
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